Ex-funcionários da Edigráfica lutam por seus direitos há 2 meses; foram mais de 300 demissões

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No mês em que se comemora o Dia da Trabalhadora e do Trabalhador (1º de maio), cerca de 350 pessoas não têm o que comemorar: elas foram demitidas há quase dois meses da empresa Edigráfica, situada na Baixa do Sapateiro, na Maré, e estão até agora sem receber direitos trabalhistas como multa rescisória e FGTS. As tentativas de negociação se encerraram no início de abril, quando a empresa declarou que eles deveriam “procurar os direitos na justiça”.

Atividades encerradas

Flávio Amorim é um dos trabalhadores que compõem a comissão formada para negociar com a Edigráfica, empresa pertencente ao grupo Esdeva. Impressor gráfico, ele completaria no próximo dia 09, segunda-feira, 27 anos de trabalho na empresa, tendo iniciado quando o local ainda pertencia à Ediouro. Ele, inclusive, imprimiu muitas edições do Jornal O Cidadão. Segundo Flávio, o trabalho paralisou em fevereiro, quando chegou o feriado de Carnaval e os trabalhadores receberam férias coletivas, devendo retornar no dia 3 de março. Depois, o retorno foi adiado para 7 de março, e a chegada foi uma surpresa para todos pois havia um aviso na porta: ATIVIDADES ENCERRADAS. Naquele dia, foram demitidos cerca de 350 funcionários, incluindo todos do serviço gráfico, mantendo apenas administrativo e recursos humanos. Rapidamente, foi acionado o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas, STIG, e formada uma comissão de funcionários para conversar com os responsáveis pela empresa, a Esdeva, com sede em Juiz de Fora (MG). As conversas foram realizadas com Alexandre Mendonça, responsável pelas negociações, e Roberta Cardoso, gerente na área de Recursos Humanos.

Ainda no mês de março, foram feitos “pagamentos simbólicos”. Estes pagamentos, que tinham valores diferentes para cada trabalhador, foram feitos de forma avulsa até que os funcionários recebessem por completo o salário de fevereiro. Entretanto, nada mais foi declarado, pela Esdeva, sobre os direitos trabalhistas garantidos pela CLT após a demissão. Os valores a serem recebidos variam de caso a caso, porém para todos faltam o FGTS correspondente a dois anos, aviso prévio e multa rescisória, como é o caso de Flávio. Quanto maior o tempo de serviço, maior a multa. A empresa enviou uma carta individual para cada funcionário expondo o valor que teria a receber, mas eles dizem que são valores defasados em relação aos reais direitos.

A empresa se encontra fechada porém há atividade de pessoal internamente.

Segundo os ex-funcionários, ainda no mês de março, uma comissão de trabalhadores se encontrou com representantes da Esdeva, e em reunião a comissão foi informada de que a empresa não tinha verba suficiente para pagar as rescisões de trabalho e nem os salários devidos. A partir dali tentaram desenvolver um acordo que traria a garantia do pagamento desses valores através da venda de máquinas, onde uma delas já havia sido avaliada em torno de 1,4 milhão de reais. Este acordo deveria ser encaminhado para a comissão e para todos os funcionários demitidos, para que eles avaliassem e fizessem uma votação para aprovar ou reprovar o mesmo, mas o rascunho deste documento nunca chegou a ser encaminhado para nenhum deles. Outra informação passada pela empresa foi de que em 10 dias, portanto até 17 de março, haveria uma posição sobre a data de pagamento dos valores devidos, o que não aconteceu.

De acordo com os trabalhadores, a empresa afirmou ainda que pagaria os demais valores vendendo as três máquinas de maior porte: Euroman 1, Euroman 2 e Bolero. Segundo os cálculos dos gráficos, uma delas seria suficiente para quitar a folha de pagamento dos funcionários demitidos, entre três e cinco milhões de reais. A informação de que as máquinas pagariam a folha salarial foi, mais tarde, desmentida pela própria empresa, que deixou de dar qualquer garantia sobre o pagamento dos direitos e disse apenas que os funcionários deveriam procurar os direitos na justiça. Apesar desse silêncio, que já dura mais de um mês, os funcionários têm a informação de que algumas máquinas ainda presentes no parque gráfico já foram vendidas e estão em processo de desmontagem. Por serem muito grandes, este é um processo longo, somente desmontados os equipamentos serão removidos e levados para outra gráfica.

350 famílias impactadas

Flávio Amorim começou a trabalhar como motorista de aplicativo, após perder o emprego, apesar de ter direito a um valor significativo pelo tempo de dedicação. “É frustrante, após 27 anos de prestação de serviço para a empresa, por um simples ato de covardia, mandarem você procurar seus direitos na justiça”, afirmou.

É um caso semelhante ao de Edinaldo, que trabalhou na empresa por 25 anos. Ele tem boas memórias do início de sua atuação na Ediouro, pois havia apoio da chefia para realização do trabalho, com todos os equipamentos e materiais necessários e os direitos garantidos, sem atraso. “Quando eu entrei nós tínhamos cinco ou seis benefícios. Era participação em lucros, recebíamos horas extras, ticket alimentação, ticket combustível, vale-transporte, a festa de final de ano era muito boa, tinha presentes para os filhos”. Segundo Edinaldo, quando o parque gráfico foi comprado e se tornou Edigráfica, o trabalho começou a precarizar. Não recebiam o material adequado para a demanda de impressão e ainda assim eram pressionados para executar, além de trabalhar sábado e domingo. Ficou ainda pior quando foi comprado pela Esdeva, que foi quando mudou toda a chefia, “do diretor ao encarregado”. Além de faltar material, pararam de depositar o FGTS.

