Maré recebe roda de conversa com o pré-candidato Guilherme Boulos

Geral, Notícias, Utilidade pública

Por Diana Osório e Jordana Belo

Na última quinta-feira, 12 de julho, a Maré recebeu o pré-candidato à Presidência da República Guilherme Boulos (Psol) para uma conversa com comunicadores populares e midiativistas. Nesta data também se completaram 120 dias da morte da vereadora Marielle Franco, cuja vida e cujo mandato foram interrompidos tragicamente em março deste ano. Nascido na cidade de São Paulo, Boulos possui uma trajetória política marcada pelo ativismo político e social no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), em que lidera a luta por moradias para pessoas sem teto. Possui formação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente é coordenador nacional do MTST. Aos 36 anos, Boulos empreende em 2018 sua primeira candidatura na política.

Aqui na Maré ele esteve no primeiro “Roda Viva na Laje”, em que apresentou suas propostas e ideias aos jovens comunicadores. Estiveram presentes representantes dos seguintes coletivos e coletivas: Marginal; Resistência CDD; Manivela; Maré de Notícias; Poesia de Esquina; Maré Vive; MTST; Intersindical; Conexão G; O Cidadão e Mídia NINJA, além do cartunista Vitor Vanes. A pré-candidata a deputada estadual pelo Rio de Janeiro, Renata Souza (Psol), que é moradora da Maré, também participou da sabatina. O evento foi organizado pela aliança formada pelo Psol, PCB e movimentos sociais como o MTST, a APIB e a Mídia NINJA.

Foto: Diana Osório.

Boulos defendeu a construção de um governo feito a partir das demandas e das necessidades sociais, buscando o apoio das maiorias sociais para realizar um projeto de mudança do Brasil.  “Tem que mudar a forma como se governa no Brasil. Governabilidade, para projeto de mudança, se dá com a sociedade e com maiorias sociais”, afirmou Boulos, que defendeu a importância dos benefícios conquistados através das políticas públicas e também do investimento na politização das pessoas. “Nós temos que trabalhar a politização da sociedade e a participação. Eu acredito que um programa como o nosso, de distribuição de renda de verdade no Brasil, de reforma tributária, de democratização da mídia, de democratização do sistema político, ele vai ser feito desse jeito, não tem outro caminho: não é pelas vias tradicionais, e para isso nós precisamos de uma energia que venha de um lugar diferente.”

Além de política, as temáticas de segurança pública, saúde pública, educação, democratização da comunicação, racismo e políticas de cultura foram colocadas na roda. Confira o que o pré-candidato falou sobre cada tema:

Segurança Pública

Segundo Boulos, o sistema de segurança pública brasileiro atual herda um pensamento da década de 1980, época da redemocratização do Brasil, baseado na militarização da vida e dos territórios em que se emprega o uso de “tiro, porrada e bomba”, segundo Boulos, para resolver cada crise que o país enfrenta. Essa é a receita que prevalece nos últimos 30 anos: mais presídios, mais polícia, mais violência contra a juventude pobre e negra para responder ao sentimento de medo da população. “Há um populismo da violência. A candidatura do Bolsonaro é a exploração do medo das pessoas: faz populismo em cima de cadáver. O medo torna todo mundo vulnerável à intolerância, ao ódio. E muitas vezes vemos também a esquerda cedendo a isso, fazendo discurso punitivista, tendo práticas punitivistas, não tendo ousadia e coragem para colocar o debate da desmilitarização das polícias e para enfrentar a guerra às drogas. Tem uma guerra que é um extermínio, uma guerra que é um massacre. Tem que haver um compromisso em reverter essa lógica de segurança”.

A proposta que Boulos prepara para sua campanha é pensar um modelo de segurança pública partindo da unificação das polícias em uma polícia civil que cumpra os papéis preventivo, ostensivo e investigativo de polícia judiciária. Assim, extinguiria-se a PM, que é uma herança da ditadura, em que o militar é formado para lidar com o inimigo. Aqui no Brasil, o inimigo é a juventude negra e pobre, que está sendo presa e morta. Esse sistema de segurança pública que Boulos pretende criar teria sua ação voltada para dois focos: a prevenção, oferecendo mais oportunidades e maior diversidade de oportunidades para as juventudes de periferias e favelas (mais trabalho, educação, lazer e cultura); e a investigação, pois a maior parte dos crimes está ligada ao tráfico de armas e de munição, o que pode ser combatido por um bom trabalho de inteligência e investigação.

