O que muda para os moradores de favelas com o impeachment de Dilma?

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Manifestações contra o impeachment acontecem em todo país e moradores de favelas falam como isso afeta os seus direitos.

Por Miriane Peregrino

Na quarta-feira (31), o plenário do Senado aprovou, por 61 votos favoráveis e 20 contrários, o impeachment da Presidente Dilma Rousseff (PT) apesar de não existir crime de responsabilidade fiscal. A maioria dos senadores que votaram pela saída de Dilma respondem processo por corrupção e estão envolvidos na Operação Lava Jato. O então presidente interino, Michel Temer (PMDB), também é um dos acusados além de ser um ex-aliado do governo PT.

Reconhecendo que o impeachment de Dilma é um golpe parlamentar que retira do governo uma presidente democraticamente eleita com maioria de votos nas eleições de 2014 (foram 54,5 milhões de votos para Dilma e 51 milhões para Aécio Neves do PSDB) e ficha limpa, milhares de manifestantes tomaram as ruas pelo país no Distrito Federal e alguns estados brasileiros – Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Santa Catarina – para gritar “Fora, Temer”.

No Rio, a concentração do ato começou às 17h na Cinelândia e os manifestantes percorreram as ruas do centro até chegarem na ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro). Alguns pediram “Diretas Já” e “Greve Geral”. Desde 12 de maio, quando Dilma foi afastada do cargo, o então presidente interino Michel Temer (PMDB) anunciou uma série de medidas antipopulares como os cortes de direitos trabalhistas (13º salários, férias, FGTS, licença-maternidade, auxílio-creche e outros) que afetam diretamente a vida das trabalhadoras e trabalhadores.

O morador da favela de Acari, Esteban Crescente, em discurso durante o ato, observou que apesar disso a manifestação tinha pouca participação de moradores de favelas e era preciso um trabalho de conscientização popular para que a proposta de greve geral dê certo.

Para Mario Cavalcante de Abreu, 30 anos, morador do Complexo do Alemão, algumas pautas que surgiram no ato de quarta-feira, no Rio, são pautas derrotadas: “Eu esperava que o ato fosse radicalizado e, como foi durante todo o processo do golpe, a esquerda titubeou e por demérito saiu as ruas com pautas derrotadas. Ontem demonstrou um pouco disso pedindo ‘Plebiscito’ e ‘Nova Constituinte’”.

Vale ressaltar que as pautas “Eleições gerais” e “Diretas Já” também estavam entre as reivindicações dos manifestantes. No entanto, como reivindicar novas eleições se os resultados das eleições de 2014 não foram respeitados e a presidente, que não cometeu crime, foi destituída?

Mario lembra que os governos do PT “romperam com os melhores aspectos da história, programa e discurso de seu partido e frustraram as expectativas de suas bases populares” o que aumentou a desmobilização dos trabalhadores e fez, também, que tivessem poucos moradores das periferias cariocas na manifestação para defender o mandato de Dilma: “O povo mais pobre, negro e favelado não iria as ruas defender a democracia, a legalidade e o Estado de direito em abstrato, porque não é nossa realidade. No Rio de Janeiro, mais de 50% da população vive nas periferias e o Estado aqui é de Exceção”.

Moradores da favela Cerro Corá, os gêmeos Janderson e Jeferson Dias, 26 anos, participaram do ato e se manifestaram contra o impeachment: “O impeachment foi a garantia de privilégios de diversos setores conservadores e de direita da sociedade. Ao longo desses 13 anos, eles não aguentaram e não querem ver a inclusão da favela nas políticas e nós somos a grande parte da classe trabalhadora” – afirmou Jeferson.

Janderson comentou um dos pronunciamentos de Temer e sua consequência para moradores de favelas: “Ontem vi o anúncio do presidente golpista e me chamou a atenção quando ele falou que vai pacificar o Brasil. Lembrei do modelo de pacificação das favelas cariocas que só chega com a polícia e os serviços básicos, que são saúde, moradia e educação, ficam de fora. Ele já vem colocando medidas impopulares que vão afetar diretamente nós, favelados. Sabemos que esse governo quer diminuir o SUS. A maior parte da população que usa esse serviço somos nós. Esse governo não foi escolhido por voto popular, ele não tem conta para prestar a gente. Teremos que continuar resistindo como sempre fizemos”.

