Por uma vida não “pacificada”

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A irracionalidade fardada, que prima pela violência e descriminação de determinadas camadas sociais, não é a solução para uma Maré de paz

Queria contar um pouco dessa história, em que sonhamos com utopias, e vivemos barbárie. Há entre a nossa sociedade, uma dificuldade em entender essas duas palavras, “utopia” e “barbárie”, ou pelo menos suas diferenças. Explorá-las e entendê-las é um trabalho árduo, e merece um olhar cuidadoso para achar o porquê de nossos sonhos serem encarados como utopias.

Pensem na seguinte cena, uma daquelas de filme de ação clássico, ou de algum jogo que você certamente não queria que seus filhos jogassem: dentro de um helicóptero, alguns policiais observam um cidadão através de uma câmera de poder noturno, que só apresenta os contornos térmicos dos indivíduos, e rostos não podem ser percebidos com clareza. Nesse momento, um oficial indaga a seguinte fala: “parece muito com ele hein?!”. Visto o inimigo, ele deve ser agora abatido. Com armamentos pesadíssimos, se inicia um grande confronto. Uma perseguição tem início, criando um verdadeiro cenário de guerra em uma área de aproximadamente um quilômetro quadrado.

A caçada militar aqui descrita foi real e ocorreu em meio a uma área residencial, mais precisamente no bairro de Senador Camará, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Por muito acreditávamos, ou pelo menos tentávamos acreditar, que o Estado, acima de tudo, deveria prezar pela garantia da vida coletiva. O incrível de tudo isso é que nunca esse fato aconteceria em outro território que não fosse uma favela, porque, afinal, “um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro no Alemão é outra”, já dizia secretário Beltrame. Façamos então, uma reflexão: será que nesse estado para se ter dignidade iremos sempre depender do nosso CEP?

A violência, a ineficácia e o descontrole são as marcas da política de Segurança Pública adotadas por esse Estado – legados de nossa Ditadura Militar. A capacidade de essa polícia responder a novas demandas, presentes em um estado de direitos democráticos, está limitada a respostas padronizadas que exigem violência, seja pelo seu excessivo poder bélico, ou pela construção do ideário de identificar seu inimigo e eliminá-lo. Sua incapacidade de planejamento e antecipação é alarmante, e muitas vezes se justifica pela indignação da sociedade civil, o que leva à legitimação de suas impunidades, personificada nos tantos Amarildos espalhados pelo Rio. Enquanto as instituições políticas adiam a aplicação das regras do jogo democrático, as violações de direitos se tornaram cenas comuns no Brasil.

Artigo de Carlos Santos, aluno da engenharia elétrica da UERJ, educador de física do projeto de educação popular CPV/CEASM e membro do coletivo UNIFEN/UERJ

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