13 de Maio de Lutas: população vai às ruas contra a Chacina do Jacarezinho e o genocídio em curso

Notícias

Por Carolina Vaz

A indignação e a revolta levaram milhares de moradores do estado do Rio às ruas no dia 13 de maio, última quinta-feira. “Nem bala, nem fome, nem Covid. O povo negro quer viver” foi o lema do ato convocado pela Coalizão Negra por Direitos, mas não somente no Rio de Janeiro: foram 41 cidades no Brasil e três no exterior. A data, 13 de maio, marca uma semana da Chacina do Jacarezinho, e é também uma data de luta contra a farsa da Abolição da Escravatura, no dia 13 de maio de 1888. No Rio de Janeiro, o ato foi realizado no centro da cidade, com concentração na Candelária, caminhando até a Câmara Municipal, na Cinelândia. Na multidão, faixas e cartazes denunciavam as diversas formas de extermínio que ocorrem sobre a população preta no Brasil. No carro de som houve falas de representantes da coalizão, parlamentares, mães de vítimas da violência do Estado e outros.

Durante o ato, a Coalizão Negra por Direitos expôs seu manifesto, “Racismo e Genocídio sem Fim”, a respeito da chacina. No documento, a Coalizão denuncia que a população negra brasileira se encontra sem possibilidade concreta de sobrevivência, seja por causa do coronavírus, dos tiros ou da fome. Dentre as exigências da Coalizão no manifesto estão uma investigação independente da Chacina e o cumprimento da decisão do STF na ADPF das Favelas, que proíbe operações policiais durante a pandemia.

Mariana Galdino, membra do coletivo Laboratório de Narrativas e Dados do Jacarezinho (LabJaca), protestou contra a chacina e a convivência com operações policiais que vitimam principalmente os jovens negros: “Eu, com 21 anos de idade, não aguento mais levantar a minha voz para falar sobre morte, eu quero falar sobre vida, eu quero falar sobre poder viver com os meus amigos, poder viver o meu amor. A juventude não aguenta mais morrer. A juventude não aguenta mais ter que estar aqui em cima falando dessa política de morte”.

Foto: Fael Miranda.

“Vocês não vão nos parar”

A Chacina do Jacarezinho, que assassinou 27 moradores e um policial militar em nove horas, mobilizou para as ruas mães que perderam seus filhos para a violência policial e lutam por justiça para si e para outras. Ana Paula de Oliveira lembrou de seu filho Johnatha, covardemente assassinado com um tiro nas costas aos 19 anos de idade por um policial que já respondia por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio, mas segue solto. “São 7 anos na busca por verdade, por memória, por justiça. Nossa luta é pela vida da favela”, afirmou.  Outra mãe que deu seu depoimento foi Deize Carvalho, que perdeu o filho Andreu nas mãos de agentes do Degase aos 17 anos. Ela lembrou que nenhuma morte em ação policial é justificável: “A nossa constituição não tem pena de morte. Pena de morte na favela não! Os nossos mortos têm voz e nós vamos continuar a ser a voz dos nossos filhos”.

Os familiares de vítimas de operações na Maré também foram representados. Bruna Silva, mãe de Marcos Vinicius, de 14 anos, assassinado numa operação policial em 2018, fez sua fala. “Marcos Vinícius foi morto numa operação ilegal que aconteceu na minha favela. Para a polícia não bastou só matar, teve que criminalizar aquela criança. Essa mãe teve que sair do seu luto para a luta (…) E eu quero avisar o Estado aqui presente: vocês não vão nos parar”. Em entrevista ao Jornal O Cidadão, ela falou sobre a importância do ato: “Como mãe de filho vitimado e morto pelo Estado eu não poderia ficar indiferente a essas 28 mães que tiveram seus filhos mortos na operação que houve no Jacarezinho. Nós viemos nos solidarizar com essas mães, dizer que nossos filhos importam e nossas vidas também”. Outra mãe que também marcou presença na condução de todo o ato foi Monica Cunha,  fundadora do Movimento Moleque e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Monica é mãe de Rafael Silva da Cunha, assassinado pela polícia.

Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius. Foto: Fael Miranda. 

É tudo para ontem

O ato também teve a participação de representantes do movimento negro que estão em luta pela vida da população preta, pobre e favelada há décadas. Benedita da Silva, ex-governadora do Rio e atualmente deputada federal, falou sobre a política de morte dos governos federal, estadual e municipal. “Nós temos que assumir que ali foi um genocídio, como tem sido cometido pelo governo Bolsonaro não dando vacina para todo mundo. Um governo que nós sabemos que está ferido, mas o sangue mesmo é das nossas comunidades, eles querem nos matar porque não suportam ver o povo pobre e preto viver em paz na sua comunidade”.

O histórico da luta foi trazido por falas de membros do Movimento Negro Unificado (MNU) que estiveram na Marcha Contra a Farsa da Abolição, há 32 anos, que com motivações semelhantes às de 2021 percorreu o centro do Rio de Janeiro. Segundo um dos participantes, “de lá para cá a chacina continua, porque o Estado racista, burguês, capitalista destina a nós negros, trabalhadores, a miséria e a sua violência”. Ele defendeu que a polícia perpetua seu comportamento pela lógica do capitalismo, responsável pela escravização dos africanos e pela proteção dos verdadeiros responsáveis pela violência urbana. “O sistema capitalista garante a manutenção da burguesia, a burguesia que não é incomodada na Zona Sul, que é aquela que compra as armas, que é aquela que traz as drogas para os morros e favelas, e  ela não é  incomodada na Vieira Souto”.

Foto: Fael Miranda.

As vítimas têm nome e sobrenome

O ato na Cinelândia foi precedido, por volta das 10h do mesmo dia 13 de maio, de um ato na Favela do Jacarezinho, que distribuiu cestas básicas a mais de duas mil famílias. Foi organizado pela Frente Nacional Antirracista, responsável também por atos em outros estados do Brasil, distribuindo cestas básicas e camélias.

Distribuição de cestas no Jacarezinho. Foto: Gil Cunha / CUFA.

A chacina realizada pela Polícia Civil no Jacarezinho em 06 de maio é a mais letal da história da cidade. Durante o ato na Cinelândia, foram lidos os nomes de todas as vítimas:

Bruno Brasil

Caio Da Silva Figueiredo

Carlos Ivan Avelino Da Costa Junior

Cleyton Da Silva Freitas De Lima

Diogo Barbosa Gomes

Evandro Da Silva Santos

Francisco Fábio Dias Araújo Chaves

Guilherme De Aquino Simões

Isaac Pinheiro De Oliveira

John Jefferson Mendes Rufino Da Silva

Jonas Do Carmo Santos

Jonathan Araújo Da Silva

Luiz Augusto Oliveira De Farias

Márcio Da Silva Bezerra

Marlon Santana De Araújo

Matheus Gomes Dos Santos

Maurício Ferreira Da Silva

Natan Oliveira De Almeida

Omar Pereira Da Silva

Pablo Araújo De Mello

Pedro Donato De Sant’ana

Ray Barreiros De Araújo

Richard Gabriel Da Silva Ferreira

Rodrigo Paula De Barros

Rômulo Oliveira Lúcio

Toni Da Conceição

Wagner Luiz Magalhães Fagundes

André Leonardo Mello Frias – policial civil

Também foram lidos os nomes de outras vítimas da violência de Estado na cidade, como os filhos das mães que se fizeram presentes no ato.

Comentários