Um mês da morte da Marielle e o tumbeiro chamado fascismo

Memória, Opinião

Por Carlos Gonçalves

 

Hoje, 14 de Abril de 2018, completa exatamente um mês da execução de Marielle Franco. Sempre quando falo sobre ela, essa mulher negra de origem popular, acabo me vendo coberto de tantos sentimentos que me faltam adjetivos para expressar. A covardia da ação do que fizeram, somada com a covardia do que dizem, é de gerar no mínimo sentimentos de tristeza, fúria e desespero. Falas como: “não sei por que tanta gente falando da Marielle”, “Já deu né? Até porque todas as vidas são iguais” ou pior: “por que não falam das vidas dos policias mortos também?” Espalhadas aos montes nos mais diversos comentários nas redes sociais, trazem o símbolo da depressão histórica que estamos imersos no Brasil. Esse tipo de discurso, que inflama uma visão rasa sobre o que ocorreu com a Marielle, acompanha consigo as famosas fake news (informações falsas) sobre Marielle, com o intuito de ferir a imagem e a honra dela, completando assim uma tragédia sem fim.

É importante refletirmos sobre esse momento histórico, e sobre ele, entender também como certos valores enraizaram na população através da mídia. Num país que está à mercê do maior monopólio midiático do mundo não é de se estranhar que os rumos da políticas nacionais ganhem contornos tão desproporcionais, de geração do ódio e retorno de políticas de exclusão social, e, como consequência, raciais também.

Uma mídia que exala sensacionalismo, sua incessante tese, dentre outros valores, de que “todas as vidas são iguais”, é dita tantas vezes que cai no conto da “mentira dita tantas vezes que acaba virando uma verdade”. E se esquecem, aqueles que arquitetam esse tipo de ação, de dizer, por exemplo, que certas vidas morrem mais que outras.

Se “esquecem” pois fortalecer o senso comum é um papel, até então, prioritário para esse grupo. Não é por acaso que as denúncias sobre o crescente genocídio da juventude negra não reverberam nesses espaços. Apenas os jargões como “morreu hoje mais um vagabundo”. E de “vagabundo” a “vagabundo”, chega na boca do povo, e vai criando-se assim a lógica de que “todas as vidas são iguais”, mas tem “certas” vidas que dentro dessa lógica são mais iguais que outras. Principalmente se os CEPs e a cor não forem os mesmos.

A morte assim, da população favelada e negra, vai virando algo rotineiro, e uma morte negra, que deveria carregar seu significado como uma morte política, vira algo natural e mais uma vez banalizada como só mais um “acontecimento”.

A morte de Marielle foge desse script, não por conta da sua cor e nem tampouco de sua origem favelada (porque esse fato não foge ao script) mas sim por ser uma morte de uma parlamentar. É claro que a escolha por Marielle, está relacionada também a sua cor e sua origem (ela era o corpo “matável” dentro da Câmara municipal), também é óbvio que uma morte negra é uma morte política, mas essa morte em específico marca uma divisão na postura no modo operante do Estado.

Antes, o modo operacional era em determinados territórios, carregados pelos estigmas produzidos por uma mídia reacionária, agora esse modo operacional dá uma guinada e vai de encontro até aqueles que, mesmo com as suas contradições, lutavam para ampliar as vozes dos “esquecidos” pela Globo. É o fascismo na sua forma mais explícita ganhando força na política nacional. Seu primeiro passo foi nas utilizações da estrutura militar federal (exército e companhia), agora está na execução de parlamentares opositores a esse pensamento.

A cena de sua morte, uma típica cena no Brasil de 1968 (no meio do centro, a noite, sobre vários disparos precisos), mostra o claro avanço de uma parcela da direita, que expressa o seu valor mais fascista. Digo uma parcela, pois é evidente que existe um outro segmento da direita que prefere o sufocamento político (com a sua maioria nas câmaras, assembleias legislativas etc) ao modo operante fascistóide da execução da sua oposição institucional.

Não é à toa que a pessoa que executou esses disparos (que foge do padrão de execução de um varejista da favela, como alguns dizem) faz isso por entender a certeza de que não será punido. Sua frieza é tanta que nem se deu ao trabalho de mudar a munição dos disparos. Pois a necessidade de deixar claro seu caráter de execução, como um recado do Estado, mostra a precisão e a guinada perigosa que a “nova República” (se é que podemos chamar assim depois do golpe institucional de 2016) está tomando.

Se preparar para o pior é uma tarefa árdua que todos os segmentos da sociedade, minimamente progressistas, devem se concentrar em encarar de agora em diante. Entender o papel primordial do trabalho de base nos espaços populares, principalmente o auxílio para sua auto-organização e financiamento, está intrínseco nessa preparação. A luta contra o fascismo infelizmente ainda é uma luta desse século, um mal que surgiu na primeira metade do século passado, no qual seus resquícios se reacendem em mais uma crise política e econômica do mundo. Combatê-lo, para que não reapareçam catástrofes do passado, é um dever daqueles que no mínimo tiveram alguma aula de história sobre o que foi o fascismo. Toda a solidariedade aos parentes que estão na luta por justiça para Marielle, e que possamos encontrar a força necessária para derrubar esse tumbeiro chamado fascismo, que agora espalha seus tentáculos na América Latina, mas não esquecem de bombardear a Síria.

#MarielleVive

#SiriaResiste

 

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