O que os ministérios prometem para as favelas e movimentos sociais

Cultura, Educação, Notícias, Saúde, Utilidade pública

Por Ana Cristina da Silva, com colaboração de Carolina Vaz

O Brasil caminha para concluir o primeiro mês de governo Lula, após um processo longo de luta por um governo focado na democracia e uma disputa acirrada nas eleições de 2022. A campanha eleitoral do atual presidente prometeu combater problemas graves no país, como a fome, o sucateamento da saúde e da educação públicas, o subemprego e a pobreza de modo geral. Aproximando-se de um mês de governo em execução, analisamos aqui algumas das propostas que podem impactar diretamente as vidas da população favelada a partir de cinco ministérios: Saúde, Cultura, Cidades, Igualdade Racial e Direitos Humanos e Cidadania.

Em comum, o compromisso com a melhoria da saúde pública, o combate à violência contra jovens negros e pobres, além do investimento em editais que fortaleçam iniciativas culturais, a oferta de moradias e reformas e o enfrentamento ao racismo em todas as suas formas.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Escolhida pelo presidente Lula, Nísia Trindade é a primeira mulher a comandar o Ministério da Saúde. Doutora em Sociologia e mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Nísia Trindade também é presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Com o objetivo de trazer uma melhor qualidade de vida para a população brasileira, através de políticas que viabilizem o direito e acesso à saúde para todos, o Ministério da Saúde (MS) vem preparando novas formas de atuação neste ano de 2023. Em seu discurso de posse, a ministra falou sobre sua relação com os movimentos sociais, destacando a campanha de vacinação feita no Conjunto de Favelas da Maré: “As nossas periferias, as nossas favelas, quando unidas e em trabalho articulado com a Academia podem superar obstáculos, a vacinação na Maré foi um sucesso e é um motivo de grande alegria pra mim”.

Nísia Trindade, da Saúde, e Anielle Franco, da Igualdade Racial, já se reuniram para alinhar políticas. Foto: Walterson Rosa / MS.

Demonstrando comprometimento com o Sistema Único de Saúde, o SUS, Nísia Trindade falou sobre as primeiras medidas a serem tomadas pelo ministério no ano de 2023, entre elas, políticas públicas de saúde mental, afirmando que será criado o Departamento de Saúde Mental e Enfrentamento do uso Abusivo de Álcool e Outras Drogas.

Ao falar sobre assistência farmacêutica, a ministra da saúde destacou o fortalecimento do Programa Farmácia Popular que, encarregado de oferecer medicamentos com preços mais acessíveis, havia sofrido cortes durante o governo Bolsonaro. “Vamos garantir a gratuidade no âmbito do Saúde Não Tem Preço, um componente gratuito da farmácia popular para diabetes, hipertensão arterial e asma, e garantir 90% do pagamento público para as demais doenças e agravos cobertos pelo Farmácia Popular”, declarou a ministra em seu discurso.

Nesta quinta-feira (19), o Ministério da Saúde anunciou sua parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Em reunião com a representante no Brasil, Socorro Gross, a ministra Nísia Trindade avaliou ações de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram debatidas estratégias para a vacinação contra a COVID-19 e outras doenças, como a poliomielite e o sarampo, vigilância e formação de recursos humanos por meio de programas de imersão, além de cooperações sobre bancos de leite humano.

MINISTÉRIO DA CULTURA

Extinto durante o governo Bolsonaro, o Ministério da Cultura foi recriado pelo presidente Lula e será comandado pela artista Margareth Menezes, uma mulher preta, nordestina e periférica.

Conhecido pela sigla MinC, o Ministério da Cultura é responsável pelas diversas formas de expressão da cultura nacional, tal como as artes, a música e o folclore brasileiro. Este ministério também se responsabiliza pela proteção do patrimônio histórico e cultural, como igrejas, museus e até mesmo patrimônios imateriais.

