Cobrança de água levanta dúvidas na Maré

Geral, Obras públicas

De boato, a cobrança de água pela Águas do Rio no bairro se tornou uma realidade, mas as informações são poucas

Por Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

Foto de capa: José Bismarck

Já faz algum tempo que boatos sobre uma possível cobrança de água vêm preocupando moradores da Maré. Em novembro de 2021, a concessionária Águas do Rio assumiu os serviços, antes prestados pela CEDAE, de distribuição de água e esgotamento sanitário em 124 bairros cariocas, entre eles o Conjunto de Favelas da Maré. Com a falta de uma comunicação adequada entre a concessionária e os moradores, tornou-se comum o acúmulo de dúvidas e frustrações. Relatos em algumas associações de moradores apontam cobranças indevidas, ao mesmo tempo em que a insistência para a instalação de hidrômetros incomoda parte da população mareense, que há muito tempo não é ouvida em seus inúmeros pedidos de melhorias na rede de esgoto. A rede da Maré foi construída há cerca de 40 anos, e nesse tempo a população aumentou muito.

Sede da Águas do Rio na favela da Nova Holanda. Foto: Ana Cristina da Silva.

Após assinar o contrato de concessão da CEDAE, a Águas do Rio tornou-se responsável não só pelo tratamento e distribuição de água, como também pela coleta e tratamento de esgoto. Na Maré, a cobrança será feita através de um boleto no valor de R$ 40,56 que serão cobrados não por família, mas por imóvel. Segundo a concessionária, ao pagar essa tarifa social, o morador terá direito aos serviços de esgoto e ao fornecimento de 15 mil litros de água por mês, após os mesmos serem regularizados dentro do território. A informação é de que uma equipe da Águas do Rio irá de porta em porta para ofertar estes serviços que exigirão a instalação obrigatória de hidrômetros nos imóveis, um instrumento de medição de água.

Problemas

Com as novas mudanças e a ausência de informação, alguns problemas se tornaram recorrentes. No Morro do Timbau e na Baixa do Sapateiro, associações relatam cobranças irregulares para os moradores da região, com valores referentes à época em que a CEDAE ainda era responsável pela Maré, envolvendo ainda problemáticas entre inquilinos e locadores dos imóveis. Para além das cobranças, está a constante demanda de serviços operacionais para melhorias na rede de esgoto, que são feitas adequadamente, mas acompanhadas de uma insistência da concessionária em relação à instalação de hidrômetros. No Morro do Timbau, a informação que se tem é que a população não concorda com o hidrômetro, e ainda menos com a pressão pela sua instalação.

Em favelas como a Nova Holanda, moradores que pedem a regularização já recebem o hidrômetro da empresa. Foto: Ana Cristina da Silva.

Para o engenheiro sanitarista da Fiocruz, mestre em Engenharia Ambiental e doutor em Medicina Tropical, Alexandre Pessoa, é importante ressaltar que a cobrança pelos serviços só poderia ser feita após a comprovação das ações da concessionária: “Não se pode cobrar esgoto para quem não tem esgotamento sanitário adequado. O que eu entendo como esgotamento sanitário adequado: a coleta, o transporte para uma estação de tratamento de esgoto e a destinação final”. Questionada sobre o assunto, a assessoria da Águas do Rio informou que as estações de tratamento, além de estarem funcionando, passaram por uma melhoria no final de 2021, quando, apenas nas estações da Nova Holanda e Baixa do Sapateiro, 266 toneladas de detritos foram removidas, colaborando para a redução de entupimentos da rede. Ainda em resposta, a assessoria informou que o esgoto da Maré é encaminhado para a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) da Penha, onde, após ser tratado, é direcionado para o mar.

