Jovens e crianças artistas da Maré se apresentam em Santa Teresa

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Festival Juventude da Maré levou peças de drama e comédia do Teatro do Oprimido ao Parque das Ruínas

Carolina Vaz

No último domingo, 29 de novembro, a juventude artística da Maré subiu as ladeiras de Santa Teresa. Eles foram se apresentar – e assistir seus amigos e parentes – no Festival Juventude da Maré, no Parque das Ruínas. Este foi um evento de apresentações teatrais de Teatro do Oprimido, e aconteceu das 09h às 19h, em seis peças e performances, além de contação de histórias. Cerca de 40 jovens atuaram. Também havia a exposição Visões da Maré, no pátio do parque e no espaço das ruínas, que continua por lá até o próximo domingo, dia 06.

Público assiste ao espetáculo Marcha Borboleta, no pátio do Parque das Ruínas. Foto: Renato Mangolin
Público assiste ao espetáculo Marcha Borboleta, no pátio do Parque das Ruínas. Foto: Renato Mangolin

Você conhece o Teatro do Oprimido?

Teatro do Oprimido é uma metodologia de teatro que pretende colocar em questão a realidade das atrizes e dos atores envolvidos, causando reflexão neles mesmos durante toda a criação da peça e nos espectadores. Segundo Geo Britto, coordenador do Teatro do Oprimido na Maré, é todo o elenco que planeja texto, cenário, música, luz, figurino, tudo. Ele também destacou a importância da presença de parentes nas apresentações: “Não basta fazer o trabalho só com os jovens, o trabalho é integrado. Até porque muitas vezes os conflitos que acontecem estão relacionados com a família.”

Crianças assistiam atentas e até interagiam com os personagens. Foto: Renato Mangolin
Crianças assistiam atentas e até interagiam com os personagens. Foto: Renato Mangolin

Teatro fórum

Algumas das peças apresentadas no domingo foram em formato “teatro fórum”, quando após o espetáculo alguém da plateia pode ir interpretar um personagem mudando sua atitude. Uma delas foi a “A resposta é só não?”, do grupo Marear. Nessa história, o jovem Diogo, morador da Maré, consegue um emprego numa empresa multinacional. Ele se sai muito bem e está prestes a ser promovido. Mas descobrem que ele tinha mentido na entrevista, dizendo que morava em Bonsucesso, e começam a discriminá-lo por ser morador de favela, acusando de roubo inclusive. Por fim, ele é demitido. Após a apresentação, houve intervenção de três pessoas da plateia, que queriam que o personagem reagisse com mais firmeza ao momento da demissão.

Segundo Janna Salamandra, uma das diretoras, esta foi uma história real escolhida dentre outras histórias do grupo. As atrizes e os atores dizem já ter sofrido preconceito por serem faveladas e favelados em shoppings, na zona sul e outros espaços na cidade, e por isso diziam ser de Bonsucesso. “Eu falei: ei, pode parar. A gente não tem que ter vergonha de ser da comunidade, tem que ter orgulho. E fazer as pessoas entenderem que a gente é da comunidade e merece respeito. Trabalhando com a metodologia eles foram entendendo isso, hoje em dia não têm mais vergonha de dizer: eu sou da Maré”, conta Janna.

A atriz que mais “sofreu” nessa peça foi Tailene Santos, de 17 anos. Ela fez o papel da Amélia, a funcionária que arranja tudo para demitir Diogo. Foi ela que precisou lidar com as intervenções das pessoas da plateia, bravas com a situação de preconceito que acontece. Ela conta que estava tranquila para fazer o papel, mas tinha medo mesmo era do fórum: “Estava com medo do povo vir me detonando, mas até que foi fácil”. Ela é atriz há quatro anos, tendo começado no Teatro em Comunidades, no Parque União, e seguindo os passos da irmã foi para o Teatro do Oprimido. “Isso mudou minha concepção de pensar, o jeito de falar”, resume.

Luciana Nunes, Janna Salamandra e Tailene Santos, do grupo Marear. Foto: Carolina Vaz
Luciana Nunes, Janna Salamandra e Tailene Santos, do grupo Marear. Foto: Carolina Vaz

Outra peça em formato fórum foi a “Em uma família”, do grupo Maré 12, do Piscinão de Ramos. Nela, a menina Ana, de 15 anos, quer praticar futebol mas o pai acha errado. Ele também acha que ela não pode ir à festa que deseja, porque é menina e não sabe se defender. Além disso, somente a mãe e Ana cuidam da casa. Essa história foi baseada na família das gêmeas Nara e Nayla, de 17 anos, atrizes da peça. Segundo Veronica Freire, mãe das meninas, desde que elas começaram a praticar o teatro do oprimido vários assuntos são debatidos em casa, e elas aprenderam que em relações familiares tudo tem solução, na base da conversa. Talentosas, elas praticam há anos e uma delas quer seguir a carreira artística.

Veronica Freire, mãe das atrizes Nara e Nayla, assistiu tudo com muito orgulho. Foto: Carolina Vaz
Veronica Freire, mãe das atrizes Nara e Nayla, assistiu tudo com muito orgulho. Foto: Carolina Vaz
Cena da peça Em Uma Família. Foto: Renato Mangolin
Cena da peça Em Uma Família. Foto: Renato Mangolin

Cailane Neto, de 11 anos, foi com a família assistir à apresentação da prima, Maiara. Ela gostou de tudo: das peças, das músicas e das roupas. E ficou até com vontade de fazer teatro também. Sua avó, Tânia Fernandes, foi assistir teatro pela primeira vez nos seus 71 anos de idade. Ela adorou as peças e o Parque, e não se arrepende de ter apoiado a neta: “Eu falei pra ela (Maiara): se for coisa boa, você vai. Eu apoio, e agora vou apoiar mais ainda, e as outras netas também.”

À esquerda,
À esquerda, Cailane Neto, no centro sua prima, e à direita a avó, Tânia Fernandes. Foto: Carolina Vaz

Com atrizes e atores crianças e jovens, assim como o público, a maioria das peças expunham questões familiares como estereótipos de gênero, pais autoritários, preconceitos, e também a realidade da perda repentina de pessoas queridas para a violência. O objetivo é estimular a reflexão da convivência entre as pessoas e também mostrar ao público externo que faveladas e favelados são cidadãos e podem, como todo mundo, ser muito talentosos. Segundo Janna Salamandra, dentro do grupo se discute muito por que a sociedade tem tanto preconceito com quem vem de favela, e ela diz que é porque a grande mídia sempre mostra o que tem de ruim na favela, a violência. Assim, a sociedade fica com um medo imposto e quem sofre é a moradora ou morador, vítima de discriminação.

Teatro do Oprimido na Maré

O Teatro do Oprimido existe na Maré há mais de 15 anos, mas especialmente os últimos dois anos foram de muitas oficinas e apresentações. São três núcleos: Maremoto, do Museu da Maré (na Baixa do Sapateiro); Marear, do Observatório de Favelas (Nova Holanda); e o Maré 12, no Piscinão de Ramos. Eles já fizeram mais de 70 apresentações em espaços como universidades, praças e teatros, a maioria na Maré. Mas, segundo Geo Britto, a lógica é de ocupar diferentes espaços da cidade, levando a estética do conjunto de favelas e quebrando o preconceito: “No Teatro do Oprimido, a gente costuma dizer que a gente faz teatro em qualquer lugar, até mesmo no teatro”, brinca Geo. No dia 10 de dezembro, estarão no Festival Todo Mundo tem Direitos, no Parque Madureira.

 

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