Em seu discurso, a ministra destaca a luta pela sobrevivência de trabalhadores e trabalhadoras do setor cultural nos últimos anos, comemorando vitórias como a aprovação das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo. De acordo com ela, o ministério trabalhará primeiro em sua reconstrução, mas irá atuar atendendo e escutando a comunidade cultural, “especialmente os jovens, mulheres, negros, indígenas, LGBTQIA+, periféricos, isolados e anônimos de multidão”.

Margareth Menezes (Cultura) e Silvio de Almeida (Direitos Humanos e Cidadania) também já dialogaram. Foto: Clarice Castro / MHDC.

Na última segunda (16), a ministra Margareth Menezes anunciou o lançamento de um novo edital para financiar projetos culturais de 2023 a 2025. Em parceria com o Banco do Brasil, pessoas jurídicas e físicas, com propostas nas áreas de artes cênicas, cinema, exposição, ideias, música e programa educativo já podem realizar suas inscrições.

Em mais um informe, na terça-feira (18), o Ministério da Cultura declarou que irá liberar quase R$ 1 bilhão para projetos aprovados pela Lei Rouanet que foram bloqueados no ano passado. Cerca de 1,8 mil projetos serão beneficiados.

MINISTÉRIO DAS CIDADES

No dia 3 de janeiro, Jader Filho assumiu o cargo de ministro das Cidades. Filiado ao MDB (Partido Democrático Brasileiro), ele é empresário do setor de comunicação e presidente do diretório do MDB no Pará.

Criado em janeiro de 2003, o Ministério das Cidades veio com o objetivo de combater as desigualdades sociais e transformar as cidades em espaços mais humanizados, tendo como foco a moradia, saneamento e o transporte. Em seu discurso, o ministro Jader Filho anunciou a criação da Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos, que visa ações de urbanização de áreas de risco, afirmando então que o Ministério das Cidades estará aberto aos movimentos sociais na intenção de dialogar com a população que ficou desassistida nos últimos anos.

Ministro Jader Filho durante evento de posse. Foto: Wilton Júnior.

Ainda em seu discurso de posse, Jader Filho anunciou o retorno do Programa Minha Casa Minha Vida que, criado em 2009, havia sido descontinuado. Em seu modelo antigo o programa de habitação atendia famílias de baixa renda, que recebiam até R$ 1,6 mil reais, mas atuava também com a facilitação na aquisição de imóveis. Com seu retorno adiado, o novo Minha Casa Minha Vida receberá atualizações e passará a beneficiar famílias com renda de até R$ 2.400. Neste novo modelo, no entanto, destaca-se o foco em reformas residenciais e a urbanização de favelas.

“Outra frente muito importante a ser reconstruída é o saneamento básico (…) sabemos que em muitas áreas do país, especialmente nas mais pobres, justamente onde há pouco ou nenhum tipo de saneamento, não há interesse da iniciativa privada em investir, então nessas áreas o poder público precisa agir. Nós iremos agir”.

— Ministro Jader Filho durante discurso de posse.

Da esquerda para a direita: Silvio de Almeida, a ministra dos Povos Originários Sônia Guajajara, Anielle Franco, Lula e a primeira-ministra Janja. Foto: Arquivo MDHC.

MINISTÉRIO DA IGUALDADE RACIAL

A convite do presidente Lula, mais uma mulher preta e periférica, desta vez sendo ela mareense, assumiu grande responsabilidade em seu governo. No dia 11 deste mês, Anielle Franco, jornalista, professora e escritora, assumiu o cargo de ministra da Igualdade Racial.

Criada em 2003 pelo presidente Lula, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) tinha como objetivo a promoção de políticas para o enfrentamento do racismo no país. Em 2015, durante o governo Dilma, a SEPPIR foi incorporada no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. No entanto, durante os governos Temer e Bolsonaro, exclui-se o nome de “Igualdade Racial” da pasta, fazendo com que, a partir de 2016, passasse a se chamar apenas de Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Neste ano, em seu 3º mandato, o presidente Lula reverteu a situação, fazendo com que fosse criado então o Ministério da Igualdade Racial.