Recentemente a Esdeva enviou cartas a seus credores, mas eles contestam os valores. Foto: arquivo pessoal.

Outros funcionários já vinham identificando “sinais negativos” na empresa, como é o caso de Aline Pessôa. Ela trabalhou como Auxiliar de Produção 1 na empresa por 2 anos e 7 meses, e agora espera o pagamento da verba rescisória e do FGTS. Morando com o marido, um filho de 1 ano e outro de 13, eles estão se mantendo com o salário do marido e o seguro-desemprego de Aline. Outra Auxiliar de Produção, Ana, que se dedicou à empresa por 19 anos, vive situação ainda pior: “Na minha casa somos 4 pessoas, eu pago aluguel e só eu trabalhava, era a única renda que tinha aqui. Estou desempregada e estou vivendo com o auxílio-desemprego, que é pouco também”. Ela ainda relatou estar desenvolvendo problemas de saúde pelo estresse da falta de renda e imprevisibilidade da entrada do dinheiro.

André Souza, operador de máquina que ali trabalhou por 17 anos, destaca a desonestidade por parte de uma empresa cujos donos são da política e buscam a aprovação do povo. “São 350 famílias que estão desempregadas e passando necessidade, eles estão querendo votos para a próxima eleição. Eles são milionários mas não querem pagar as famílias humildes, e ainda estão debochando das nossas famílias”. No caso dele, a empresa ainda deve ainda o valor das férias remuneradas.

Marco, operador de máquina de acabamento, está vivendo de pequenos bicos enquanto espera receber os valores de aviso prévio e rescisão de contrato, além de não poder sacar o FGTS por ter optado pelo Saque Aniversário, como é o caso de muitos da empresa. O seu salário, cerca de dois salários-mínimos, sustentava ele, esposa e duas filhas. “Minha vida está uma bagunça, cartão pra pagar desde fevereiro, conta de luz pra pagar também, está tudo atrasado porque Marcos Neves não quer pagar nossos direitos”, afirmou, referindo-se a um dos diretores da Esdeva.

Recuperação Judicial

Os funcionários da Edigráfica foram demitidos no dia 07 de março, e no dia 09 a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, que foi deferido no dia 26, e este processo está correndo. No próprio site da empresa é possível acessar a Lista de Credores, ou seja, pessoas e empresas com quem a Esdeva tem dívidas, uma lista extensa de nomes do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais totalizando 17,8 milhões de reais. Porém, somente no caso do Rio de Janeiro todo o parque gráfico está sendo fechado e o pessoal demitido.

Conforme a própria empresa informou a um dos funcionários, no processo de Recuperação Judicial uma administradora judicial deve apresentar um plano, o Plano de Recuperação Judicial, numa assembleia de credores, onde eles deverão votar pela aprovação, modificação ou rejeição do plano. No caso de aprovação, será homologado por um juiz e depois se inicia o pagamento aos credores. Esse processo pode levar até seis meses apenas para se levantar os valores e elaborar o Plano.

“Agiram de má fé e foram desonestos demais com a gente” é a indignação expressa por Paulo Bastos, funcionário do parque gráfico na Baixa por 15 anos. Ele se encontra muito preocupado com o pedido de Recuperação Judicial da empresa, pois para ele só faria sentido se a Esdeva tivesse mantido parte dos funcionários, em vez de mandar todos embora. Além disso, a chamada RJ é um processo longo, que pode levar até 2 anos, o que o preocupa: “Acho que daqui a dois anos pedirão falência e todos os funcionários tomarão um grande calote”.

Carteira de trabalho de Paulo Bastos, o documento que garante os direitos que estão sendo ignorados. Foto: arquivo pessoal.

 

Mais de 15 anos de dedicação registrados. Foto: arquivo pessoal.

Ediouro, Edigráfica e Esdeva

O parque gráfico presente na Baixa do Sapateiro por várias décadas pertenceu à Ediouro, uma empresa famosa pelas revistas Coquetel e que, por mais de 15 anos, imprimiu também o Jornal O Cidadão. Em 2015, quando o local já se chamava Edigráfica, foi comprado pela Esdeva, uma empresa mineira de Juiz de Fora. Segundo os trabalhadores, foi a partir dessa compra que tudo começou a piorar. Em 2020, a empresa começou a demitir funcionários cujas funções poderiam ser acumuladas por outras pessoas, além de atrasar pagamento de salário. O vale-transporte era descontado do salário mas não entrava nos cartões, e o plano de saúde, também sendo descontado, não estava sendo pago à empresa do plano. Uma entrevistada contou que chegou a estar num estabelecimento de saúde para realizar um procedimento e ali ser informada de que o plano não estava valendo. Ao procurar os Recursos Humanos da empresa, ouviu que isso estava acontecendo com muita gente e ela teria que esperar. Além disso, deixaram de pagar horas extras para fazer banco de horas.

Além da comissão de trabalhadores, o grupo conta com um advogado que o está representando na justiça e buscando meios para a execução de seus direitos no menor prazo possível.

A equipe do Jornal O Cidadão entrou em contato com a Esdeva através do email disponibilizado para o caso, mas não obteve resposta até o dia 09 de maio.

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