Museu das Remoções é inaugurado na Vila Autódromo

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Por: Miriane Peregrino

18 de maio, Dia Internacional de Museus, foi a data escolhida por moradores e apoiadores da Vila Autódromo para inauguração do Museu das Remoções. A Vila Autódromo está localizada na zona oeste, área onde os condomínios da Barra da Tijuca são expandidos e onde está sendo finalizada a construção do Parque Olímpico para os jogos de agosto deste ano. A Vila Autódromo era formada por cerca de 580 famílias e hoje são apenas 20 que resistem contra a especulação imobiliária e a política de remoções promovidas pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O Museu das Remoções surge como mais um instrumento de luta e que vem disputar a narrativa da memória dos megaeventos na nossa cidade.

Museu das Remoções foi inaugurado na quarta-feira, 18 de maio. A moradora Sandra Maria apresentou o percurso. l Foto: Miriane Peregrino
Museu das Remoções foi inaugurado na quarta-feira, 18 de Maio. A moradora Sandra Maria apresentou o percurso. l Foto: Miriane Peregrino

Concebido como um museu a céu aberto, o percurso do Museu das Remoções é formado por sete esculturas demarcadas por cordões de isolamento:

1. “Luz que não apaga” está próxima ao muro da Igreja São José Operário onde moradores realizam atividades e até depositam mobília de casas que foram removidas;

2. “Suporte dos Males” que faz referência a ex-moradora da Vila, D. Jane, que teve sua casa demolida;

3. “A Associação Sou Eu” escultura que fala da resistência à demolição do prédio da associação de moradores da Vila;

4. “Doce Infância” representa o parquinho, criado de forma participativa e onde os moradores realizaram várias atividades de confraternização e de luta;

5. “Espaço Ocupa/Casa da Conceição” relembra as atividades de ocupação cultural da Vila Autódromo que ficava ao lado da casa de D. Conceição. D. Conceição disponibilizava o banheiro de sua casa para os apoiadores e visitantes, e preparava e vendia refeições nos dias das ocupações. No fundo da escultura foram pintadas várias mãos que representam a união entre moradores e apoiadores que trabalharam, construíram e reconstruíram o Espaço Ocupa;

6. “Vila de Todos os Santos” faz homenagem a casa de D. Heloísa, onde ela residia e mantinha um terreiro de candomblé conhecido como Casa de Nanã e foi removido em 24 de fevereiro de 2016;

7. “Penha de Muitas Faces” traz um símbolo feminista que representa D. Penha, uma das lideranças comunitárias da Vila Autódromo e que teve sua casa removida em 8 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher.

O percurso foi apresentado pela moradora Sandra Maria e teve a colaboração dos professores, Diana Bogado, da Universidade Anhanguera/Niterói, e Mário Chagas, da UNIRIO. Diante da escultura que relembra a Associação de Moradores, demolida pela Prefeitura, Sandra Maria contou: “Nós dissemos muito isso: eles estavam demolindo um prédio mas a associação continuaria. Então, escrevemos em todas as casas ‘Associação de moradores’ pra deixar isso muito marcado. A associação de moradores não é uma construção, ela vai muito além disso. Associação de moradores é a organização dos moradores. Enquanto houverem moradores organizados, discutindo, lutando a associação está viva”.

Os moradores da Vila Autódromo, nesses longos anos de luta contra a especulação imobiliária, criam e recriam alternativas de resistências e escrever em todas as casas “Associação de Moradores” foi uma das ações mais comoventes que realizaram, além de fortalecer os moradores enquanto grupo. Outra moradora, Sandra Regina, também destaca a importância dessa atitude: “A associação não é uma casa que se joga no chão, a associação é cada morador. Nós somos a associação”.

Fachada da casa da moradora Sandra Regina: “Associação de Moradores da Vila Autódromo”. Todas as casas se chamam “associação”. l Foto: Miriane Peregrino
Fachada da casa da moradora Sandra Regina: “Associação de Moradores da Vila Autódromo”. Todas as casas se chamam “associação”. l Foto: Miriane Peregrino

Embora a escultura da Associação dos Moradores esteja localizada no mesmo lugar onde ela existiu, o mesmo não se dá com a maioria das obras. Por conta da construção do Parque Olímpico, das remoções, transformações e isolamentos, as esculturas que representam as casas de D. Heloísa e D. Penha, por exemplo, precisaram ser alocadas em outros pontos da Vila Autódromo.

