Coletivo Skate Maré: arte, música e esporte alinhados em prol da cultura

Geral

Por Vitória Ellen e Diana Osório

Dezenas de crianças, jovens e adultos contam com um novo espaço de lazer na Maré: o Maré Favela Skatepark, no Pontilhão, Vila do Pinheiro, que foi inaugurado no dia 11 de Agosto. A pista é, na verdade, uma nova versão de pistas que o mesmo espaço já abrigou, uma história que vem de 10 anos atrás e que tem como protagonista o Coletivo Skate Maré.

Como o bairro mais populoso da cidade e, consequentemente, com um grande contingente de jovens, o Conjunto de Favelas da Maré pulsa vivacidade. Tendo a seu favor a expressiva pluralidade da região, o Coletivo Skate Maré desenvolve atividades de skateboard desde 2015 na localidade. O grupo de skatistas independentes promove eventos, batalhas de rima, campeonatos de skate e mutirão de grafite. Tudo alinhado com a cultura hip hop, que transpassa a arte, os sujeitos e as identidades. É uma forma de mostrar que a favela existe e que os moradores ressignificam a todo momento seu cotidiano, possibilitando mudanças no cenário social e ocupando o território.

O movimento potencializado pelo grupo expressa a arte em sua forma completa. Deslocando o foco das diversas problemáticas da favela, a equipe articula e alavanca as manifestações culturais. São os adicionais do coletivo. A oferta de suas atividades viabiliza a integração dos moradores na própria comunidade e na cidade. É importante trazer para a Maré projetos com esse viés, pois além de ser um caminho traçado para conter parte das disparidades sociais, a dinâmica proposta incentiva os mareenses a serem agentes e sujeitos em ação.

Como o projeto chegou na Maré?

Pilastra da pista grafitada por Tiago Mala. Foto: Pablo de Paula.

O movimento do skate na Maré já existe há alguns anos. Antes de 2009, alguns skatistas já andavam pelas pistas e ruas. Todavia, não era organizado. A construção da primeira pista foi em 2009, com  outra gestão da prefeitura. Em 2015 o projeto se inicia com uma nova roupagem, nova organização, um novo grupo e com o nome “Coletivo Skate Maré”. Damian, inglês que reside no Rio de Janeiro há 10 anos, fez o contato com a ONG internacional Make Life Skate Life’s, que constrói pistas de skates pelo mundo – Índia, Bolívia, Iraque, Marrocos e Nepal são alguns desses locais. A organização viu que havia um grupo articulado de skatistas no Brasil que desenvolvia suas atividades na quadra com as construções improvisadas e através de obstáculos, perceberam que o grupo já trabalhava de forma organizada mas não tinham pista, e esse foi o fator principal para o apoio da ONG belga: skatistas locais estavam em movimento, o Coletivo Skate Maré já pulsava.

Assim, através de vaquinhas para arrecadar dinheiro na internet e com doações o Coletivo Skate Maré começou a traçar sua trajetória. O esforço foi grande, segundo Tiago Cícero, apelidado de Mala, que é instrutor e grafiteiro do coletivo: “Eles viram essa necessidade e decidiram apoiar a gente. A gente teve apoio de um artista francês, conhecido mundialmente, chamado JR, que trabalha com colagens de fotografias gigantes. Ele começou a produzir peças de artes, na Europa, para arrecadar recursos. A gente lançou uma vaquinha aqui no Brasil, lançou a vaquinha na Europa e conseguiu bater a meta da grana”. O grafiteiro ainda afirma que o grupo teve a autorização da prefeitura e apoio da comunidade, e que o trabalho dos estrangeiros foi totalmente voluntário: “Esse dinheiro da vaquinha ajudou nas instalações pra eles, alimentação pra eles, comprar maquinário, pagar diária de caminhão de concreto, pagar material que a gente precisou de última hora, retroescavadeira, enfim, foi um dinheiro que a gente gastou  somente com coisas referentes à obra, instalações e divulgação”. O coletivo com a formação atual, sua logo e nome, teve início, portanto, em 2015, e desde então executa, com a didática de aulas acessíveis para todas as idades, suas atividades na Maré. A nova fase do projeto busca uma melhor organização, em uma pegada ainda mais profissional.

Construção coletiva – potencialidades do trabalho em grupo

Uma pista com padrão internacional era algo que qualquer skatista sonhava. Quando surgiu a oportunidade de elaborar um projeto como esse no Pontilhão, diversas pessoas se mobilizaram para ajudar. Voluntários de diferentes regiões movimentaram a construção da pista: Minas Gerais, São Paulo, moradores da Maré, colombianos, ingleses, alemães, dinamarquês, franceses e a Rio Hamp Design, empresa que constrói pistas de skates no Rio de Janeiro. Assim que os trâmites com a Make Life Skate Life’s começaram a ser desenvolvidos, um dos membros do coletivo contatou a Rio Hamp Design para dar o suporte na estrutura da construção. A organização forneceu várias ferramentas e projeto foi ganhando forma.