Precariedade da Comunicação

Por mais que a informação seja um direito da população, um dos grandes problemas da substituição da CEDAE pela atual empresa privada vem sendo a ausência de comunicação. Presidentes das associações de moradores confirmaram a realização de reuniões com a concessionária Águas do Rio, meses atrás, mas alegam que nenhuma informação referente a tarifa social e às ações a serem feitas no território foi abordada. A própria empresa diz que, uma vez regularizado o abastecimento de água, irá “estimular os moradores das comunidades a aderir a tarifa social e às práticas de consumo consciente”. No entanto, a realidade é que alguns moradores já pagam o valor de R$ 20,26 pela água; uns possuem hidrômetro, outros não. Em casos mais agravados, há ainda aqueles que sequer sabem da existência da tarifa social.

Algumas residências já estão pagando pela água, no valor de R$ 20,26. Em alguns casos a empresa não informa sobre a possibilidade de pagar pelo esgoto. Foto: Ana Cristina da Silva.

Com muitas reclamações nas associações, principalmente a respeito do esgoto, um dos presidentes de associação diz que até uma resposta por WhatsApp, onde se mantém o contato com a concessionária, se tornou difícil. Para Alexandre Pessoa, é importante que haja o registro destas reclamações: “Essas ações têm que ser protocoladas. Na CEDAE era assim, no setor privado nós temos que ver como que isso vai se dar. Cada reclamação gerava um protocolo com um número, isso gerava uma informação (…) É a partir dessas reclamações que os órgãos de controle podem verificar se a prestação de serviço está sendo executada a bom termo”.

E quem não puder pagar?

A concessionária não deu informações sobre algumas questões que podem preocupar a população, referentes ao limite mensal de 15 mil litros por imóvel. Segundo eles, caso um domicílio ultrapasse o limite, a empresa vai checar no local se é o caso de um vazamento ou outro fator que está consumindo muito, como uma piscina. Não fica nítido como fica o valor tarifa para estabelecimentos que ultrapassarem o limite, como restaurantes, lava-jatos e outras empresas; assim como não se sabe se o não pagamento da conta, uma vez instalado o hidrômetro e feito o cadastro, poderá causar o corte de água. Esse é um ponto que pode levantar grandes preocupações na população, segundo o engenheiro Alexandre Pessoa, desde a preocupação com a própria garantia da água. “Isso gera na comunidade uma profunda incerteza e já traz impactos à saúde, com relação a problemas emocionais e psicossociais a respeito da segurança hídrica”.

Esgoto a céu aberto é um grande problema na Maré, e a solução passa pelo diálogo de todos os órgãos de saneamento ambiental. Foto: Ana Cristina da Silva.

Além de conviver com a incerteza do corte de água, caso não se pague, também não se sabe que fatores podem levar ao aumento da tarifa, que no edital de concessão são mais de 20 fatores possíveis. Assim, caso o acesso à água se torne muito caro, pode comprometer o orçamento familiar levando à redução do investimento em alimentação, por exemplo. Além disso, até mesmo para o Estado é fundamental que o acesso à água e ao esgoto sejam plenos, pois a ausência dos mesmos leva ao tratamento de doenças no SUS.

“O saneamento não pode aumentar a desigualdade social, ele tem que intervir para diminuir as desigualdades”.

Alexandre Pessoa, engenheiro sanitarista

Do mesmo modo, é preciso que demais serviços, como a CEDAE e a Comlurb, funcionem plenamente e dialoguem entre si e com a Águas do Rio para que nenhum serviço mal prestado prejudique o outro e possa justificar um aumento de tarifa. Além disso, é fundamental não apenas o diálogo com a população como a participação na tomada de decisões, a partir da formação de um comitê gestor de monitoramento das obras, previsto pelo edital.

Os moradores da Maré podem estabelecer contato com a Águas do Rio, segundo a assessoria, pelo número 0800 195 0 195, que recebe ligações e mensagens de Whatsapp. O e-mail é [email protected]. O endereço da empresa é Rua Teixeira Ribeiro, sem número, Nova Holanda, em frente à Luta Pela Paz, com atendimento de segunda a sexta das 9h às 16h.

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