Moradores da Maré também se posicionam sobre o impeachment

GIZELE MARTINS, 31 anos

“Não acredito em governo algum. Acho que eles nunca vão garantir qualquer tipo de direitos a toda uma população. Acredito que eles só vão governar para eles mesmos e para uma minoria rica. Mas, se a gente parar para analisar, o governo PT, do Lula à Dilma, foi a época que garantia de direitos mínimos aconteceram para pobres, mesmo que não fossem para todos os pobres e mesmo que não garantisse a mudança total de uma igualdade social. O programa ‘Minha Casa, Minha Vida’; as Cotas; o Bolsa Família; o Prouni e outros programas sociais fizeram diferença na vida da população pobre durantes estes anos. Foi a primeira vez que ocupamos uma universidade, a primeira vez para muitos a ter casa, a primeira vez a ter como pagar uma universidade, ou a ter uma bolsa para que os filhos continuarem estudando. Lembrando que estes pequenos direitos são muita coisa para quem nunca teve nada. Além disso, todos eles foram garantidos porque o povo, durante décadas, lutaram para ter.

Com o impeachment, o que se parece é que estes tais direitos estão em risco. O governo PT, pelo menos, fingia ser popular e nos dava garantia de alguns direitos mínimos. Mas e agora? Este novo governo, ‘garantido’ por um golpe, é feito por homens ricos que jamais vão pensar no povo pobre, negro, favelado, nordestino. Acho que nós, favelados e faveladas, vamos sofrer um retrocesso na garantia destes direitos mínimos que tanto lutamos para ter. É a universidade pública, o hospital público, a educação pública, a moradia popular, que sofremos um grande risco de perdermos”. Gizele é jornalista e comunicadora da Maré há 15 anos.

ALAN FELIX, 29 anos                               

“Quem vai sofrer com esse retrocesso é a classe trabalhadora, em especial os favelados, pois o PMDB não governa para os pobres e sim para a elite brasileira. Tenho muitas críticas ao PT, não concordo com muitas alianças mal feitas e isso o fez pagar com o impeachment. Sempre gostei muito do PSOL, mas não deixo de reconhecer que o PT fez muito pelos pobres, o bolsa família é um exemplo crucial, e se hoje eu, um favelado da Maré estou dentro da UFRJ, é graças as cotas que o Governo Dilma aumentou para os pobres. E se pude viajar de avião é graças ao PT. Sabe lá o que vai acontecer agora no país e quando vou poder viajar novamente de avião. Sou filho de um pai semi analfabeto e minha mãe foi terminar o primeiro grau agora com quase 60 anos. E graças ao aumento das cotas que o Governo Dilma criou eu filho de um operário nordestino entrei em uma das melhores universidades do país. Na minha opinião, esse impeachment já vinha sendo articulando há muito tempo. Era o plano B deles caso o Aécio não ganhasse as eleições. O PMDB tinha quase a hegemonia no parlamento do país, só lhes faltavam a presidência para imperar e, por isso, fez essa articulação.” Alan é trabalhador, fez pré-vestibular comunitário a noite e cursa a graduação em geografia na UFRJ.

Manifestação “Fora, Temer” vai acontecer no 7 de Setembro

Na próxima quarta-feira, 7 de setembro, o Grito dos Excluídos será marcado pelo “Fora, Temer”. Realizado desde 1995, vários movimentos sociais e partidos de esquerda realizam o Grito das Excluídas e Excluídos em todo o Brasil.

“O Grito dos Excluídos é um ato que está no calendário de lutas no Brasil. O Grito, no Rio de Janeiro, representa um momento de resistência dos mais pobres contra as injustiças do Estado” – disse Mario Cavalcante, morador do Alemão.

Gizele Martins, moradora da Maré, também afirma a importância do ato na próxima quarta-feira: “No dia 7 de setembro, tomara que a população ocupe as ruas, levante sua voz, grite contra o golpe, contra a falta de direitos, contra toda estas ameaças que estamos sofrendo com esta mudança de governo”.

Exatamente uma semana após o impeachment, o Grito das Excluídas e Excluídos vai acontecer na Av. Presidente Vargas, onde ocorre anualmente de manhã, logo após desfile oficial de 7 de setembro.

As ruas foram, são e serão sempre a principal arena onde a população pode expressar suas insatisfações, fazer pressão ao governo e cobrar mudanças. Ao longo da história, os direitos dos trabalhadores foram duramente conquistados. Nada foi dado de presente por patrões.

 

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