Fórum sobre Drogas na Maré debate os impactos do proibicionismo nas favelas

Geral, Saúde

Por Jessica Coccoli

Foto em destaque: Ana Cristina da Silva

Na última semana, nos dias 29 e 30 de maio, foi realizada a 6º Edição do Fórum sobre Drogas na Maré, no Espaço Normal – local de referência em saúde mental e acolhimento de pessoas em situação de rua e que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. O encontro reuniu moradores da Maré e representantes de organizações locais, como a ONG Redes da Maré e o coletivo Movimentos, além de profissionais dos equipamentos públicos de saúde, saúde mental e assistência social, atuantes no território e bairros adjacentes.

A programação contou com palestras sobre a atual conjuntura da política de drogas no Rio de Janeiro, os impactos negativos da política de segurança pública associada ao uso de substâncias ilícitas e alternativas ao proibicionismo por meio da redução de danos. Além dos debates, nos dois dias de evento também foram realizadas ações de intervenção artística, oficinas de azulejaria, dança, desfile de moda etc. O evento contou, ainda, com lanche da manhã e almoço gratuito para todos os presentes.

Guerra às Drogas

Em uma das mesas, sobre os impactos da política de segurança pública na política de drogas, participou o coordenador de Educação e Pesquisa do Movimentos e também educador do CPV – CEASM, Aristênio Gomes, falando dos problemas relativos à chamada “Guerra às Drogas”, que está colocada no contexto das favelas e periferias como um caminho para combater o mercado varejista de drogas.

O educador chamou atenção para a quantidade de chacinas que já ocorreram no Rio de Janeiro, apoiadas na lógica da criminalização desses territórios, relembrando três das cinco operações policiais mais letais da história do estado: uma no Jacarezinho, em maio de 2021, que deixou 28 mortos; outra na Vila Cruzeiro, em maio de 2022, que deixou 24 mortos; e a mais recente, em julho de 2022, que deixou ao menos 17 mortos no Complexo do Alemão.

Tem sido normal ver nos jornais que 20 e poucas pessoas morreram, que 19 pessoas foram assassinadas… Em um estado onde se gasta mais com Segurança Pública do que com Educação e Saúde, a gente sabe qual é a opção para a população periférica e preta”.

Aristênio Gomes
Aristênio (camisa amarela) ressalta que a criminalização das drogas não começou em 2006, com a atual Lei de Drogas, mas que chegou ao seu ápice nos últimos anos. Foto: Ana Cristina da Silva.
Redução de Danos nos territórios da Maré

Mais um ponto discutido no evento foi a Redução de Danos como estratégia de saúde pública, já que o foco principal dessa prática é garantir a autonomia dos indivíduos e fazer com que eles se engajem no próprio tratamento, diminuindo danos físicos, psicossociais e jurídicos relacionados ao uso dessas substâncias – na contramão da ideia de abstinência como única solução para lidar com as drogas.

O redutor de danos André Galdino, que atua no Espaço Normal e também é coordenador de incidência do coletivo Movimentos, mediou um amplo debate com profissionais da área, agentes sociais e usuários dos Centros de Atenção Psicossocial, além de frequentadores do Espaço Normal, para compartilharem experiências e falarem da relevância do trabalho de redução de danos e seus desafios em contextos de violência.

Uma das convidadas da mesa foi Cristiane, moradora da Nova Holanda, que relembrou o seu processo desde que foi acolhida pela equipe do Espaço Normal. “Eu não sabia ler e nem escrever. Através do jornal Maré de Notícias, que eu entregava na porta do pessoal da comunidade, eu só via as figuras, não sabia nem o que estava escrito. Aí veio na minha mente a vontade de voltar a estudar”, contou. A mareense emocionou o público ao revelar que retomou os estudos no ano passado e que, atualmente, já consegue ler e escrever. “Hoje eu tenho orgulho de mim mesma”, afirmou.

O evento também foi aberto à participação de usuários dos Centros de Atenção Psicossocial e frequentadores do Espaço Normal. Foto: Ana Cristina da Silva.

Além dela, Antônio, que começou a frequentar o Espaço Normal há cerca de cinco anos, destacou em seu depoimento a importância de se ter respeito por todas as pessoas.

Agradeço a Deus por essa oportunidade e agradeço a vocês por estarem aqui”

Antônio da Cunha
Da esquerda para a direita, André Galdino, Vanda Canuto, Cristiane e Antônio. Foto: Ana Cristina da Silva.
Antiproibicionismo em pauta na Câmara Municipal

Também esteve presente a vereadora Luciana Boiteux (PSOL), que é advogada, militante dos Direitos Humanos e professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ. Em sua fala, ela pontuou a necessidade de se realizar discussões desse tipo em um espaço de diversidade, seguindo a perspectiva do acolhimento e do reconhecimento das verdadeiras demandas do território, e não poupou críticas ao atual modelo de segurança pública e à legislação de drogas.

“O encarceramento em massa e as violações de direitos se dão em nome de uma guerra. Na verdade, uma guerra contra pessoas negras, contra a favela e contra os direitos de todo mundo que reside nesses territórios”

Luciana Boiteux

Por fim, a parlamentar comentou a necessidade de fortalecer a discussão sobre os usos terapêuticos e medicinais da Cannabis, enquanto direito à saúde, e se colocou à disposição para ouvir as demandas da população e levá-las adiante, a fim de traçar novas políticas públicas.

O Fórum sobre Drogas na Maré

A iniciativa teve início em 2016, a partir do desejo de ativistas, lideranças locais e profissionais de serviços públicos de viabilizar uma maior aproximação e fortalecimento da rede de atenção à saúde, saúde mental e assistência social no Conjunto de Favelas da Maré.

Na prática, os desdobramentos do Fórum são realizados por meio do ATENDA ‒ Espaço de Atendimento Integrado, que é uma articulação de diversos serviços públicos de saúde e assistência social, junto a organizações da sociedade civil, no intuito de acolher e assistir pessoas que fazem uso abusivo de crack, álcool e outras drogas, além da população em situação de rua em geral, domiciliada na Maré e redondezas.

Hoje, integram o Fórum representantes do Espaço Normal, do Maré de Direitos e da Casa das Mulheres da Maré (Redes da Maré); CAPSad III Miriam Makeba; CAPS Carlos Augusto Magal; CAPSi Visconde de Sabugosa; “Consultório na Rua” de Manguinhos; Unidade de Acolhimento Adulto Metamorfose Ambulante; Centro POP José Saramago e Movimentos.

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