Aula Pública do Fórum Favela Universidade aborda a história das favelas e seus estigmas

Educação, Notícias

Por Jessica Coccoli

Foto em destaque: Ana Cristina da Silva

O Fórum Favela Universidade realizou, na última quinta-feira (25/05), a aula pública “Afirmando o que me negaram! Percorrendo caminhos que levam a favela para a universidade”. Com mais de 150 credenciados, o evento aconteceu na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ocupando o auditório Presidente João Goulart, no 9º andar. Muito simbólico, por sinal, debater esse assunto em um espaço onde já foi uma favela e que, hoje, abriga a instituição pioneira na luta pela inclusão e permanência de pessoas negras e de baixa renda no ensino superior.

Estiveram presentes na mesa o professor Mario Brum, do Departamento de História da UERJ, e a coordenadora do Museu da Maré, Cláudia Rose, que também é historiadora e possui mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais pela Fundação Getulio Vargas (FGV – CPDOC). Já a mediação ficou a cargo do pesquisador André Lima, do Conselho Comunitário de Manguinhos, e um dos fundadores do Fórum Favela Universidade.

Essa atividade faz parte da agenda de encontros mensais do Fórum, que possibilitam a partilha de saberes acerca das produções acadêmicas sobre a favela e, principalmente, que são da favela.

Bairro ou Favela?

Cláudia Rose, que foi aluna da UERJ, deu início à aula falando sobre a sua dissertação de mestrado, “Maré: A Invenção de um Bairro”, na qual trabalhou a construção de identidades sociais no território, descrevendo o processo de formação das favelas cariocas, em particular, da Favela da Maré.

O estigma da favela está introjetado nas pessoas, até mesmo nos moradores. Mas isso foi construído ao longo de muito tempo, ninguém ali criou uma ideologia contrária à favela. Isso vem sendo perpetuado ao longo das décadas e nós podemos ver claramente com as inúmeras e consecutivas operações policiais que acontecem na favela”.

Cláudia Rose Ribeiro da Silva

Segundo Cláudia Rose, o Fórum Favela Universidade é uma alternativa para combater os estigmas relacionados à favela. Foto: Ana Cristina da Silva

Cláudia ainda destaca que a denominação “bairro” da Maré se deu por meio de uma articulação do poder público com algumas lideranças comunitárias, mas sem ouvir a perspectiva dos moradores.

A pesquisa se apoiou na análise de fontes documentais, bibliográficas e, principalmente, de fontes orais, partindo de princípios importantes para o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) que são: a valorização do território e de sua história; a escuta e atenção às memórias dos moradores; e o protagonismo dos próprios agentes sociais locais.

Recontando a História das favelas

Na sequência, o historiador e coordenador do projeto de extensão “Vozes da Luta” (UERJ), Mario Brum, apresentou um panorama da história das favelas enfatizando o olhar sobre a favela enquanto problema para a cidade, uma vez que era considerada um lugar sujo e de pessoas incivilizadas.

Segundo a análise, as primeiras décadas de existência das favelas foram marcadas por ações higienistas e eugenistas, que eram empreendidas para exterminar a população negra daquela metrópole moderna e ordenada que se desejava construir. Mais tarde, entre as décadas de 1930 e 1940, com o adensamento das moradias nas favelas, esses espaços deixam de ser entendidos como instalações provisórias de populações “nômades” e, assim, a administração pública e as elites começam a adotar também um olhar paternalista e assistencialista.

Nesse sentido, seja pela via da remoção ou da aceitação, seja pela tentativa de exterminar completamente ou de urbanizar, ele ressalta que a favela passou a ser pensada e sua história narrada a partir do ponto de vista do Estado, não dos moradores.

“Como se antes (de 1930) a favela não tivesse história, como se os moradores não estivessem ali. É um apagamento total que vem desde o século XIX”.

Mario Sérgio Ignácio Brum
O Fórum Favela Universidade realizou aula pública na UERJ, que focou no protagonismo de favelados e faveladas como produtores de conhecimento.
Mario Brum explorou o tema do nascimento das favelas e o tratamento do Estado com esses territórios. Foto: Ana Cristina da Silva
Favela é solução!

Um dos pontos levantados por Mario Brum, que despertou seu interesse em pesquisar as favelas, foi o fato de não ser um tema abordado pela História. Segundo o docente, os dois primeiros programas de pós-graduação que começaram a ter pesquisas sobre as favelas foram o Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (PPGH – UFF), de onde Mario é egresso, e o Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (PPGPUR / IPPUR – UFRJ). 

No entanto, destacou-se que apesar da importância de já existirem pesquisas sobre as favelas, colocá-las em um lugar de objeto de estudo, somente, como um mero produto da crise habitacional na cidade, ainda é insuficiente para compreender sua dimensão; diferentemente de outros estudos, mais atuais, que trabalham a temática da favela a partir dela mesma.

Por fim, concluiu sua apresentação citando alguns trabalhos consideráveis sobre as favelas, incluindo as pesquisas de Aristênio Gomes e Emmanuelle Torres, ambos educadores de História do CPV – CEASM.

“A gente não quer mais morador de favela só como aluno. A gente quer como mestre, doutor e professor”.

Mario Sérgio Ignácio Brum

Ao final do evento, foram sorteados dois exemplares do livro “Pensando as Favelas Cariocas: Memória e Outras Abordagens Teóricas (Vol. 2)”, lançado pela Pallas Editora em parceria com a PUC-Rio, e organizado pelos historiadores Rafael Soares Gonçalves, Mario Brum e Mauro Amoroso – que também estão entre os autores que assinam os 12 textos contidos na obra, trazendo um olhar historiográfico sobre a favela.

Cláudia Rose e André Lima. Foto: Ana Cristina da Silva
Sobre o Fórum Favela Universidade

Iniciado em 2018, por meio da articulação entre organizações das favelas de Maré e de Manguinhos, com apoio da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Fórum realiza encontros periódicos para ampliar o debate sobre “Ciência para Redução das Desigualdades Sociais” – tema da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia daquele ano.

Os encontros são abertos e têm a finalidade de abrir espaço para o diálogo, reunindo estudantes de instituições de ensino superior e pré-vestibulares comunitários ou já formados, tendo como referência os princípios da ciência cidadã.

Além de reforçar a relevância do conhecimento produzido por universitários e universitárias de favela a partir de suas próprias vivências, nos encontros do Fórum também são levados em consideração os impactos da falta de oportunidades, das barreiras burocráticas e da discriminação racial na saúde mental da juventude favelada, por exemplo.

Comentários