Foto: Diana Osório

Modelo político que fortaleça as municipalidades

Boulos afirmou que, durante suas caminhadas e visitas por diversas partes do país, percebeu um desencanto e uma descrença com política e com políticos que afeta muitos brasileiros. Isso reflete o descaso com lideranças e com populações que não se sentem representadas nas instituições da política brasileira. Nesse contexto, ele defende a criação de um sistema nacional de democracia direta que pretende fortalecer e visibilizar as vozes dos brasileiros, o que se dará através da aplicação dos mecanismos de participação popular que estão sendo negligenciados durante a gestão do governo Temer: plebiscitos e referendos como forma de tomada de decisão, e conselhos deliberativos municipais que possam decidir sobre o orçamento público de acordo com o interesse das populações locais.

Saúde

Essa questão, segundo Boulos, é sempre uma das prioridades para o brasileiro. Ele afirmou que o sistema do SUS é um importante sistema de saúde pública que o país oferece, mas que precisa receber mais investimento para dar conta das demandas de todo o território brasileiro. Segundo Boulos, privatizar todo o sistema de saúde não é a solução. A saúde pública no Brasil é muito ruim, não por causa do modelo, mas porque ela está sendo subfinanciada. “Saúde não pode ser mercadoria. Atualmente a União destina R$ 30 bilhões para a saúde, e isso precisa ser multiplicado, para ampliar a rede de atendimento”, defendeu.

Outra observação feita por Boulos é a carência de investimento estatal na saúde primária, que trabalha na prevenção. Ele defende que cuidar e estimular o trabalho das equipes de saúde da família e dos agentes comunitários de saúde é o ideal, pois são esses profissionais que cuidam das pessoas e das famílias desde a prevenção à doença. Isso deve ser acompanhado de investimentos nas equipes de médicos, em hospitais e em equipamentos.

“Saúde tem que começar na prevenção: saúde é ter saneamento básico na comunidade, saúde é as pessoas terem moradia digna, é as pessoas terem trabalho e comerem bem. Começa aí”, observou.

Foto: Diana Osório

Educação

Escolas públicas brasileiras estão muito defasadas, na opinião de Boulos, e portanto requerem investimentos em diversos níveis: desde o currículo que precisa incluir pautas mais atuais até a estrutura das escolas. “Temos de debater a qualidade e o currículo da educação. Queremos formar nossos jovens para fazer prova? Nós queremos uma educação que só forme a juventude para o mercado de trabalho? Ou nós queremos uma educação que forme para a cidadania, que forme para a vida?”, questionou o pré-candidato.

Ele acredita numa educação que resgate Paulo Freire e que se construa a partir da experiência e das vivências das pessoas. Uma escola que trate de grandes temas, como violência contra a mulher, questões de gênero e diversidade sexual. Nas universidades públicas, ele almeja a ampliação do número de vagas para incluir mais jovens.

Foto: Diana Osório

Geração de emprego e renda

Boulos propõe, nesse tema, a aplicação de políticas públicas de geração de emprego e oportunidades, além da efetivação do programa do Jovem Aprendiz, que reserva 5% das vagas de empregos nas empresas para aprendizes, o que geraria 600 mil empregos para jovens em todo o país, segundo ele.

Outra estratégia para gerar mais empregos é aumentar investimento público. Nos últimos 3 anos, segundo Boulos, o governo federal privilegiou cortes em diversas áreas, como saúde, educação e obras, para resolver o problema fiscal. No entanto, isso reduziu a geração de empregos e de renda, o que acabou acarretando em uma redução da arrecadação estatal. Boulos defende que, além do reajuste fiscal, é necessário o investimento público.