A Casa de D. Heloísa Helena Berto, mãe de santo Luizinha de Nanã, que passou meses isolada dentro do Parque Olímpico, foi representada diante da casa de Sandra Regina. D. Heloísa, recente ex-moradora da Vila, se emocionou com a homenagem e contou como foi, e ainda estava sendo, um período difícil. Por meses, sua casa ficou isolada da comunidade, dentro do Parque Olímpico, e os moradores receberam um crachá de identificação para ter acesso à moradia. Ela e os filhos não podiam receber visitas. Cortaram luz, água até sair o decreto de despejo e demolição.

“Fico muito emocionada com a lembrança e ter mais isso pra levar pra minha vida” – diz D. Heloísa – “A casa de Nanã foi muito perseguida. Acho que teve muito preconceito religioso tanto quanto teve preconceito social por estarmos aqui, por a Vila Autódromo estar aqui”. Homenageada com o Prêmio Dandara no último dia 11 de maio, D. Heloísa lembrou os moradores da Barra da Tijuca nunca aceitariam aquele terreiro de candomblé ali: “A Barra da Tijuca não iria admitir ouvir os toques dos atabaques e nem ver as pessoas, os negros, vestidos de branco sem ser para servi-los como babá ou como cuidadores. Nesse momento a casa saiu, mas eu continuo lutando pelos objetivos que são de igualdade religiosa, racial, eu continuo lutando por tudo isso. E o Museu das Remoções faz com que as pessoas sejam lembradas pelas lutas que tiveram”.

“Vila de Todos os Santos” representa a Casa de Nanã no percurso do Museu das Remoções. O texto é de autoria de Pedro, um dos apoiadores da Vila. l Foto: Miriane Peregrino
“Vila de Todos os Santos” representa a Casa de Nanã no percurso do Museu das Remoções. O texto é de autoria de Pedro, um dos apoiadores da Vila. l Foto: Miriane Peregrino

D. Maria da Penha Macena também gostou da criação do museu. Segundo ela, conhecer as histórias das remoções pode contribuir para que outras remoções não ocorram mais: “Eu acho que o brasileiro tem memória curta, esquece muito rápido. Muitas das vezes, a gente apanha e no dia seguinte já esquecemos. Aí, nossos governantes continuam batendo e a gente continua esquecendo. Então é uma forma da gente estar relembrando a história da Vila e de todas as outras remoções, como a do Pereira Passos, Lacerda, enfim. Se a gente lembrasse mais dessas remoções talvez a Vila não tivesse sido removida. Então, é importante o Museu das Remoções para que a história de cada morador aqui não seja esquecida. Ela foi atropelada, mas não vai ser esquecida. E isso deve continuar não só na nossa comunidade, mas em outras favelas. Agora também não adianta ter o museu se a gente não der continuidade, a gente tem que passar o conhecimento pra outras pessoas para que a história não morra”.

A moradora Nathalia Silva, contou que a ideia de criação do museu surgiu de um dos apoiadores e ela adorou a ideia: “Resgatar a história da Vila Autódromo, mas também falar de outras comunidades que já passaram por esse processo de remoção. Eu me sinto muito feliz em participar desse projeto. A gente ficou relembrando o que já teve, quais eram os lugares de maior sociabilidade, lembramos de moradores que passaram pela comunidade e resistiram, lembramos do comércio, enfim, de tudo que foi importante. Chamamos ex-moradores para lembrar com a gente, eles foram convidados a participar”.

A desigualdade da disputa. Depois da guarda municipal impedir o hasteamento da bandeira do Brasil em churrasco dos moradores, eles decidiram colocar uma bandeira em cada casa em sinal de protesto. A casa da imagem foi registrada em 12 de março de 2016 e demolida no mês seguinte. Segundo Nathália Silva, a casa pertencia a família da ex-moradora Joelma. l Foto: Miriane Peregrino
A desigualdade da disputa: a casa da imagem foi registrada em 12 de março de 2016 e demolida no mês seguinte. Segundo Nathália Silva, a casa pertencia a família da ex-moradora Joelma. l Foto: Miriane Peregrino

Thainã de Medeiros, museólogo e morador do Complexo do Alemão, é um dos apoiadores da Vila Autódromo e lembrou que a memória é um recurso de resistência e cita os usos da memória que moradores da Aldeia de Imbuí, em Niterói, e Horto, na cidade do Rio, fazem como instrumento de defesa neste processo de ameaça de remoção.

