Especiais da Maré lançam exposição e livro sobre cotidiano de famílias atípicas
Texto por Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz
Foto da capa por Raysa Castro
“Essa exposição é uma maneira do Complexo da Maré, da redondeza, do Rio de Janeiro olhar para isso e ver o quanto a gente está lutando por melhoria, por voz, por espaço”.
O protesto em forma de convite parte de Alusca Cristina Souza, cria do Parque União. Mãe de Pedro, de 15 anos, um adolescente com deficiência, ela é uma das gestoras da associação Especiais da Maré. O grupo, composto por pessoas com deficiência e seus familiares que moram no território, inaugurou a exposição OcupArte Maré no dia 21 de novembro, no Museu da Maré. Neste mesmo local, dentro da exposição, também foi lançado o livro “Cartas da Maré”, que traz a narrativa das 6 gestoras da associação. A exposição ficará no museu até o dia 13 de dezembro e pode ser visitada de terça a sexta, das 09h às 13h e das 14h às 17h.
Alusca Cristina fundou os Especiais da Maré há 6 anos para ajudar outras mães da Maré. Foto: Ana Cristina da Silva.
A inauguração
O evento de inauguração se iniciou com uma apresentação da Orquestra Maré do Amanhã que, naquele dia, contou com 8 músicos e musicistas que tocaram clássicos brasileiros como Rap da Felicidade, Asa Branca, Águas de Março e Alagados. Em seguida, uma mesa de abertura composta pela artista plástica Maria Carolina Reis; a gestora dos Especiais da Maré, Juliana Mesquita, as pesquisadoras e colaboradoras do projeto, Adelayne Costa da Silva e Sônia Gertner; e a diretora do Museu da Maré, Cláudia Rose, foi formada para falar sobre o processo e a importância da exposição OcupArte Maré.
Da esquerda para a direita: Adelayne Costa, Maria Carolina Reis, Cláudia Rose e Sônia Gertner. Foto: Ângelo Alves.
Acompanhando os Especiais da Maré já há um bom tempo, Adelayne Costa, mestranda da Fiocruz, saiu do Maranhão para prestigiar a tão aguardada inauguração. Em sua fala, muito se destacou a conquista de parcerias do grupo e a resiliência diária das mães com filhos PCD. “Cada vez que a gente amanhece e dá o sim para a vida, ela também dá o sim para a gente”, afirmou. Por outro lado, para a diretora do Museu da Maré a exposição também atua como uma ferramenta para chamar a atenção do poder público para cumprir com suas obrigações no que se refere às pessoas com deficiência.
No decorrer da mesa, apresentando um pouco sobre o processo de toda aquela proposta, a psicóloga e pesquisadora da Fiocruz, Sônia Gertner, informou que a exposição foi contemplada pelo edital de Ações Locais – Edição Paulo Gustavo, da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. E, refletindo sobre isso, Juliana Mesquita, gestora dos Especiais da Maré, compartilhou com o público ali presente que chegou a pensar que o grupo não poderia competir com instituições maiores na lei de incentivo, mas que o projeto apresentado simplesmente encantou os responsáveis pela verba.
“O que a gente quer mesmo, de verdade, é que as pessoas com deficiência aqui do Complexo da Maré estejam aqui no Museu da Maré, mas também estejam no Museu de Arte Moderna estejam onde eles quiserem estar”.
— Juliana Mesquisa, gestora dos Especiais da Maré.
Exposição OcupArte Maré
Uma das principais personagens desta exposição é a artista plástica Maria Carolina Reis, de 26 anos. Sanitarista e profissional da Fiocruz, ela acabou se aproximando do grupo Especiais da Maré através de seu trabalho. Usando como base as entrevistas realizadas com as mães que integram os Especiais da Maré, a artista foi capaz de criar pinturas que exibem não apenas a fisionomia, mas a essência de cada pessoa e como elas gostariam de ser vistas.
Uma destas mães é Telma Lima, moradora da Maré e mãe de Ian Carlos, de 25 anos, que é cadeirante. Quando questionada sobre como gostaria de ser retratada na exposição, Telma respondeu: “Eu queria ser um jardim de suculentas, para todo mundo olhar, admirar e falar ‘que lindo’”. Foi escutando Telma que Maria criou a obra: Quintal da Benção. “Elas (mães) falavam muito que não queriam ser retratadas de uma forma sombria, que fala só do luto de saber que tem um filho que é uma pessoa com deficiência. Então, elas queriam muita cor, muita luz”, contou a artista.
Maria Carolina Reis é a artista responsável pelas pinturas da exposição. Foto: Raysa Castro.