Se for eleito, ele pretende realizar uma reforma tributária progressiva, taxando grandes fortunas e arrecadando dos mais ricos, enfrentando os privilégios dados aos grandes empresários e aos donos de grandes fortunas, como a “bolsa-empresário”, que dá desoneração fiscal para grandes empresas. “O pessoal fala muito do bolsa-família. Às vezes o que a gente ouve, e isso inclusive acontece na comunidade, eu já ouvi isso dentro de ocupação do MTST: ‘ah, não tem que dar o peixe não, tem que ensinar a pescar’. Essa é uma visão preconceituosa a respeito do bolsa-família. O bolsa-família é R$ 30 bilhões no orçamento da União. O bolsa-empresário é R$ 283 bilhões, e a gente não vê ninguém falando que não tem que dar o peixe pro empresário, tem que ensiná-lo a pescar. Tem que cortar essa bolsa-empresário para dar condição de investimento em política pública e recuperar o emprego e a renda”, afirmou.

Comunicação

Ele afirmou que irá priorizar como pauta de sua gestão a questão da democratização da comunicação, fortalecendo a comunicação pública e comunitária e garantindo estímulo financeiro e regulamentação que proteja essa comunicação popular. Democratizar é ter diversidade de vozes e de representações, segundo Boulos. E ele defende essa pauta em lugar do atual sistema de comunicação brasileiro, marcado por interesses empresariais e pelo monopólio, o que desrespeita a Constituição de 1988, principalmente porque alguns políticos, segundo Boulos, são proprietários de alguns dos veículos de comunicação mais fortes no país.

Ele pretende criar uma grande rede de comunicação pública, que parta da sociedade, e que valorize essa democratização. A ideia é estabelecer uma grande rede que proteja e estimule comunicadores populares e comunitários de todo o país; não se trata de uma rede física, em que todos trabalham da mesma forma, respeitando a um interesse ou um patrão, pois é preciso valorizar a diversidade das mídias locais que representam territórios diferentes. O papel do Estado, afirmou Boulos, é criar as condições materiais para que esse trabalho reverbere e se amplie: através de uma regulamentação da rádio e difusão comunitária que será definida em conjunto com coletivos e coletivas de modo participativo e amplo, ouvindo as necessidades e interesses desses profissionais. Além da regulamentação, a intenção é criar um fundo que possa dar condições materiais para que essas mídias continuem seu trabalho baseado em compromissos éticos e feitos com as comunidades.

Boulos também debateu a questão da democratização da Internet Banda Larga, e afirmou que ampliar essa ferramenta para uso público é uma das pautas de sua pré-campanha.

Cultura

Para criar novos espaços de visibilidade para as produções culturais brasileiras, ele pretende investir em políticas públicas através do fomento estatal. Atualmente, ele explica, boa parte dos incentivos em cultura são feitos de modo privado, através de empresas e de instituições privadas. Isso acaba influenciando nos critérios que definem quem receberá esse incentivo. Com o fomento estatal, a intenção é incluir a cultura periférica, negra, indígena, quilombola e popular nessa oportunidade de investimento.

Foto: Diana Osório

Política pública para moradores LGBT de favela

A invisibilização da população LGBT no Brasil atinge também a produção de dados e estatísticas sobre essa população: pouco se sabe sobre essas pessoas em quantificação estatística. E isso evidencia o preconceito contra esse grupo da sociedade. Boulos ressalta que essas pessoas carecem de mais apoio do Estado, e que sua gestão pretende criar políticas públicas de saúde, de moradia e de educação que incluam as demandas dessa população entre as ações do governo. Uma das propostas de Boulos é criar uma linha de atendimento especial para a população LGBT, oferecendo acolhimento.

Racismo

Boulos ressaltou que, embora a luta contra o racismo e a militância já tenham conquistado um espaço para colocar suas pautas e reivindicar ações do Estado para resolvê-las, o que se vê é, ainda, muita desigualdade gerada pelo racismo. “O assassinato da Marielle nos possibilita várias reflexões. Uma delas é o quanto incomoda uma mulher negra, ousada, sem medo, na política. O quanto o sistema político tradicional e oligárquico não consegue lidar com isso. E de algum modo é difícil não associar o assassinato da Marielle a isso também: ela representar estar num lugar que, na cabeça do sistema político, não era o lugar dela. E que ela precisava ser removida desse lugar”, lamentou.

O que ele propõe é estabelecer um governo que pense, em conjunto com as lideranças e os representantes da militância, formas de protagonismo e participação política das mulheres e dos negros e negras; que construa mecanismos de igualdade salarial para enfrentar o racismo no âmbito econômico; e que trabalhe para desmilitarizar a polícia e combater o racismo estrutural que se manifesta na segurança pública.

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