Alguns instrutores do projeto: Bactéria, Tiago Mala, Jeanzinho (canto direito) e Marcela, que tem um importante papel no role das meninas. Foto: Pablo de Paula.

Ao explicar como o coletivo atua, Mala relata: “A gente já tinha um trabalho organizado antes da construção da pista, mas estava percebendo a necessidade de ter um espaço melhor pra trabalhar. A quantidade de alunos era muito grande e o trabalho já estava limitado. A gente trabalhava com obstáculos improvisados e aí lançamos a campanha e lançamos a pilastra grafitada pedindo o apoio da comunidade para a construção da pista. É o nosso manifesto”. Foi assim, com o apoio das redes e organizações, que o Coletivo Skate Maré contou com o corpo social de moradores e de pessoas dispostas a somar e a cuidar do espaço. Tiago ainda afirma: “Isso aqui vai ser um reflexo de nós. Foi para todo mundo. Isso aqui pode revolucionar vidas”.

Organização das aulas

O Coletivo trabalha com a didática de aula que é acessível para todas as idades e sem distinção de gênero. O maior número de crianças está entre 6 e 13 anos. Participam também crianças de outros lugares do Rio de Janeiro. Os grupos são divididos entre iniciantes, intermediários e avançados, mas têm em comum que nenhum paga mensalidade, pois o projeto é gratuito. As aulas acontecem todos os sábados na pista de skate do Pontilhão às 10h, e para participar basta preencher a ficha de inscrição.

O grupo também realiza empréstimos de equipamentos e skates, gratuitamente, o que só foi possível graças a doações. A ideia fixa é a de manter o serviço gratuito. O grafiteiro Tiago Mala, em uma de suas passagens na entrevista, diz: “a gente recebeu isso de graça e a gente quer repassar isso de graça, ainda mais aqui dentro da favela. Se não, a ideia de social morre”.

Rone, que cuida do Pontilhão, zela pelo espaço, faz a vigilância do lugar, vê o que está funcionando e o que precisa melhorar, é uma das peças fundamentais do coletivo. Em sua fala, Rone traz o entusiasmo de poder fazer parte do projeto e explica: “É um projeto voltado para todas as crianças, para todos os moradores, daqui do espaço do Pontilhão. Onde tem Skate Maré, tem música, tem espaço, tem cultura! Sem cultura nós não somos nada!”.

Membros do coletivo adicionam colagem a pilastra do Pontilhão. Foto: Guilherme de Araújo.

O projeto a partir do olhar dos moradores

Leonor Carvalho, de 37 anos, foi uma moradora da Vila do Pinheiro que ajudou no desenvolvimento da pista distribuindo água para o pessoal da obra. Ela mostra a satisfação com o projeto: “Eu estou gostando muito disso aqui, dessa pista de skate que eles estão fazendo. Minha filha começou com 8 anos e pegou o ritmo do skate. Ela vem todo dia”. Carol, filha da Leonor, é uma das alunas do projeto. A mãe diz que a motivação em levar sua filha para a pista é ver o prazer no rosto da Carol, é saber que tem mais uma área de lazer na comunidade. “É uma coisa muito rara aqui na comunidade, entendeu? Ter a pista de skate, o movimento. É um lazer! Até eu venho pra cá pra me divertir, pra ver minha filha curtindo andando de skate”.

Além de Carol, outra mareense que se identificou com o skate e o coletivo foi Marcela Ferreira. Para ela, a ação do coletivo na favela ajuda a criar nas crianças a visão de que o skate é um esporte, que deve ser respeitado. No seu caso, ajuda a desestressar e seguir seus planos com mais foco: “É a minha paixão, eu me sinto bem. Eu ‘pego um rolê’ e isso não me faz desistir com tantas dificuldades”. Como mulher, ela sente também que o skate é empoderamento e oportunidade de incentivar outras meninas: “Lugar de mulher é onde ela quiser, até em cima do skate!”

Cultura e resistência na Maré

Alinhando a cultura hip hop com o skateboard, o Coletivo Skate Maré vibra. Com organização, respeito, motivação, doações, voluntários e foco o grupo promove atividades voltadas para a favela. O estímulo produzido por essas manifestações culturais tensiona e oportuniza o protagonismo dos sujeitos de ação que residem no Conjunto de Favelas da Maré e que são tão invisibilizados. Práticas como essa ajudam na integração da favela e cidade.

Arte é resistência! Arte salva! Arte é alegria! Arte é ação, essa é a do Coletivo Skate Maré.

 

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