Adolescentes da Maré competem no Mundial de Canoa Havaiana, no Havaí
Texto e foto de capa por Carolina Vaz
Apoio: Ana Cristina da Silva
Há dois meses, as mareenses Ana Karolina Queiroga, Edilanya Ferreira e Erika Kawany de Jesus, moradoras respectivamente do Salsa e Merengue, Kelson’s e Morro do Timbau, viviam grandes aventuras na cidade de Hilo, bem no meio do Oceano Pacífico, no Havaí. “Teve 3 ciclones, terremoto… mas foi muito bom!” é como resume Erika, de 13 anos. As três jovens fazem parte da equipe brasileira que competiu no Mundial de Canoa Havaiana, realizado entre os dias 13 e 24 de agosto, e apesar de não terem classificado para a final (as equipe ficaram em quinto e sétimo lugar, entre 27 países), para elas foi a melhor competição de todas até aqui.
Todas elas treinam no Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN), da Marinha Brasileira, participando do Programa Forças no Esporte (PROFESP), um projeto voltado para a prática de esportes, por crianças e jovens em vulnerabilidade social, no contraturno escolar. É uma dedicação diária: as meninas vão para o CEFAN logo cedo, todos os dias, mas em alguns dias elas treinam preparação física no próprio Centro, na Penha, e em outros elas partem na viatura da Marinha com o restante da equipe para treinar na Praia da Boa Viagem, em Niterói. No fim da manhã, voltam para o CEFAN, almoçam e cada uma vai para a sua escola, pois manter-se estudando é uma das exigências do Programa.
“É difícil porque a gente tem que ao mesmo tempo se dedicar ao esporte e se dedicar à escola. Mas o esporte ajuda muito a se dedicar na escola, porque influencia (…) Eu acho que o esporte, ele dá um up, levanta a gente a querer as coisas, a buscar sobre as coisas”. – Erika Kawany de Jesus, 13 anos
Dedicação diária
A Erika, moradora do Timbau, começou a praticar esportes aos sete anos, e aos 11 foi inscrita no CEFAN, onde passou por todas as modalidades, que no total são 25. Ela gostou de todos, mas se identificou muito com a canoa havaiana e o judô. Aos 12, ela teve que escolher um só para se dedicar diariamente, e escolheu a canoa. Há um ano, em outubro de 2023, teve seu primeiro campeonato, no qual as equipes femininas conquistaram a vaga para o Mundial no Havaí: tanto a sub16 quanto a sub19, para menores de 16 e de 19 anos, respectivamente. Desde então, passou por vários outros campeonatos, conquistando medalhas de bronze, prata e ouro junto às outras 5 meninas do seu barco.
A avó Ana Lucia de Jesus, de 60 anos, acompanhou todo o trajeto da Erika no esporte, e por um tempo até deixou de trabalhar para poder levar e buscar a neta no Centro Esportivo. Ela se sente muito empolgada em poder acompanhar as competições, já é amiga das outras famílias, e demonstra todo o orgulho que sente pela Erika: “Eu sinto muito orgulho. Eu não deixo ela faltar, mando ir, pode estar o que for eu acordo ela e ela vai cedo. (…) Ela larga da escola 18h30, ela só entra em casa à noite, e isso é todos os dias praticamente. (…) Orgulho eu tenho, ela já está cheia de medalhas e vem mais por aí”.
A experiência é o prêmio
A Erika rema no mesmo barco que a Karol, moradora do Salsa de 16 anos. Foi a Karol, na verdade, que foi escalada para ser reserva do barco sub19 no Havaí e conseguiu que as outras 5 meninas do barco dela, o sub16 feminino, fossem também. A Karol também está na equipe desde a metade de 2023, e apesar da rotina cansativa de treino e escola, ela não larga a canoa: “Me proporciona amizades novas, conhecer lugares novos e pessoas incríveis … Eu já me acostumei a conviver com cada um aqui. Conheci lugares novos através da canoa e isso foi incrível”. Na hora de responder sobre a melhor competição até agora, ela concorda com a Erika e a Edi: o Mundial no Havaí. Não por causa da colocação da equipe, mas porque conviver em grupo durante 17 dias e conhecer atletas de outras culturas foram as melhores partes: “O que eu mais gostei foi a cultura, totalmente diferente, conhecer pessoas diferentes, línguas diferentes, e se virar lá pra falar um pouquinho de cada coisa. Traduzir no Google Tradutor as palavras em francês…”.
Elas fizeram amizade com muitas meninas de outros países, fato que foi confirmado pelo sargento Monteiro: “O diferencial da equipe, além da disciplina delas, foi essa interação com os outros países. Não era, assim, a gente ter que ir lá, ‘catucar’ eles não, eles vinham naturalmente, até o alongamento que a gente fazia eles queriam estar conosco!”. Monteiro é o técnico militar das equipes da canoa, e compôs a comitiva junto ao comandante Montenegro; a Tenente Priscilla Pereira, coordenadora do Profesp; o técnico civil Gustavo Dalla; e, por fim, Carmélia Amorim, representante da coordenadoria de acompanhamento de projetos da Secretaria estadual de Educação.
Quem está na equipe há mais tempo, desde o início de 2023, é a Edilanya, mais conhecida como Edi. Moradora da Kelson’s de 18 anos, ela conta que praticava remo no CEFAN quando foi convidada pelo sargento para fazer algumas aulas de canoa. “Eu fiz as primeiras aulas, gostei, e fui me aprofundando mais”, conta. Na equipe sub19 feminina, ela já esteve em mais de 10 competições, mas a preferida foi a última em Hilo, exatamente por terem saído do país, conhecido outras culturas e outras atletas com quem mantêm contato. Ela, antes, tinha receio de que o grupo sofresse preconceito por ser brasileiro, mas teve muito acolhimento. A Edi cita, também, a conquista da prova: “A competição foi incrível, a gente se divertiu, foi uma adrenalina muito engraçada, passamos um sufoco lá mas a gente conseguiu completar a prova que era o mais importante”. Ela ainda destaca o apoio que recebe da família e dos amigos nessa vida de atleta.
“A minha mãe me apoia demais, o meu pai… Meus parentes todos. Eles me mandam mensagem sempre quando é competição. (…) Meus amigos acham que eu vou ser rica! E eles acham que eu sou maluca, [falam] ‘você é maluca, entra no mar’. É, fazer o quê? Quando a gente gosta, a gente gosta”. – Edilanya Ferreira, 18 anos
Apoio dos parceiros
A adrenalina do Mundial, para o grupo do CEFAN, já começou meses antes. Em abril, apenas 4 meses antes, ainda não tinham conseguido garantir todas as inscrições e as passagens. Nesse sentido, as modalidades de esporte do CEFAN cujos treinos são externos (como canoa havaiana, golfe e futevôlei) estabelecem parcerias com grupos dos locais de treino, e neste caso o apoiador é o Clube Arariboia, de Niterói. Representados pelo treinador civil Gustavo Dalla, eles não apenas emprestam a canoa para os treinos como também ajudam no pagamento das inscrições, confecção dos uniformes das crianças e jovens, dentre outros apoios voluntários. Mais que uma parceria, é uma relação de amizade fundamental, segundo o sargento Monteiro: “Tinha hora que eu ficava tristinho, falava ‘isso é loucura’. Mas os amigos de Niterói que levantaram a nossa moral”.
Agora, as equipes de canoa havaiana do CEFAN, tanto feminina quanto masculina, se preparam para o Campeonato Estadual, entre 16 e 17 de novembro, e o Pan-Americano, em Niterói, Praia de São Francisco, entre 20 e 24 do mesmo mês.