Mexicanos e moradores da Maré somam forças contra a violência de Estado

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Por Carolina Vaz e Miriane Peregrino

Publicado originalmente no blog Vozes das Comunidades

Em 26 de setembro do ano passado, 80 estudantes mexicanos viajavam de ônibus para coletar fundos para sua escola, a Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos. Isso aconteceu na região de Ayotzinapa, estado de Guerrero, México. No caminho, o ônibus foi atacado a tiros por policiais militares. Mais tarde os mesmos jovens foram baleados por homens sem uniforme, enquanto davam entrevista. Entre mortos, feridos e desaparecidos, até hoje famílias e amigos procuram 43 estudantes dos quais não sabem o paradeiro. Eles denunciam que o Estado mexicano não investiga o caso seriamente, apresentado versões que não condizem, mas seguem cobrando respostas.

Familiares dos desaparecidos formam a Caravana 43 Sudamérica, que visita cidades da América do Sul para falar sobre o caso. Na última quarta-feira, 10 de junho, três familiares e um colega dos jovens passaram o dia no conjunto de favelas da Maré. Na parte da manhã, o grupo visitou o Centro de Cultura Popular Ypiranga de Pastinha, importante local de luta e referência da capoeira de Angola, e as casas de famílias vítimas de violência do Estado. Conheceram mães que perderam seus filhos nas mãos de polícia, exército ou milícia.

Caravana 43 Sudamérica caminha pelas favelas da Maré. Foto: Miriane Peregrino
Caravana 43 Sudamérica caminha pelas favelas da Maré. Foto: Miriane Peregrino
Visita à exposição do Museu da Maré. Foto: Miriane Peregrino
Visita à exposição do Museu da Maré. Foto: Miriane Peregrino

Carlos Alberto, morador da Maré e um dos articuladores da visita da Caravana 43, afirmou que a atividade foi planejada em conjunto com vários movimentos sociais do Rio de Janeiro: “A gente pensou numa atividade que mostrasse com clareza a realidade das favelas do Rio”. Continuou: “Essa pacificação, sabemos, é uma grande farsa de política de segurança pública”. Nessa perspectiva, os organizadores pensaram no trajeto realizado pelas favelas da Maré, ocupada pelas tropas federais desde 30 de março de 2014.

Atividades no Museu da Maré

No inicio da tarde, o grupo foi recebido no Museu da Maré, onde conheceram a história da formação do conjunto de favelas. Uma das salas do museu abriga neste mês de junho os desenhos feitos por estudantes do CEFET – Maracanã em homenagem aos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa. Neste dia, além dos desenhos, também havia uma projeção de fotografias da Caravana.

Seguinte à exposição, a caravana e representantes de movimentos sociais se reuniram para uma roda de conversa sobre a violência estatal no Brasil e no México. As mães, pai e jovem mexicanos expressaram gratidão por poder conhecer esta realidade brasileira, e força para continuar procurando os estudantes e lutar contra a violência do Estado. Francisco Sanchez, colega dos desaparecidos, prometeu levar para seu país tudo que aprenderam aqui e nas demais cidades que conheceram.

Homenagem dos estudantes do CEFET aos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa. Foto: Miriane Peregrino.
Homenagem dos estudantes do CEFET aos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa. Foto: Miriane Peregrino.

Mães de jovens violentados e mortos pela polícia carioca contaram sobre suas perdas e suas lutas. Havia mulheres da Rocinha, Manguinhos, Alemão e Maré, e também representantes das Mães de Maio. Uma delas contou viver sempre assustada, assim como outras mulheres da sua localidade: “Meu filho, por ser negro, vive as situações mais absurdas pela polícia”. Monica Cunha, do movimento Moleque e da Rede de Movimentos Contra a Violência, que também teve seu filho assassinado, falou da importância de se dizer não à redução da maioridade penal, para mudar essa realidade.