O resultado deste trabalho coletivo, feito junto das mães e gestoras dos Especiais da Maré e de todos os outros envolvidos durante o processo criativo, como a Escola de Divines e Maré Sem Preconceitos, foi uma exposição que é uma mistura de protesto em prol de direitos, ludicidade, elementos educativos e muitas cores, pinturas e ilustrações. Um trabalho delicado e cuidadoso que, de forma simples, fala sobre empatia, respeito e igualdade.
“Apesar de eu estar muito feliz com o resultado do meu trabalho, até porque sendo uma mulher negra é muito difícil ter autoestima, eu fiquei muito orgulhosa de mim mesma e, assim, isso tudo é fruto de muita resistência e união das mães. Eu lembro que a Alusca, uma das gestoras, ia lá em casa no carro dela e a gente trazia as pinturas, meu pai também. Chegou um momento em que as famílias ajudavam, era uma união incrível”.
— Maria Carolina Reis, artista da exposição.
Pensando na inclusão de todas as pessoas, a exposição também conta com um painel tátil. Foto: Ângelo Alves.
Para as gestoras dos Especiais da Maré, a inauguração da exposição foi mais uma dentre tantas outras conquistas ao longo dos 6 anos de existência do grupo. Fundado por Alusca Cristina, de 35 anos, os Especiais da Maré começou como um pequeno grupo de WhatsApp onde ela compartilhava dicas com outras mães de crianças com deficiência. Hoje, ela divide essa missão com outras 5 gestoras: Antonia Pirangi, Juliana Mesquita, Lorrayne Gomes, Marcelly Olinto e Valeria Oliveira. Até então o coletivo já identificou e ofereceu suporte para mais de 600 pessoas com deficiência que, por sua vez, se uniram formando um grande coletivo no qual todos trocam experiências e se ajudam de diferentes formas.
Para Alusca, a exposição OcupArte Maré tem como objetivo passar diferentes mensagens, mas uma das mais importantes é mostrar narrativas de pessoas reais que mesmo lutando todos os dias por direitos básicos, com todas as adversidades, existem e fazem parte da sociedade tanto quanto qualquer outra pessoa ou família:
“A gente vive tendo que se adaptar ao mundo, sendo que tem que ser o contrário, o mundo que tem que se adaptar às pessoas com deficiência. Então assim, não existe mãe guerreira, sabe? Existem mães cansadas de ficar pedindo o básico. Então qualquer movimento que a gente faz, por trás desses movimentos, sempre tem um pedido de ajuda, de socorro, né? E é isso, a gente quer muito garantir os direitos, trazer melhorias, unir força, melhorar a qualidade de vida dessas famílias (…) a acessibilidade, a inclusão, é lutando pelo fim do capacitismo, pra que a gente possa andar de cabeça erguida sem ninguém sentir pena, só mesmo ocupando espaços que são de direitos nossos também”.
Fotos da galeria: Ângelo Alves.
Livro Cartas da Maré
Quem também caminhou lado a lado com a Associação dos Especiais da Maré foi Rafael Magalhães, Doutor em Saúde Pública pela Ensp/Fiocruz. Ao lado de Sônia Gertner, Rafael acompanhou o longo processo de entrevistas e reuniões com as mães e seus filhos com deficiência que integram os Especiais da Maré. O resultado foi a produção do livro Cartas da Maré que, fazendo parte de sua tese de doutorado, foi lançado no dia 27 de novembro dentro da exposição no Museu da Maré. “Esse livro faz parte de um projeto coletivo a partir do conceito ‘nada sobre nós, sem nós’, que foi nosso principal alicerce metodológico. Ou seja, só faria sentido a construção dessa obra se as protagonistas fossem as mães da associação Especiais da Maré”, conta Rafael.
Da esquerda para a direita: o professor Luiz Carlos Fadel; a gestora Marcelly Olinto e Rafael Magalhães. Foto: Ana Cristina da Silva.
Para o livro, cada uma das 6 gestoras do coletivo mergulhou nas próprias vivências para escrever cartas onde falavam sobre serem mães, sobre as responsabilidades de se cuidar de pessoas com deficiência, sobre serem mulheres mareenses e sobre os caminhos que trilharam até terem a sorte de se encontrar e firmarem o coletivo que hoje é uma associação.
Estiveram presentes no lançamento do livro profissionais de instituições e ONGs parceiras como Fiocruz, Nova Direção, Voz Atípica e Instituto Incluir.
Cartas para Maré pode ser adquirido diretamente com a Associação Especiais da Maré pelo valor simbólico de R$ 30,00. O contato pode ser feito via Instagram.
Fotos da galeria: Ana Cristina da Silva.