“Esses dois lugares estão trabalhando a sua resistência através da memória mostrando que eles não são invasores, é uma disputa narrativa sobre quem é que está sendo removido. Imbuí está mostrando através da memória, através de documentos. Eles não construíram um museu mas estão usando ferramentas de memória pra mostrar que eles estão ali desde mil oitocentos e pouco. Então, como eles podem ser invasores se estão ali desde mil oitocentos e pouco?” – relatou Thainã Medeiros – “E ai você tem o Museu do Horto também e ali você tem um museu realmente, que foi construído justamente pra mostrar que estão ali há muito mais tempo e que eles não são invasores. Os invasores são as mansões que estão sendo construídas ali. Então, a questão da memória na dinâmica das remoções, disputando narrativa sobre quem é o invasor e quem é que tem a necessidade de sair de um local é muito importante”.

Espaço Ocupa onde eram realizadas as atividades do Ocupa Vila Autódromo, ao lado da casa de D. Conceição. Ambos demolidos recentemente pela Prefeitura. A foto é do dia 12 de março deste ano. l Foto: Miriane Peregrino
Espaço Ocupa onde eram realizadas as atividades do Ocupa Vila Autódromo, ao lado da casa de D. Conceição. Ambos demolidos recentemente pela Prefeitura do RJ. Imagem feita dia 12/03/16.  l Foto: Miriane Peregrino

O que motivou a criação do Museu das Remoções é, em primeiro lugar, refletir sobre a dinâmica em que se dão as remoções no Rio de Janeiro historicamente. Uma dinâmica de construção de uma memória de cidade, de memória coletiva do Rio de Janeiro em que os mais pobres são apagados, passam a ser esquecidos. Aqui se cria um outro projeto de cidade” – afirma Thainã cuja família também já passou por um processo de remoção – “É um recorte de memória que vai mostrar como é o processo histórico de remoção na cidade. O processo de remoção é sempre muito cruel porque ele sempre atinge com mais força o mais fraco”.

O museólogo e professor da UNIRIO, Mário Chagas, também tem acompanhado a construção do Museu das Remoções: “É um museu de resistência, de luta. Esse museu não celebra o luto, ele celebra a memória potente, a memória criativa, a memória que projeta futuros e é uma espécie de museu removível também, pode se deslocar pra outras comunidades no sentido que não vai tratar apenas das remoções contemporâneas, mas também da história das remoções. O que ele traz de importante nesse momento é que registra a força dos moradores da Vila Autódromo no sentido de resistir a essa atuação do serviço público que produziu aqui uma terra arrasada em nome de um megaempreendimento sem levar em consideração a memória, a vida, as condições de sociabilidade das pessoas”.
No dia 27 de fevereiro deste ano, os moradores apresentaram o Plano Popular de Urbanização mas a Prefeitura do Rio elaborou seu próprio plano sem a participação da comunidade. O Plano Popular foi ganhador do prêmio internacional de urbanismo, Urban Age Award, em 2013. l Foto: Miriane Peregrino
No dia 27 de fevereiro deste ano, os moradores apresentaram o Plano Popular de Urbanização mas a Prefeitura do Rio elaborou seu próprio plano sem a participação da comunidade. O Plano Popular foi ganhador do prêmio internacional de urbanismo, Urban Age Award, em 2013. l Foto: Miriane Peregrino
Mário Chagas lembrou que o tema das comemorações internacionais em torno dos museu este ano é “museu e paisagem” o que tem uma relação direta com o Museu das Remoções: “Nessa paisagem de terra arrasada, nessa paisagem cultural que foi destruída se constrói novas possibilidades. Então, aqui se apresenta como o poder público destrói paisagens, interfere na paisagem mas interfere de modo destrutivo. Constrói novas paisagens de seu interesse mas não respeita as paisagens construídas aqui pelos seus moradores antigos” – e complementa – “O tema da exposição [do Museu das Remoções] é ‘memória não se remove’. As casas podem ser removidas, viram escombros mas a memória está ali latejando, explodindo. Há aqui uma potência poética e política”.
O parquinho criado através de um projeto participativo foi uma das áreas removidas. Nele foi recebido o geógrafo britânico, David Harvey que visitou a Vila Autódromo no dia 12 de março deste ano. l Foto: Miriane Peregrino
O parquinho criado através de um projeto participativo foi uma das áreas removidas. Nele foi recebido o geógrafo britânico, David Harvey que visitou a Vila Autódromo no dia 12 de março deste ano. l Foto: Miriane Peregrino

