O marco zero do fascismo e a favela

Geral, Opinião

Por Carlos Gonçalves

Quando eu era pequeno, minha mãe sempre dizia: “olha meu filho, não fique vendo esses troços na TV”, e nas horas que distraída percebia que eu estava vendo algum filme de terror, ainda complementava: “você sabe muito bem que quando você for dormir vai ter pesadelo se ficar vendo esse tipo de coisa”. A dona Ana, como os vizinhos a chamavam, sabia exatamente o que acontecia comigo, porque era “batata”, como dizia a própria, eu ter pesadelo no dia seguinte.

No dia 8 de Outubro de 2018, domingo de eleição, fui votar durante o dia e, à noite, acompanhar a apuração na casa de um amigo e, sem perceber, acabei assistindo  a um desses filmes de terror que a minha mãe me repreendia  quando era pequeno. Espantado com o filme, me surpreendeu o personagem principal.  Ele era uma mistura de um ser cômico, incoerente e autoritário. Sempre levado na brincadeira pelos seus defensores que diziam, quando indagados sobre as atrocidades que seu herói falava: “aquilo tudo era brincadeira”, e falavam mais, juravam de pé junto que ele colocaria a ordem e a paz social que tanto sonhavam.

Então aos poucos aqueles que antes se viam no bar conversando coisas que só se falava depois de tomar alguns copos, ou no jogo de futebol, começaram a falar abertamente na rua. Apegaram-se as frases de efeito e genéricas do tipo “em vez de roubar trabalhador esses vagabundos deveriam roubar um banco”, já que se apegar aos “jargões” é o que a sociedade normalmente faz nas crises. O detalhe todo é que esqueceram de dizer nessa frase que para roubar um banco você precisa de um fuzil, um fuzil custa 50 mil, e com 50 mil você abre um negócio.

Parei, e diante disso tudo pensei: “será que as mulheres periféricas querem mesmo que a polícia mate a tudo e a todos ao seu redor? Ou será que não querem ser roubadas enquanto vão para a casa das ‘madames’ lavar, cozinhar e educar os filhos da elite, enquanto seu filho fica em casa sem nem 5% dessa assistência? Será mesmo que um caminhoneiro que gritava por intervenção militar quer ter tanques cerceando o seu direito de ir e vir? Ou o que ele quer mesmo é poder ir trabalhar para poder comprar leite, carne, pagar o seu aluguel e chegar bem em casa pra rever a sua família?”

Bom, o filme que eu vi, que de forma muito rápida se transformou nesse mundo em que estou agora, conseguiu virar um pesadelo que muitos, como eu, não esperavam acontecer. Esse problema tem parcelas de culpa, uma delas é essa coisa que chamamos de mídia e o que ela vomita diariamente para todos nós, outra parcela ao mundo volátil das fake news, que abalaram os alicerces em uma das maiores crises da Nova República, mas havia uma que eu não posso deixar de falar que é a própria esquerda (onde em parte me incluo) que também tem culpa no cartório. A esquerda, nessas últimas décadas, não se dedicou a fazer um trabalho de base sério. Era mais confortável pra si demonizar a religião dos mais pobres e daqueles que hoje, por exemplo, poderia ter somado na luta contra o fascismo. Preferiram, ao contrário, taxá-los de ignorantes e “alienados” quando não se enquadravam em suas teorias revolucionárias. Por esse motivo, colhemos hoje o fruto de uma ignorância gerada por aqueles que deveriam ter somado nas causas mais populares. Talvez domingo agora, 28 de Outubro, seja o marco zero do início de algo jamais pensado para o país, mas terá que ser, inevitavelmente, o início para uma renovação das frentes progressistas dessa nação, onde a radicalidade, a teologia e o tato para estratégias longe das suas bolhas terão que ser o horizonte para pensar em meio ao caos inevitável já instaurado.

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