Douglas Silva: do teatro mareense ao Big Brother Brasil

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Por Ana Cristina da Silva

O ator Douglas Silva, de 33 anos, que recentemente conquistou o terceiro lugar na 22ª edição do Big Brother Brasil, não esconde de ninguém que veio da Kelson. No entanto, o que muita gente não sabe é que a Kelson, também conhecida como Marcílio Dias, é uma das 16 favelas que compõem o território da Maré. Antes do estrondoso sucesso ao interpretar os conhecidos personagens Dadinho e Acerola, quando ainda era criança, Douglas participou de um projeto social chamado Teatro Vivo da Maré, onde conseguiu, inclusive, a oportunidade para fazer os testes do filme Cidade de Deus, que teve sua estreia em 2002.

O curta-metragem Palace II, exibido pelo programa Brava Gente no final do ano 2000, foi o primeiro trabalho profissional de Douglas, gravado quando ele tinha por volta de 10 anos de idade e ainda morava na Maré. O curta foi a introdução dos personagens Laranjinha e Acerola que, mais tarde, ficaram famosos através do seriado Cidade dos Homens, exibido pela Rede Globo. No entanto, o trabalho que veio a alavancar a carreira de DG, como também é conhecido, foi o filme indicado ao Oscar, Cidade de Deus, onde interpretou a versão jovem do traficante Dadinho. Com estes dois personagens que marcaram época, Dadinho e Acerola, Douglas ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Havana em 2002, pelo seu trabalho em Cidade de Deus, e se tornou o primeiro ator brasileiro a ser indicado ao Emmy, uma das mais famosas premiações de programas e seriados, graças à sua atuação na série Cidade dos Homens. Dos trabalhos mais recentes do ator, destacam-se a série Samantha, lançada em 2018 pela Netflix, e a sua participação na novela Amor de Mãe, exibida pela Rede Globo em 2019.

Douglas Silva em cena marcante do filme Cidade de Deus (2002). Foto: Reprodução.

Teatro Vivo da Maré

Sempre que perguntado, durante entrevistas, DG menciona que antes de seus trabalhos na TV ele fazia teatro em um projeto social dentro da comunidade. Filho de Clarinda Silva, Douglas e seus quatro irmãos foram criados na favela Marcílio Dias, na Maré. Na infância, Douglas estudava na Escola Municipal Souza Carneiro quando um projeto financiado pela Enda Brasil, uma ONG francesa e senegalesa, chegou à escola para oferecer oficinas de teatro aos alunos. O projeto, chamado Teatro Vivo da Maré, acontecia em três diferentes escolas, mas na Souza Carneiro era dirigido por Marcela Moura, atriz, pesquisadora e professora de teatro.

De acordo com Marcela, o Teatro Vivo atuou por mais ou menos 4 anos, no início dos anos 2000, e era um teatro híbrido que trabalhava com as técnicas do Teatro do Oprimido de Augusto Boal e uma técnica conhecida pelo nome de pointviews, da americana Anne Bogart. “Quando eu vi o Douglas em cena, em uma das primeiras improvisações que fizemos, eu fiquei completamente arrepiada. O primeiro pensamento que veio à minha cabeça foi ‘meu Deus, eu estou na frente de um grande talento, de um espírito muito brilhante’. Eu precisava ajudar esse garoto”, relembra a professora que até hoje segue admirando o trabalho de Douglas. “Ele sempre foi de uma inteligência e humor muito grandes. Ele era agitado, o tempo todo dançando, falando, não parava, mas era totalmente concentrado, centrado e maduro. Ele tinha total consciência da dificuldade da situação política e social dele. Por incrível que pareça, toda vez que aquele menininho de 10 anos abria a boca era uma sabedoria que ele soltava”.

Da esquerda para a direita: Douglas Silva, Marcela Moura e Diego Lucena durante ensaio do Teatro Vivo na Maré. Foto: Arquivo pessoal.