Diana Bogado, arquiteta e professora da Universidade Anhanguera, apresentou o Museu junto com a moradora Sandra Maria. Diana atua na Vila Autódromo há mais de 1 ano através de um projeto de extensão e explicou que na 1ª etapa a intervenção foi o projeto do parquinho, local onde foram realizados vários eventos pela comunidade e a 2ª etapa está sendo o Museu das Remoções, com intensa participação dos seus alunos nas dinâmicas com os moradores, entrevistas e elaboração das esculturas que compõem o atual percurso do museu a céu aberto.

“Enquanto processo pedagógico também foi um ganho muito positivo. Primeiro, por ser uma dinâmica participativa e segundo, por ser interdisciplinar. Fizemos diversas dinâmicas de apoio, aulas na Vila. Nessas dinâmicas foi construído um mapa a partir dos relatos de moradores. Com as edificações mais importantes mencionadas, escolhemos algumas e fizemos as esculturas” – declarou Diana – “Como frequentadora e apoiadora da Vila achei muito interessante o fato de que, com o Museu das Remoções, a gente voltou a ter referências desse território porque em determinados momentos a Vila ficou completamente descaracterizada. A gente não sabia em que rua entrar quando ir embora, onde era a associação, por exemplo. Então, a gente voltou a ter essas referências que foram suprimidas por conta das remoções”.

Além das esculturas do Museu das Remoções, um outro elemento modificou o cenário da Vila Autódromo: as casas containers. Na sexta-feira, 13 de maio, chegaram as casas onde serão abrigadas 9, das 20 famílias que permanecem na Vila Autódromo. Recentemente, foi assinado acordo entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e os moradores da Vila onde ficou acordado que as 20 famílias que ali estão não serão despejadas. As casas servirão de habitação provisória essas famílias enquanto a Prefeitura constrói as casas definitivas.

“Eles queriam que a gente saísse para fazerem a obra e não aceitamos. A gente não vai sair. Se a gente comeu poeira até agora, enfrentou toda a parte da obra porque a gente vai sair agora?” – questionou D. Maria da Penha – “Agora a gente quer fiscalizar as nossas casas porque as nossas casas foram feitas por nós. Essas não. Essas vão ser construídas por outras pessoas que não sabem a minha história. Não tem nenhum valor pra eles, é só mais uma casa. Pra nós não. Pra nós é a nossa casa. Então, temos a equipe de três moradores pra fiscalizar as obras, vão ficar passando, vigiando e vendo como está ocorrendo”.

Sandra Regina é uma das moradoras que está confiante com o futuro da Vila e comenta a distância entre a Vila Autódromo e o supermercado mais próximo:
“O mercado dá pra ir a pé, não é muito longe. Pra quem tinha mercado só no largo da Taquara aquele ali tá na porta da cozinha. No começo a gente só podia fazer compra na Taquara e só compra de mês. Tinha que soltar lá longe porque o ônibus nem perto da nossa porta chegava. Tudo era escassez. A luz era precária. Água? Nem se fala… A rua que você não vê mais, que era a rua onde morava a Penha, era uma rua de areia” – Sandra Regina continua – “Antigamente era difícil pra fazer compra. Minha irmã fazia isso: combinava com alguém pra ir com o carrinho de mão pra ajudar a carregar a compra de mês. Era difícil! E agora, que chegou o progresso, a gente vai ter que sair? Não! Agora a gente tem que ficar. E desfrutar! Porque quando estava no sufoco era a gente e agora que tá melhorzinho é o rico? Não. O rico tem carro, tem motorista, tem tudo. A gente só tem o suor do rosto e as pernas. E a força de vontade. Agora é que a gente tem que ficar”.

