Coronavírus na África: isolamento eficiente e suas contradições

Geral

Por Carolina Vaz / Jornal O Cidadão*

Desde o início da pandemia de Coronavírus, surgiu no mundo uma preocupação particular com a África. A expectativa, que acreditavam ser realista, era de que a doença geraria os maiores números de contágio e morte nos países africanos. Porém, isso não se confirmou. Apesar de ser o segundo continente mais populoso do mundo, com 1,2 bilhões de habitantes, a África apresenta o segundo menor ritmo de crescimento de casos da doença. Fica atrás apenas da Oceania, o menor dos continentes. O sucesso dos números está associado, em geral, ao isolamento e controle dos infectados, porém a perspectiva otimista nesse aspecto não deve omitir outros problemas deflagrados.

Total de casos no mundo em 03/06. Foto: UFRGS.

Possíveis causas para os baixos números

O primeiro caso apareceu em 14 de fevereiro, e quase dois meses após, em 8 de maio, havia pouco mais de dois mil óbitos. Em 12 de maio, 55 mil infectados. O país que lidera o ranking é a África do Sul: em 03 de junho tinha tido 35.812 casos. O Egito, 27.536 casos. A Nigéria, ontem (04), contabilizava 11.166 pessoas que foram infectadas.

Assim como em vários países, e mesmo aqui no Brasil, os baixos números são associados à falta de testes suficientes. Assim, os números reais seriam maiores. Porém, percebe-se também que alguns dos países mais afetados, como África do Sul e Egito, estão entre os mais turísticos. São os que têm tráfego de voos internacionais e nacionais mais intenso e também maior circulação interna. A existência de redes de circulação dentro dos países, em áreas urbanizadas especialmente, com rodovias, serviços de logística operando, trocas comerciais entre locais distintos, são determinantes para a circulação do vírus. Regiões menos urbanizadas, consequentemente, terão menor circulação. Tem-se ainda o registro do uso de medicina natural no tratamento do coronavírus, com o uso de ervas, como foi feito no Zimbábue. A alternativa é vista, em uma das perspectivas, como uma solução africana para vencer a doença, utilizando-se de saberes tradicionais e até mesmo da dimensão espiritual das doenças.

 

Chegada de profissionais cubanos na África do Sul. Foto: Flickr de GovernmentZA.

Esses são motivos prováveis, mas não se pode explicar a baixa circulação do vírus no continente africano apenas por fatores externos; houve organização e estratégia interna para isso acontecer. Ruanda, quando tinha menos de 20 casos, foi um dos primeiros países a implementar o isolamento social, fechar fronteiras e interromper voos internacionais. O país levou uma semana para entrar em lockdown e, após um mês do primeiro caso, tinha apenas 134. Em Addis Ababa, capital da Etiópia, foi feita uma pesquisa de porta em porta com os 5 milhões de moradores, documentando sintomas e histórico de viagens. Eles testaram todos que apresentavam sintomas. A África do Sul fez parecido: enviou trinta mil pesquisadores de saúde para checar 15% da população do país em menos de um mês. Descobriram que havia 2 casos positivos a cada mil pessoas. Outro fator que influenciou em alguns países foi a experiência prévia com o ebola, também causado por um vírus. A República Democrática do Congo (RDC) vive uma epidemia da doença desde 2018, o que faz com que já existam protocolos, rotas de logística, equipes de controle para contenção do vírus. Ruanda, Burundi e Uganda são vizinhos da RDC e contam com esses protocolos, assim como o Sudão do Sul, onde já na metade de março qualquer estrangeiro que chegasse tinha sua temperatura medida e telefone e endereço de hotel registrados.

Profissional de saúde atuando no leste africano. Foto: africom.mil

Efeitos colaterais

O isolamento social é de fato uma das medidas mais eficazes para evitar o espalhamento do vírus, mas quando as políticas públicas estão voltadas para o isolamento e o tratamento dos casos, muitos outros fatores de sobrevivência podem ser deixados de lado. O fechamento de unidades de saúde fez com que vacinas de rotina, como do sarampo, deixassem de ser aplicadas em crianças. Em 24 países, 117 milhões de crianças deixaram de receber a vacina. Sarampo e poliomielite são mazelas que podem ressurgir a partir desse fato. Além disso, pacientes com tuberculose não estão recebendo máscaras o suficiente para não transmitir a doença, e estima-se que podem surgir 6,3 milhões de novos casos. Portadores de HIV e doentes com malária também não estão recebendo seus medicamentos devidamente. A circulação de remédios e de alimentos está comprometida com a menor circulação de veículos, o que faz com que os preços aumentem, uma situação dramática em especial para os trabalhadores diaristas que ficaram sem renda.

Fontes:

BBC

Deutsche Welle

Jornal O Kwanza

Opera Mundi

The New Yorker

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

 

*Publicado originalmente no Portal Favelas

 

 

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