Diego Lucena, um dos integrantes do Teatro Vivo, também morava na Marcílio Dias e estudava na Souza Carneiro. Hoje, morando em Ramos, ele relembra que o projeto chegou a realizar 4 Festivais de Teatro, onde todas as turmas do projeto, incluindo as das escolas Tenente Antonio João e Ciep Vicente Mariano, também participavam. “Nessa época eu era um dos mais velhos do grupo. Meio que eu era o paizão de todo mundo (…) inclusive tem uma história bacana sobre o DG, porque ele ainda era muito novo e a gente participava dessa peça no Centro da Cidade, no Teatro João Caetano, e eu meio que ficava tomando conta deles (atores mais novos)”. Segundo Diego, o projeto acabou servindo de porta de entrada no ramo artístico para muita gente, inclusive ele. “A Marcela, como ela é atriz profissional, sempre estava indicando a gente para testes. Fizemos testes para a Globo, fizemos testes para filmes. Eu cheguei a fazer o teste para Cidade dos Homens junto do Douglas”.

Douglas e uma de suas irmãs após apresentação de um dos espetáculos do Teatro Vivo. Foto: Arquivo pessoal.

Oportunidade para o filme Cidade de Deus

No início do reality show da TV Globo, DG contou para alguns dos participantes como havia ingressado no elenco do filme Cidade de Deus. Segundo ele, a professora do projeto social no qual ele fazia parte havia colocado no quadro o endereço para a realização dos testes do filme, pedindo para que os alunos comparecessem. Marcela Moura diz que naquela época ela estava gravando um curta metragem com alguns atores do grupo Nós do Morro, através deles ficou sabendo que estavam à procura de um ator de 10 anos para um filme. “Eu fiz um escândalo, falei que tinha um ator e que ele era maravilhoso. Me lembro de ter ficado bem emocionada em perceber que era uma oportunidade”. Marcela levou o contato para seus alunos da Souza Carneiro e pediu para que todos fizessem os testes, porque outras oportunidades poderiam surgir ali. “Já com o Douglas, eu o chamei no canto e eu quase o obriguei. Eu insisti muito porque eu tinha certeza que era pra ele, eu tinha certeza do talento dele e essa oportunidade era muito o perfil que ele tinha”.

Apesar da ascensão de Douglas no meio artístico, ele esteve presente no projeto do início ao fim, interpretando, muitas das vezes, os protagonistas dos espetáculos. “Ele participava de todas as peças, nunca faltava nenhum ensaio. Era comprometido, trabalhador, generoso, cooperativo e muito inteligente e bem humorado. Quando ele começou a televisão e o cinema, o projeto já estava sendo finalizado. Portanto ele ficou do início ao fim”, afirma a professora de Teoria Teatral. Marcela ainda afirma que todos eram talentosos e o projeto era algo lindo, mas destaca a necessidade de mais oportunidades para os jovens artistas de territórios periféricos. “Foi emocionante receber a ligação dizendo que o Douglas era realmente muito bom e foi escolhido. Fiquei contente e um pouco apreensiva, mas confiava na força do Douglas. Isso mostra a necessidade de políticas públicas que possibilitem o acesso às oportunidades e a emergência e o florescimento dos nossos talentos”.

Espetáculo O Rei do Bicho, onde Douglas atuou como protagonista. Foto: Arquivo pessoal.

Big Brother Brasil

Douglas Silva já é o segundo mareense a participar do programa da Rede Globo, a primeira foi a empresária Bianca Andrade, conhecida também como Boca Rosa, na 20ª edição do programa. Tendo passado 100 dias dentro da casa do Big Brother Brasil, ele conquistou o público com seu bom humor e suas palavras, onde por vezes se mostrou grato por tudo o que havia acontecido a ele, deixando claro que sua essência era a favela. Em uma disputa entre 20 participantes o ator ganhou dois carros Fiat Pulse e garantiu o terceiro lugar, levando para casa o prêmio de R$ 50 mil. Para Marcela Moura, que ainda mantém contato com o ator, ele deveria ser visto como exemplo: “Tem que ter mais chances nas universidades, nos projetos sociais, nas empresas, porque talento não falta, né? Acho que o Douglas é um bom exemplo disso, ele deveria ser visto não só como um caso particular, mas um caso que poderia ser a história de muitos outros também”. 

 

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