Marielle Franco é homenageada no carnaval da Maré

Memória

Por Miriane Peregrino*

Neste mês de março, várias homenagens estão sendo realizadas em memória de Marielle Franco (1979-2018), vereadora assassinada ano passado junto de Anderson Pedro Gomes, seu motorista, no Rio de Janeiro. Aqui destacamos as de um carnaval político, principalmente na Maré. Marielle foi uma das personalidades homenageadas pela Vila Isabel e pela Estação Primeira da Mangueira. A Mangueira foi a grande vencedora da Sapucaí deste ano com o samba-enredo “Histórias pra Ninar Gente Grande”. Em São Paulo, ela também foi homenageada. A escola paulista Vai-Vai lembrou a carioca no desfile “Vai-vai, quilombo do futuro”.

O carnaval é a maior festa popular do Brasil e, anualmente, ele espelha a realidade e o cotidiano da nossa sociedade. Neste carnaval, Marielle Franco também recebeu homenagens nas ruas e uma das mais expressivas foi a do Se Benze que Dá, bloco de carnaval fundado por Marielle e um grupo de amigos na favela da Maré, onde ela nasceu e cresceu.

Cartaz de Divulgação traz antiga imagem de Marielle em desfile do Se Benze que Dá

Em 2005, cansados de atravessar a cidade para festejar o carnaval nos blocos de rua da zona sul, esse grupo de moradores decidiu criar um bloco ali mesmo, na favela da Maré, zona norte do Rio de Janeiro. “Essa é a galera da Maré, meu amor / Só tem gente bamba” – dizia o refrão do primeiro samba do bloco de carnaval Se Benze que Dá. Dentre os fundadores do bloco estavam Marielle Franco e Renata Souza que, anos mais tarde, seriam eleitas vereadora (2016) e deputada estadual (2018) do Rio de Janeiro pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Importante ressaltar que o bloco de carnaval é politizado, mas nunca foi partidário. O Se Benze que Dá reúne pessoas de orientação política diversificada que se unem para denunciar e enfrentar as dificuldades cotidianas da favela.

O bloco, que agrega também visitantes e amigos da Maré aos desfiles, se tornou um instrumento de luta política, cultural e educacional que coloca em pauta o lugar que os moradores da Maré ocupam não só na cidade do Rio de Janeiro, mas também dentro da própria favela.

Desfile realizado no dia 23 de fevereiro deste ano. Foto: Ratão Diniz

Nas letras dos sambas anuais, alguns de autoria coletiva, muito protesto contra a entrada do Caveirão durante as operações policiais na favela, as remoções que marcaram os megaeventos esportivos na cidade, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o muro (barreira acústica e visual) erguido ao longo da Linha Amarela, e também referência à história da favela e ao funk. O samba de contestação é sempre acompanhado pelas cores do bloco -, o laranja, o verde e o preto -, a irreverência dos acessórios e o sorriso de alegria na luta que marca o semblante de cada integrante.

Já são 14 anos do Se Benze que Dá e a cada ano um novo desafio se apresenta no momento de organizar os ensaios, realizar o percurso, conquistar a adesão de mais moradores. Em 2019, o samba-enredo chamou-se “O amor impera” que, com dor e com esperança, homenageia a fundadora Marielle Franco:

O amor impera, no samba

Marielle é luta, de bamba

É carnaval, chegou a hora

Se benze que dá, vambora!

Nas redes sociais, um cartaz com uma antiga foto de Marielle Franco fantasiada num dos desfiles do bloco anunciava os dias de saída do Se Benze que Dá neste ano: 23 de fevereiro e 9 de março, desfilando sempre um sábado antes e um depois do carnaval.

Geandra Nobre, mestre de bateria, usa arco com homenagem a Marielle Franco durante desfile do bloco. Foto: Ratão Diniz

No primeiro desfile o ponto de encontro foi a rua São Jorge, na Nova Holanda, em frente a casa da porta estandarte e fundadora do bloco, Renata Souza. Uma rua emblemática na favela. Em 2013, várias pessoas foram assassinadas naquela rua num esquema de vingança do BOPE. Em 2014, a rua foi palco de um ato de decoração anti-copa. Marielle estava lá. Ela sempre estava. Este ano, da São Jorge saíram os foliões do Se Benze que Dá com adereços denunciando as fake News das campanhas do “mito”, uma alusão ao atual presidente eleito no Brasil. Muitos cartazes e as placas de rua em homenagem a ex-moradora executada. Para o dia 9 de março, a proposta de percurso foi a saída da Vila do Pinheiro em direção ao Morro de Timbau.

Cria da Maré, Marielle foi camelô até os 18 anos, também foi dançarina da Furacão 2000. Ela fez o pré-vestibular comunitário do Morro, engravidou antes de conseguir entrar na universidade. Persistiu. Conseguiu uma bolsa integral para cursar a faculdade e formou-se em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Fez mestrado em Administração pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi assessora parlamentar do deputado estadual, Marcelo Freixo (PSOL). Se elegeu para o Legislativo municipal em 2016 com 46 mil votos para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.

Como o samba do Se Benze que Dá, “O amor impera” cantou: “Dandara, Cláudia, Amarildo e Marielle / Não por acaso preta é a cor da pele”.

Mãe de Luyara. Companheira de Mônica Benicio, que Marielle conheceu e por quem se apaixonou há mais de dez anos, ali mesmo na Maré, em frente à Igreja dos Navegantes. Filha da Dona Marinete e do Sr. Antonio. Irmã de Anielle. Neta do Sr. Francisco, dono de uma das vendas mais conhecida da favela.

Letra do samba 2019 do Se Benze que Dá homenageia Marielle Franco

Neste carnaval, Marielle está na Maré, presente na letra do samba, nas imagens dos cartazes que cobram justiça, na festa das crianças da Maré que seguram placas com seu nome, no apito da diva da bateria (a mestra), Geandra Nobre, no canto de Léo J. Melo puxando o samba, no gingado de Renata Souza ao levantar o estandarte do Se Benze que Dá e em cada uma e cada um que compartilhava com ela a linha de frente do bloco, tocando tamborim com um ramo de arruda na orelha: “Se Benze que dá!”

Hoje, 14 de março, é o primeiro “Dia Marielle Franco – Dia de Luta contra o genocídio da Mulher Negra” como parte do Calendário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.

Chegamos a 365 dias sem ela.

Marielle, presente!

#justiçaparamarielleeanderson

 

* Extraído do artigo “Por um carnaval político e em memória de Marielle Franco” desenvolvido por Miriane Peregrino no âmbito da C& Mentoring Program e sob supervisão de Jota Mombaça.

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