Anielle Franco assume cargo de ministra da Igualdade Racial com discurso emocionante

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Texto por Ana Cristina da Silva.

Foto em destaque por Matheus Alves.

Ativista, jornalista, professora, escritora, fundadora e diretora-executiva do Instituto Marielle Franco. Esta é Anielle Franco, cria da Maré, que na quarta-feira (11) assumiu o cargo de ministra da Igualdade Racial. A cerimônia de posse conjunta com Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, foi realizada no Palácio do Planalto e contou com a presença do presidente Lula, da primeira-dama Janja, da ex-presidenta Dilma Rousseff e demais ministros. Em seu discurso, Anielle se emocionou ao elencar as consequências do racismo e da desigualdade no país; homenageou a irmã Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro, assassinada em março de 2018; e propôs um trabalho pautado na coletividade para transformar o Brasil de modo que todos tenham seus direitos constitucionais garantidos, sendo tratados com dignidade e igualdade. 

“Dos becos do Rio de Janeiro, alcançou as vielas e avenidas do mundo”

Para um momento tão significativo quanto aquele, a pessoa escolhida para apresentar a ministra da Igualdade Racial foi a ativista Camila Moradia que, por sua vez, começou sua fala com muita emoção: “É com imenso prazer que eu, Camila Moradia, cria do Complexo do Alemão, apresento a vocês Anielle Franco, cria da Favela da Maré, Complexo da Maré”. Ali então, no Palácio do Planalto, fora apresentada a nova ministra: mulher negra e periférica que aos 16 anos, graças ao seu talento no vôlei, conquistou uma bolsa de 100% para estudar nos Estados Unidos, onde por 12 anos transitou por 4 universidades historicamente negras; filha de nordestina; mãe de duas meninas e irmã de Marielle Franco. “Anielle, sem dúvida, será uma defensora ferrenha das políticas afirmativas”, concluiu Camila Moradia. O público recebeu Anielle Franco em um coro insistente que dizia: “Me representa!”.  

A posse das ministras Sônia Guajajara e Anielle Franco aconteceu em cerimônia conjunta, contando com a presença do presidente Lula e da primeira-dama, Janja. Foto: Matheus Alves.

A mareense começou seu discurso ressaltando que desde o assassinato de sua irmã em 2018, vem se dedicando a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes de Marielle. Ela, que é fundadora do Instituto Marielle Franco, que dentre tantas coisas segue na defesa dos direitos de mulheres negras, pessoas LGBTQIAP+ e faveladas, destaca que a luta nos anos que sucederam o governo Temer e Bolsonaro foram difíceis, mas que acarretaram naquele atual momento. “A cerimônia de hoje guarda um simbolismo muito especial, depois dos atentados sofridos por essa casa e pelo povo brasileiro no último domingo, pisamos aqui como sinal de resistência a toda e a qualquer tentativa de atacar as instituições e a nossa democracia”, diz a ministra, concluindo que tal como o racismo, o fascismo é um mal que precisa ser combatido na sociedade.

“Em meio a uma política de morte, nossa resposta foi a luta pela vida. Luta essa que nos trouxe até aquele primeiro de janeiro deste ano, quando finalmente o povo brasileiro subiu a rampa desse palácio em um gesto marcante que emocionou o mundo inteiro, pois passou um recado. Quando o nosso presidente recebeu a faixa presidencial do povo, colocada por uma mulher negra periférica, mostrou que o caminho para o Brasil do futuro será liderado por aqueles e aquelas que há séculos resistem ao projeto violento que fundou esse país”.

— Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial.

Anielle agradeceu a presença da primeira-dama, Janja, e da ex-presidenta Dilma Rousseff, chamando-as de “musa inspiradora” e “eterna presidenta”, respectivamente. Foto: Matheus Alves.

Enquanto houver racismo, não haverá democracia

Em seu discurso, Anielle Franco falou sobre a escravização e a desigualdade racial que ainda hoje faz com que a população negra seja a mais prejudicada, liderando o índice do desemprego, do analfabetismo e da mortalidade no país. Para reforçar a importância do Ministério da Igualdade Racial, ela enumerou diversos fatores que acarretam no genocídio da população pobre e negra todos os dias no país, tal como as poucas políticas públicas, o racismo religioso e ambiental e a violência estatal, chegando a dar exemplos de como as favelas são impactadas pelas operações policiais. “Se o mundo em que queremos viver é um mundo onde todas as pessoas tenham igual direito e oportunidades de serem felizes com sua liberdade, respeitando uns aos outros em paz, harmonia, com justiça e dignidade, já passou da hora de pararmos de repetir as fórmulas fracassadas que não entregam nada disso”, diz a ministra reiterando ainda que o ministério trará o racismo para debate público e institucional “de modo até então não vivenciado pela política brasileira”.

“Não podemos mais ignorar ou subestimar o fato de que a raça e a etnia são determinantes para desigualdade de oportunidades no Brasil em todos os âmbitos da vida. Pessoas negras estão sub-representadas nos espaços de poder, em contrapartida somos as que mais estamos nos espaços de estigmatização e vulnerabilidade”. 

Caminhando para uma conclusão, Anielle informou que o trabalho será feito de forma coletiva. “Em um governo de reconstrução nós gostaríamos também de falar com os não negros. O enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial é um dever de todos nós. A população brasileira não pode ser onerada com o custo das violações das quais é vítima”. Quanto às medidas a serem tomadas pelo ministério, a mareense declarou que irão buscar aumentar a visibilidade e presença de servidores negros e negras em cargos de tomada de decisão da administração pública; irão relançar o plano juventude negra viva, para redução da letalidade contra a juventude negra brasileira e ampliação de oportunidades para jovens; e irão atuar com a retomada de programas que também garantam os direitos das comunidades quilombolas e ciganas.

A cerimônia de posse foi transmitida ao vivo e pode ser assistida completa no Youtube. Foto: Reprodução.

Para assistir a cerimônia de posse das ministras Sonia Guajajara e Anielle Franco clique aqui.

“Nós estamos aqui porque a gente tem um projeto de país, um projeto de país onde uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes espaços de tomadas de decisão sem ter a sua vida ceifada com 5 tiros na cabeça. Um projeto de país onde uma mãe, de um jovem negro, não sofra todos os dias na dúvida se seu filho vai voltar pra casa porque ele corre risco de ser assassinado pelo próprio Estado. Um projeto de país onde negros, brancos, indígenas, populações tradicionais e todas as pessoas, independente de sua raça, cor, etnia, gênero, sexualidade, tenham seus direitos constitucionais garantidos e sejam tratados com dignidade, igualdade e oportunidades. (…) Nós temos um projeto de país e esperamos contar com vocês nessa construção. E é por isso que eu faço esse pedido a toda população brasileira: caminhem conosco”.

Para finalizar, a ministra da Igualdade Racial recitou o poema Vozes-Mulheres, de Conceição Evaristo, afirmando logo em seguida: “não recuaremos, não retrocederemos e não vamos abaixar a cabeça mais. Iremos construir o Ministério da Igualdade Racial que a população brasileira merece”.

Confira abaixo o poema “Vozes-Mulheres”, de Conceição Evaristo:

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
        e
        fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.

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