Conferência de Saúde levanta principais necessidades da Grande Leopoldina

Saúde

Por Carolina Vaz

Maré, Penha, Bonsucesso, Alemão e outros bairros e favelas que compõem a Grande Leopoldina reuniram seus representantes no último dia 16, em Bonsucesso, para debater o futuro da saúde na I Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde da Grande Leopoldina. O evento aconteceu no Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) e contou com mesa de debate, momentos de microfone aberto e confecção da Carta da Grande Leopoldina. A Conferência faz parte de uma série de encontros preparatórios para as conferências distritais, estadual (etapa realizada no dia 23 de julho) e para o encontro nacional, no dia 05 de agosto em São Paulo.

Mesa de abertura, da esquerda para a direita: Marcos Menezes, Thiago Wendel, Valéria Gomes, Lucia Cabral, Carlos Fidelis e Paulo Garrido. Foto: Carolina Vaz

Espaço de participação e construção

A mesa de abertura do evento foi marcada por falas sobre a importância de a população, principalmente usuários dos postos de saúde e hospitais do SUS, participar da formulação de políticas públicas para a saúde. Lucia Cabral, representante do Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção (Educap), reiterou que a população de favela, por sofrer tantas perdas e ser tão marginalizada em seus direitos, muitas vezes não acessa os espaços de participação social, de construção democrática. Um desses espaços, o Conselho Distrital, foi ressaltado por Valéria Gomes, representante do Conselho Distrital de Saúde da Área de Planejamento 3.1. Carlos Fidelis, representante do Movimento Frente pela Vida, destacou em sua fala aspectos do acesso à saúde que passam por outras políticas públicas pelas quais também se deve lutar. Vive-se hoje um contexto de fome, desemprego e falta de esperança acentuados pela Reforma Trabalhista e pela Reforma da Previdência, que deixaram as pessoas desprotegidas. Fidelis destacou que para se ter saúde de verdade é preciso mexer em várias estruturas do país. Também participaram da mesa de abertura Thiago Wendel, coordenador de atenção primária da AP 3.1; Marcos Menezes, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz); e Paulo Garrido, representante do sindicato de trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN) e do Conselho Nacional de Saúde. A apresentação foi de Patrícia Evangelista, representante das Mulheres de Manguinhos.

Movimentos sociais colocaram suas faixas no auditório do evento. Foto: Carolina Vaz.

Reformar as estruturas para avançar em saúde

Em seguida, uma mesa redonda aprofundou alguns dos temas abordados na abertura. O mediador Jorge Nadais destacou a grande quantidade de pessoas residentes na Grande Leopoldina: quase 1 milhão, distribuídas do centro da cidade até próximo de Duque de Caxias. Dentre os seus bairros, três estão entre os cinco piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do município. Esses dados mostram o tamanho e variedade de problemas a serem enfrentados.

Hermano Castro, professor da ENSP, falou sobre a desigualdade no Brasil hoje e sua relação com os diversos adoecimentos. São 33 milhões de pessoas passando fome, a taxa de informalidade atingindo 40% dos trabalhadores, além de todos os impactos da violência nos territórios. Os milhares de jovens negros assassinados todos os anos, as escolas e postos de saúde fechados em dias de operação. Tudo isso coloca obstáculos no acesso à saúde para uma população específica, e no município do Rio grande parte dessa população é a da Grande Leopoldina. O professor da ENSP destacou ainda ações do governo federal que precisam ser revogadas para que se volte a ter alguns direitos perdidos, a exemplo do decreto presidencial que extinguiu o Comitê Técnico da Saúde da População Negra (CTSPN) e o próprio Teto de Gastos, que limita o investimento anual do SUS a menos de 4% do PIB.

Da esquerda para a direita: Hermano Castro, Jorge Nadais e Tulio Franco. Foto: Carolina Vaz.

Tulio Franco, representante da Rede Unida e professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), focou sua fala na importância da Atenção Básica (postos de saúde e hospitais) para a Grande Leopoldina. Segundo ele, a pandemia deixou isso muito explícito à medida que, no primeiro ano, as únicas defesas possíveis eram a higiene e o isolamento, e foram os profissionais dessas unidades que passaram informação e confiança. Além disso, o fato de quase todos os postos de trabalho dependerem da disponibilização da vacina para começarem a funcionar normalmente mostrou que a saúde precisa ser uma política central e não setorial; é condição para o funcionamento de todo o resto.

As demandas da Grande Leopoldina em carta

Em seguida, o evento teve dois momentos de microfone aberto. No primeiro, foram comentados temas falados na mesa; e depois, houve uma leitura da Carta da Grande Leopoldina, formulada pelo Grupo de Trabalho que organizou o evento, e essa carta foi reescrita a partir da colaboração de todos os presentes. O objetivo foi destacar no documento as principais demandas da região, para ser levado às demais conferências, até a nacional.

Um dos pontos de maior destaque nesses debates foi sobre os agentes comunitários de saúde (ACS): esses profissionais que estão no atendimento direto ao público, inclusive indo a suas casas, não têm vínculo empregatício estável, e suas demissões afetam também o público, que perde o acesso a consultas e exames, por exemplo. Demandou-se ainda que esses agentes tenham uma formação técnica própria, pois não têm as exatas mesmas atribuições dos técnicos de enfermagem, e é necessário um vínculo com o território. Outro ponto bastante abordado foi a necessidade de haver um melhor diálogo dos potos de saúde com agentes locais como líderes religiosos e formadores de opinião, levando informação para que as pessoas saibam lutar pelos seus direitos no campo da saúde, inclusive pela participação em espaços como os conselhos.

Ultima parte do evento foi marcada pelo microfone aberto para confecção da Carta. Foto: Carolina Vaz.

Na formulação do documento, foi expressa também uma preocupação com a população de rua da Grande Leopoldina e usuários de drogas, principalmente crack, sendo necessária uma reestruturação das equipes que atendem fora dos postos. Outro ponto que se destacou foi que outros profissionais dos postos tenham uma relação mais próxima com os territórios: que os médicos sejam mais próximos dos pacientes, como são os ACS, e que a gerência das Clínicas da Família sejam escolhidas pelo público e não pela Organização Social que gere a saúde no município. Ainda na elaboração da carta, foram adicionadas como exigências da Conferência a garantia de orçamento para a efetivação das políticas através de leis, para que não sejam flexíveis a gestões temporárias.

Leia a versão final da Carta da Grande Leopoldina aqui.

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