Em seu discurso de posse, a ministra Anielle Franco informou quais seriam as primeiras medidas a serem tomadas pelo ministério, como aumentar a visibilidade e a presença de pessoas negras em cargos de tomada de decisão da administração pública e a retomada de programas que irão promover ações visando a redução da letalidade contra a juventude negra brasileira, mas que também atuem com a ampliação de oportunidades para os jovens do país.

“Retomaremos programas que propaguem direitos para comunidades quilombolas e ciganas, incidindo para a regularização fundiária, a infraestrutura, inclusão produtiva, desenvolvimento local, social, com direitos e cidadania para esses povos. Será também, a partir da maior estruturação e fortalecimento do Sistema Nacional da Promoção de Igualdade Racial, que iremos realizar ações que busquem a equidade racial em diálogo com todos os municípios, estados e órgãos da União. Essas serão as primeiras medidas de uma longa caminhada para recuperar o que foi destruído e fortalecer e ampliar o legado que vem sendo construído a tantas gerações.”

— Anielle Franco durante discurso de posse.

Na celebração de posse da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, o presidente Lula também sancionou a lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. Agora a injúria racial passa a ser punida com 2 a 5 anos de prisão.

Presidente Lula sanciona o Projeto de Lei nº 4.566 de 2021, que tipifica injúria racial como crime de racismo, durante posse de Anielle Franco. Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto.

MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, também um desmembramento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, tem como ministro Silvio de Almeida, que já estava na equipe de transição de governo no final de 2022. Advogado há quase 20 anos, também se formou em Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), é professor universitário na Fundação Getúlio Vargas e na universidade Mackenzie. Tem suas pesquisas focadas nas relações raciais e é autor do livro Racismo Estrutural.

Assim como Anielle Franco, ele tem como um de seus focos combater o assassinato de jovens pobres e negros, sobretudo por parte do Estado. Em seu discurso de posse, ele se comprometeu a ajudar a construir um país em que não seja o próprio Estado quem promove o racismo, a fome, o subemprego, a violência, o precário acesso a serviços públicos de saúde e educação, a opressão contra camelôs. Pelo contrário, luta contra todos esses fenômenos.

“Quero estabelecer aqui o compromisso desse ministério com a luta de todos os grupos e vítimas de injustiça e opressões que, não obstante, resistiram às tentativas de calar sua voz. (…) Trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, vocês existem e são valiosos pra nós. Mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós. Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são pessoas valiosas para nós. Povos indígenas desse país, vocês existem e são valiosos para nós. Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexo e não binárias, vocês existem e são valiosos para nós. Pessoas em situação de rua, vocês existem e são valiosos para nós”.

– Silvio de Almeida em cerimônia de posse

O filósofo reconheceu não ter todo o poder necessário para todas as mudanças que precisam ser feitas, mas afirmou se unir a outros ministérios, como o da Justiça, para executar as políticas públicas. Algumas delas são reconstruir o Programa de Proteção a Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos, instituir a Secretaria de Políticas para a População LGBTQIA+, construir um Estatuto Jurídico das Vítimas da Violência e fortalecer as políticas de ações afirmativas como as cotas.

Uma das articulações já executadas foi uma reunião com representantes de movimentos sociais que defendem a população em situação de rua, de modo a criar políticas públicas para que essa população acesse seus direitos. O ministério também está planejando a reestruturação dos canais que recebem denúncias de violações. O objetivo é que funcionem melhor canais como o Ligue 180, que recebe denúncias de violência contra as mulheres, e o Disque 100. Neste, é possível denunciar violência contra pessoas idosas, pessoas com deficiência, LGBTQIA+, crianças e adolescentes, povos originários, e ainda denúncias de racismo. Essa ação compete ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e, também, ao Ministério das Mulheres.

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