Angela Cristina: a professora de matemática que ensina valores

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Por Ana Cristina da Silva.

Mulher preta, favelada e nascida em família humilde. O perfil de Angela Cristina da Silva Santos é daqueles que a sociedade tenta calar, invisibilizar e estereotipar. Já dizia a música: “Era só mais um Silva”. No entanto, se pode facilmente estruturar um texto sobre sua vida utilizando o conceito de “Jornada do Herói”. Afinal, Angela é daquelas mareenses que contrariam as estatísticas e dão a volta por cima. Ela é formada em Matemática (UERJ) e Mestre em Desenvolvimento Social (NIDES/UFRJ). Tornou-se professora do Estado com apenas 23 anos e, hoje, aos 36, tem orgulho de dizer que dá aula no mesmo colégio em que seu pai estudou. Servindo de exemplo para suas sobrinhas e seu sobrinho, Angela fala de números, mas também de valores, pois consegue enxergar a si mesma em seus alunos. De fato, era só mais um Silva… Mas dessa vez a estrela brilhou.

Para conquistar o notável currículo acadêmico e profissional de hoje, Angela precisou se dedicar muito. “Desde muito nova sempre pensei em me formar para poder trabalhar e trabalhar para receber um salário, minimamente digno, para ajudar a família. Então essa já era a meta na adolescência”, conta a professora. Em um dia Angela estava atravessando os portões do CEASM para assistir às aulas do Curso Pré-Vestibular (CPV), no outro ela estava entrando como educadora, pronta para retribuir tudo o que havia recebido do espaço. Primeiro deu aula para as turmas do Preparatório do 5º ano, mais tarde tornou-se professora e coordenadora do CPV. Apesar de ter deixado a coordenação em 2021, Angela segue como educadora no Pré-Vestibular.

Desde a pandemia que Angela também vem colaborando com a coordenação do Colégio Estadual Bahia. Foto: José Bismarck.

Mulher preta na Matemática

O motivo que fez com que a mareense escolhesse cursar matemática foi bem simples: ela sempre foi boa na matéria. “Os professores falavam ‘Pô, Angela, você é boa’, repetiam isso com muita frequência. Eu acho que peguei essa ideia e investi”. Porém, o caminho até aqui não foi simples, exigiu muita dedicação, responsabilidade e força de vontade. Ela poderia até mesmo ter sido desmotivada, já que o estereótipo estava impregnado por toda parte. “Na época em que eu me formei, associavam a mulher negra à História, Sociologia… Sempre, em todos os lugares. ‘Ah Angela, mas você gosta de matemática? Você tá fazendo Matemática? Nossa, você deve ser muito inteligente’. Como quem diz ‘você deve ser fora do padrão’, e eu nem sou, eu sou normal”. A professora conclui dizendo, no entanto, que hoje em dia há mais incentivo para que mulheres e pessoas negras se interessem pela área, mas que ainda é preciso certo esforço para desmistificar algumas coisas.

Angela já trabalhou no antigo Colégio Estadual Lelia Gonzales e na UFRJ. Hoje, além do trabalho no CEASM, também atua como orientadora educacional no Colégio Pedro II e como professora no Colégio Estadual Bahia, onde também tem ficado nas tarefas da coordenação. Principalmente neste último, ela se preocupa muito em trabalhar com uma educação antirracista. “Eu tento promover formação, levo pessoas para dar palestras e aulas com professores. Faço rodas de conversa, idas ao teatro, teatro negro (…) Tudo isso na tentativa de fazer com que os professores entendam que a saúde mental deles (alunos) vai melhorar se a gente tiver uma prática antirracista. A violência vai diminuir, o aprendizado vai melhorar”.

No Colégio Estadual Bahia foi realizado o “Projeto Étnico-Racial: valorizando as contribuições dos povos negros e povos indígenas”, que contou com 4 dias de evento. Foto: Arquivo pessoal.

“A nossa escola (Colégio Estadual Bahia) é uma escola negra e mareense. Meu pai estudou no Bahia, eu sempre falo isso. Meu pai estudou nesse colégio e eu estou aqui como educadora. Então assim, é um lugar pra mim que é de respeito, é de compromisso. Desde que eu entrei eu venho tentando mobilizar essa pauta, mas é bem difícil, né. (…) A maioria das pessoas não veem o descompromisso do aluno, a agressividade do aluno, o desleixo do aluno como consequências das violências que os alunos sofrem”.

— Angela Cristina sobre educação antirracista em colégio periférico.

A educação para além das salas de aula

Engana-se quem pensa que Angela só ensina no local de trabalho. Angela é tia de Davi, de 5 anos; Ana Luiza, de 13; e Rayssa, de 18. Por Davi ainda ser bem novo, Angela fala mais sobre sua troca com as meninas. “Elas são os meus xodós. Desde muito cedo eu as mantenho próximas a mim porque eu entendo que é minha obrigação enquanto tia e corresponsável dessa criação. Elas sempre estiveram muito perto, desde pequenas eu compro livros afrocentrados ou livros que falam da cultura negra para elas. Levo no teatro, cinema, tudo que tem a ver com aparato cultural”. Na pandemia, Angela chegou até mesmo a montar uma escolinha em casa, onde as meninas frequentavam sempre. Ela ressalta a importância da conscientização desde cedo. “Eu tento cultivar pelo exemplo e pela proximidade, pelo afeto, essa consciência de que a gente não nasceu herdeiro, herdeira. Não vai haver transformação nenhuma na vida delas se elas não buscarem se conscientizar, se formar, estudar e valorizar a base delas que é a família”.

Na escolinha que montou em casa recebeu as sobrinhas Ana Luiza (camiseta rosa) e Rayssa (camiseta preta), tal como outras crianças e jovens, durante a pandemia. Foto: Arquivo pessoal.

Talvez, para além de toda sua dedicação, seja essa a chave de seu sucesso. Angela é daquelas que acredita no poder de transformação da educação. Não se trata apenas de ensinar o necessário e seguir com uma programação. Angela sente o amargor do descaso na educação brasileira. Afinal, é um sistema falho, precarizado, desvalorizado e que vive com a insuficiência de recursos básicos diariamente. Porém, apesar de tudo, ela segue ali na luta porque ama o que faz. Ela segue ali pelos seus alunos, porque um dia ela também esteve em posição semelhante e, como uma boa mareense, ela entende que a proximidade, a semelhança e a troca são ferramentas essenciais para impulsionar sonhos e se fazer entender que, tal como diz Bertolt Brecht: “Nada deve parecer impossível de mudar”.  

“É muito satisfatório quando você consegue ajudar um estudante. Seja no acolhimento, na escuta, na orientação, seja em ajudar a compreender um conteúdo, seja em ajudar a acessar o aparelho público, levar o aluno ao museu, ensinar para ele e para ela que eles podem acessar determinados espaços. Tudo isso é gratificante porque você tá lidando com pessoas com expectativa de vida, com sonhos, com acesso à cidade (…) Quando você consegue que eles compreendam que eles podem acessar espaços, que eles podem ir pra um pré-vestibular, que eles podem aprender um conteúdo de matemática que parece impossível… isso é gratificante”.

— Angela Cristina.

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