FLORES DA (MA) (RÉ)

Memória

Por Mariana dos Reis

Eram 4 da tarde. A jornalista, chefe de gabinete e amiga na intimidade  da vereadora Marielle Franco sequer havia almoçado. Com semblante aparentemente cansado, Renata Souza  se apresenta com ares  de ter tido sua vida revirada de “cabeça para baixo” desde o dia  14  de março, assassinato de Marielle.

Duas “crias” da Maré inseparáveis que se conhecem no histórico Pré Vestibular CEASM (Centro de Estudos e Açoes Solidárias da Maré), reduto de formação política de diversos militantes que hoje assumem um papel fundamental na luta pelo direito dos favelados nos movimentos sociais. Formadas pela PUC- RJ ( Renata em Jornalismo e Marielle em Ciências Sociais), as duas atuavam em diferentes frentes de movimento na favela e se reeencontram na composição da equipe do primeiro mandato de Marcelo Freixo, em 2007.  A parceria profissional e política marcou a união de uma irmandade inseparável nas lutas sociais em defesa do povo favelado e na vida particular. Vestimentas iguais usadas, grupos de amigos em comum, mesmos locais freqüentados. Pistas que denunciam o alto grau de intimidade nas fotos das  redes sociais. As iniciais das duas MA e RE formam o nome do lugar de pertencimento responsável pela formação de consciência política destas duas potências femininas negras.

No  decorrer da entrevista, interrupções emocionadas e voz  embargada ao se remeter as inúmeras memórias  de sua irmã companheira. Após responder a entrevista, expressa confidências de acontecimentos sem explicação que ocorreram no seu cotidiano antes de Marielle falecer. Um deles, no dia 14 de fevereiro, um mês antes do assassinato, momento em que Renata quebra seu braço direito, levando uma dura queda no chão no mesmo horário da execução de Marielle (entre 21:30 e 21:40).Sentiu uma dor tão forte que sua sensação foi de perda de uma “parte do seu corpo”na ocasião e de estranhamento do processo do tombo.

Renata e Marielle são responsáveis por subverter estatísticas relativas à condição da maioria esmagadora do conjunto de 54 % da população negra, dentre 27% desta parcela formada por mulheres pretas. De 60 mil pessoas assassinadas, 71% eram negras segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Quando o comparativo relaciona-se com o local de moradia, o relatório da Anistia Internacional  evidencia que os jovens moradores de favela são mais propenços a serem mortos pela polícia. De 1275 assassinatos registrados pela polícia militar, 79% dos assassinatos atingia pessoas negras.

Quando o recorte populacional é em cima de“ Gênero”, percebe-se que as mulheres negras vivem num mundo muito mais violento  que as mulheres brancas. O número de brasileiras negras assassinadas aumentou 54% entre 2003 e 2013,  apesar da Lei Maria da Pena(Lei 11.340/06) ter sido sancionada em 2006 e ter havido uma redução de 10% na violência contra as mulheres brancas.A escritora Vilma Piedade explica o conceito de “ dororidade” em sua literatura, ao definir um sentimento de dor somente proveniente a condição do “existir” histórico das mulheres pretas e compreensível na relação entre as mesmas.

Conceição Evaristo, grande referência para a juventude e movimento negro homenageou Marielle após sua morte em forma de poesia, afirmando  sua descrença a “nadificação” de um corpo ao tombar no espaço feito poeira. Neste mesmo direcionamento, viralizou-se no movimento de mulheres em luta o provérbio mexicano: “Quiseram me enterrar mas não sabiam que éramos sementes” . Assim, reivindicamos mais sementes negras que “movimentem as estruturas do mundo”como afirma Angela Davis em seus estudos.

Entrevistaremos hoje uma dessas “sementes” de Marielle. Com a palavra, Renata Souza:

Como você conheceu Marielle Franco?

Renata Souza:A nossa relação de confiança se estabeleceu quando  eu reivindicava uma bolsa de estudos na PUC-RJ e tinha que me reportar à Marielle, que era secretária do Ceasm e responsável pelas bolsas, na época. Eu ficava com ela ao telefone desesperada, esperando que a pessoa me atendesse e a Marielle falando: ‘Não sai da sala que a pessoa vai te atender’”. Nessa mesma época em 2003,  atuamos juntas no movimento chamado “Posso me identificar”, com as mães do morro do Borel, devido à chacina ocorrida naquele ano. Em 2006, fizemos a campanha contra o Caveirão, quando foi implantado nas favelas do Rio de Janeiro. No mesmo ano, realizamos a campanha de Marcelo Freixo e passamos a compor a equipe do primeiro mandato, em 2007, iniciando a militância política partidária.

Para ler a entrevista na íntegra acesse o site: Jornalistas Livres

*Mariana dos Reis é professora e atuou no curso do Pré-vestibular comunitário do CEASM (CPV Maré) entre 2016 e 2017.

 

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