Dois países, uma mesma luta

Os membros da caravana e representantes de movimentos sociais ainda participaram de uma coletiva de imprensa, fechando as atividades no Museu. Hilda Hernandez Rivera, mãe do jovem desaparecido César Hernandez, expressou que eles não vão parar de procurar pelos estudantes. Francisco Sanchez, estudante de Ayotzinapa, reforçou: “O que ocorreu em 26 de setembro nunca vamos esquecer. E sempre vamos pedir a aparição com vida dos 43”. Ele contou que costumava pensar que somente no México havia tanta corrupção e terrorismo de Estado, mas descobriu que é em toda a América do Sul. Sugeriu que se globalize a luta, para mostrar que a maioria da população é contra esse modo de violência.

Coletiva de imprensa. Foto: Miriane Peregrino
Coletiva de imprensa. Foto: Miriane Peregrino

Durante a coletiva de imprensa, a moradora da Maré Irone Santiago deu seu depoimento sobre o caso de seu filho, Vitor Santiago, de 29 anos. Ele era um dos jovens atacados pelo exército, de dentro de um carro, no próprio bairro, em 12 de fevereiro deste ano. “O meu filho levou dois tiros de um fuzil 762, teve a perna esquerda amputada, levou um tiro no tórax que perfurou o pulmão. Eu tive uma reunião com o Carlos Minc, o Alexandre Molon e o general da força de pacificação. Eles me prometeram ajuda, mas ajuda nenhuma veio. Eu não posso mais trabalhar porque eu tenho que tomar conta do meu filho. Ele se encontra numa cama completamente dependente de mim. Moro numa casa com escada e dependo das pessoas pra subir e descer com ele”, contou a moradora. “Eu estou aqui porque eu quero justiça! A perna do meu filho não vai voltar. O meu filho está paraplégico. Eles [o Estado] tem que assumir o que eles fizeram. Foi muito grave o que eles fizeram com meu filho. Eu quero justiça! Eu agradeço a vocês [a Caravana 43] pelo apoio. Eu sei que a luta de vocês é grande também, como a minha. E com se diz: ‘Uma corda de dois nós é mais difícil de arrebentar’”

Irone Santiago com o retrato de seu filho na coletiva de imprensa. Foto: Miriane Peregrino
Irone Santiago com o retrato de seu filho na coletiva de imprensa. Foto: Miriane Peregrino

Vítor Lira, morador do Santa Marta, também deu seu depoimento como jovem negro de favela: ele se sente vitorioso por ainda estar vivo, aos 33 anos. Milita pela cultura no seu bairro e já foi preso, sequestrado e torturado. Vê a política de segurança pública do Rio de Janeiro como uma ditadura disfarçada. “Na favela só temos um direito: sermos livres para sermos assassinados pelo Estado”, afirmou.

Francisco Sanchez contou sobre a especificidade das “escolas normais rurais” do México, onde estudavam os jovens atacados. São escolas para pessoas que vão atuar no trabalho coletivo rural. Nela, professores não se limitam ao que está nos livros: oferecem consciência política e noções de coletividade. Também se ensina a não perder os costumes, a cultura. Todo o ensino formal acontece em parceria com o trabalho no campo, para que ninguém se esqueça da sua realidade. No entanto, o governo se esforça para que essas escolas não avancem, e atualmente estão muito precárias. Os meninos e meninas que se formariam – e foram mortos ou estão desaparecidos – sonhavam virar professores e compartilhar conhecimento do mesmo modo.

Francisco, Ana Paula, Irone e Vítor na coletiva de imprensa. Foto: Miriane Peregrino
Francisco, Ana Paula, Irone e Vítor na coletiva de imprensa. Foto: Miriane Peregrino

Encerramento da Caravana

Na passagem da caravana pelo Uruguai, Argentina e Brasil, o Rio de Janeiro foi a última cidade visitada. Os familiares exigiram a aparição dos 43 estudantes desaparecidos em 26 de setembro de 2014 e denunciaram o terrorismo do narcogoverno mexicano.

As atividades da Caravana 43 terminaram na noite de 12 de junho, no ato de encerramento que ocorreu na Cinelândia. Ao microfone todos contaram juntos: 1, 2, 3, 4… até o número 43 e o grito por justiça veio alto: “¡Vivos se los llevaron, vivos los queremos!” (Vivos os levaram! Vivos os queremos!).

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