Projeto incentiva a prática de esportes eletrônicos em favelas

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Com duas unidades na Maré, o Afro Games oferece aulas e cursos voltados para o universo gamer

Por Ana Cristina da Silva

Destacando-se pela novidade, o projeto Afro Games, fruto de uma parceria entre o Grupo Cultural AfroReggae e a Chantilly Produções, chegou em junho deste ano no Conjunto de Favelas da Maré. Seu objetivo é incentivar a prática de esportes, mas não aqueles tradicionais como o basquete e o futebol e sim aqueles que, também chamados de jogos, são encontrados em celulares, computadores e aparelhos de videogame: os esportes eletrônicos, também chamados de e-sports. Com unidades na Nova Holanda e Morro do Timbau, o Afro Games disponibiliza equipamentos de ponta, para que jovens mareenses aprendam a jogar jogos como League of Legends, Valorant e Free Fire, oferecendo ainda aulas de inglês e um curso de programação e desenvolvimento de jogos, para jovens de 12 a 29 anos.

Alunos assistem aula de inglês na unidade da Nova Holanda. Foto: Ana Cristina da Silva.

Ao se inscrever, o aluno ou aluna pode optar pelo curso de programação ou decidir entrar em uma das turmas de jogos multiplayer. Independente da escolha, a pessoa inscrita no projeto automaticamente será incluída nas aulas de inglês. Na Maré, ambas as unidades funcionam de terça à sexta, de 9h às 17h. Cada aluno frequenta o espaço duas vezes por semana e dedica uma hora para a aula de inglês e uma hora para programação ou treino em jogos online. De acordo com o coordenador e professor de e-sports do Afro Games, Rennan Costa, a ideia do projeto também é gerar renda: “Na programação eles desenvolvem games próprios e, nesse ano de 2022, a gente já começou com uma geração de renda para eles. Eles foram campeões de uma Game Jam, que é uma espécie de campeonato onde eles têm que programar em pouco tempo. Eles ganharam um total de 20 mil reais em premiação”, conta Renan, de 27 anos, ao citar a turma da sede em Vigário Geral.  

Enquanto isso, nas turmas de League of Legends, Free Fire e Valorant, o objetivo é treinar jovens para se tornarem verdadeiros pro players, que é como são chamados os atletas de esportes eletrônicos. O projeto, que possui 3 times de e-sports profissionais em jogos como Fortnite, Free Fire e League of Legends, organiza competições internas para poder avaliar o desempenho dos alunos. “A gente vai estimular essa competição neles e o mais interessante é a gente perceber se tem um jovem talento que a gente possa puxar pro nosso time principal. Estando no nosso time principal ele vai ser remunerado, vai ter acompanhamento de uma psicóloga e vai ter o acompanhamento físico, então a vida dele se torna realmente a de um pro player”, esclarece Renan ao dizer que o time principal da Afro Games já conta com 14 atletas.

A organizadora Dayane Cunha ao lado do professor Rennan Costa. Foto: Ana Cristina da Silva.

O projeto e seus equipamentos

Apesar do sucesso dos jogos multiplayer na Maré, o universo gamer se torna desafiador para a grande maioria dos moradores. Alguns dos problemas se encontram na exigência de equipamentos caros que fogem da realidade dos jogadores, como placas de vídeo e processadores para computadores e, principalmente, na instabilidade da internet da favela. Quem lida com todos estes obstáculos em casa é o mareense Nathan da Silva Valadares, de 19 anos. Porém, integrando a turma de Valorant, ele se mostra satisfeito com o projeto: “Agora que eu sei que tenho esse espaço, eu estou me dando mais liberdade de realmente estudar o jogo. De procurar treinar para melhorar a minha mecânica, ficar mais rápido e com reflexo melhor. De ter uma comunicação melhor com o meu time e aprender mais sobre os mapas e habilidades para poder fazer bonito”.

Nathan da Silva Valadares integra a turma de Valorant na Afro Games. Foto: Ana Cristina da Silva.

Patrocinado pela empresa IHS Towers, o projeto oferece bons equipamentos na Maré. Para as aulas de jogos e programação os alunos têm acesso a computadores com placas de vídeo GTX 1660 e processadores de 9ª geração; cadeiras gamers da marca DT3; mouses, teclados e headsets da marca HyperX. “Quando não tem nada te impedindo, tipo, seu mouse não tá dando problema, seu computador não tá travando, a internet não tá caindo. Quando você tem certeza que todas essas coisas não vão acontecer, você se sente mais seguro para tentar melhorar de verdade. Foi exatamente isso o que a Afro Games me proporcionou, ela me deu a oportunidade de realmente tentar ser bom no jogo que eu gosto”, revela Nathan.

Na Maré o projeto oferece equipamento de ponta para alunos da programação e jogos digitais. Foto: Ana Cristina da Silva.

Inclusão no universo gamer

A 9ª edição da pesquisa Game Brasil, que entrevistou 13.051 pessoas em 26 estados e no Distrito Federal, apontou que 74% dos respondentes tinham o costume de jogar jogos eletrônicos, mas surpreendeu ao informar que, no Brasil, o público feminino é o mais presente nos jogos digitais, atingindo uma taxa de 51%. Para a coordenadora geral do Afro Games, Mariana Uchôa, é preciso analisar alguns pontos: “A gente tem mais de 50% de mulheres jogando. Porém, quando você vai olhar para o cenário competitivo as mulheres são a minoria. Então a gente precisa entender o que acontece nesse caminho que as mulheres estão jogando, mas não estão competindo”. Segundo Mariana, foi pensando nisso que o projeto passou a dedicar 30% de suas vagas para mulheres e pessoas com deficiência. “Desde que a Afro Games abriu em 2019 que a gente tinha vontade de ter uma professora mulher e não conseguia (…) hoje nós temos uma professora de League of Legends, que foi formada pela Afro Games e que também é atleta da gente. Então é isso, estamos rompendo esses paradigmas”.

Outro resultado interessante da pesquisa Game Brasil mostrou que 48,3% prefere jogar em smartphones, fazendo com que o aparelho fosse a principal escolha dos jogadores brasileiros, seguido pelos 20,0% que preferem jogar em consoles e 15,5% que preferem computadores. É compreensível que muitos moradores da Maré joguem mais em smartphones já que, enquanto os consoles de última geração como Xbox Series X e Playstation 5 chegam a custar mais de R$ 4 mil, as montagens de computadores podem exigir um investimento ainda mais alto. Pensando nisso, Nathan ressalta a importância do acolhimento no mundo dos games e, principalmente, no projeto: “Aqui tem um menino que nunca jogou nada em computador, então é a primeira vez dele jogando com mouse e teclado e ele tem bastante dificuldade. A gente tem sempre acolhido ele. Eu fico olhando e pensando que ele pode ter muito potencial, ele só não sabe disso. Ele só precisa de um guia”.

A coordenadora geral do projeto, Mariana Uchôa, na unidade da Nova Holanda. Foto: Ana Cristina da Silva.

Inscrições e duração do curso

Na Nova Holanda, a unidade da Afro Games está localizada na rua Sargento Silva Nunes, 608. Enquanto a unidade do Morro do Timbau se encontra dentro da associação de moradores, na rua dos Caetés, 131. Para se inscrever é preciso comparecer à unidade desejada, portando documentos básicos como RG, CPF e comprovante de residência. Para alunos com menos de 18 anos também será solicitado a documentação do responsável. Enquanto o curso tem duração de 11 meses, as aulas ocorrem duas vezes por semana e duram duas horas por dia.

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