D. Penha e D. Sandra Regina diante das casas containers onde cerca de 9 famílias residirão até a entrega das casas definitivas no dia 22 de julho. “Felicidade é o que precisamos e o que queremos. Não é, Penha?” – Sandra Regina. l Foto: Valdirene Militão
D. Penha e D. Sandra Regina diante das casas containers onde cerca de 9 famílias residirão até a entrega das casas definitivas no dia 22 de julho. “Felicidade é o que precisamos e o que queremos. Não é, Penha?” – Sandra Regina. l Foto: Valdirene Militão

Momento de lembrar e de reelaborar esperanças, o morador Luiz Claudio Silva falou sobre os anos de remoções dentro da Vila Autódromo:  “Foi muito desleal. Nós somos uma comunidade de famílias carentes lutando contra empreiteiras poderosas: Odebrecht, Carvalho Rocha, Andrade Gutierrez. Lutando contra um governo que foi conivente, o tempo inteiro de braços cruzados assistindo a truculência do município em cima da gente aqui. É você buscar força onde não tem. A gente entende quem desistiu, não é fácil.

Somos 20 famílias, de 600. Não ficou nem 10%. As 20 famílias malucas, como muitos dos que se mudaram falam. Mas Jesus Cristo também foi chamado de louco pela forma como ele pregava, falava, e nós herdamos um pouco dessa loucura de Cristo. Abri mão de indenizações absurdas, abri mão de minha casa, que era muito maior, para receber uma casa de 55 metros quadrados num terreno de 180. Pra muita gente isso é loucura mas pra mim não é. Porque eu não vejo isso visando dinheiro. A minha luta é pra que a lei seja respeitada. Se tem uma lei que fala que eu tenho direito a essa terra porque eu tenho que sair daqui? Pra agradar poder público, agradar empreiteiros? Não! Se tem uma lei complementar 74 que fala de área de interesse social pra moradia, se nós temos dois títulos dados por dois governadores… uma hora isso tem que ser respeitado! Não é possível que a gente viva cedendo”.

Entre os escombros da Vila Autódromo, os muros que restam são usados para expressar a indignação e a esperança dos moradores. l Foto: Miriane Peregrino
Entre os escombros da Vila Autódromo, os muros que restam são usados para expressar a indignação e a esperança dos moradores. l Foto: Miriane Peregrino

Maria da Penha Macena também reclamou do conformismo que tem abatido os brasileiros: “O nosso país tem um grande defeito. Nós brasileiros cedemos muito rápido. A gente não cobra nossos direitos porque acha que o outro tem mais poder. Todos somos iguais. A terra não é do homem, ele pensa que é do homem. A terra na verdade é de Deus. Porque eu sou obrigada a vender? Ele está comprando meu direito. Eu falo por mim, eu não estava disposta a vender meu direito. Porque cada negociação que foi feita eu vejo como se vendendo o seu direito, mesmo que seja na pressão, na marra ou ‘livre e espontânea vontade’” – Dona Penha continua – “Eu sempre disse que não ia sair da minha casa. Depois eu vi que ia perder a minha casa, passei a dizer que não ia sair da comunidade.

Eu tenho muita fé. Eu acredito em Deus verdadeiramente. Eu acredito naquilo que eu não vejo e acho que foi por isso que consegui ficar aqui. Eu gosto de viver partilhando, tudo o que é meu é de alguém. Essa luta eu não lutei com raiva. Eu lutei por amor. Essa luta é uma luta por amor. Amor a minha história, amor a minha terra, amor ao meu direito. Eu acho que as pessoas se perdem muito rápido, esquecem de amar aquilo que eles têm, estão sempre buscando amar aquilo que não tem. E eu lutei por amor ao que eu tenho. O que eu tenho? Nada. Nada a não ser a minha terra e a minha história que eu construí aqui. E eu sou muito feliz aqui. Eu sempre digo que felicidade não se vende e nem se compra. A minha tentaram comprar, mas não conseguiram”.

Maio está sendo um mês intenso para a área cultural: o Museu da Maré, primeiro museu construído por moradores de uma favela completou 10 anos e continua sob ameaça de despejo; do outro lado da cidade do Rio de Janeiro, na zona portuária, o Museu do Amanhã figura como produto oficial das políticas públicas para os megaeventos na cidade do Rio; no âmbito federal, o governo interino de Michel Temer extinguiu e recriou o Ministério da Cultura, e na Argentina, o presidente Macri, fechou o Museu do Bicentenário da Casa Rosada alegando que precisa de reformas, na verdade, uma desculpa para iniciar seu projeto de “despolitizar”, “desesquerdar” os centros culturais do país. Tudo isso no mês em que se comemora o Dia Internacional de Museus. Nesse contexto em que não só a memória mas também a narrativa da história está em disputa, a criação do Museu das Remoções é um ato simbólico e político fundamental de resistência.

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