CEASM celebra 21 anos mudando vidas mareenses
Por Carolina Vaz e Claudia Rose
O ano era 1997. Jovens da Maré viram, pelas ruas do bairro, cartazes convidando a participar de um pré-vestibular comunitário. Muitos se interessaram, alguns sem ter certeza do que significava. Tratava-se do Curso Pré-Vestibular Comunitário do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), instituição que acabava de nascer. Um dos jovens curiosos era Humberto Salustriano, hoje professor de História no CPV: “A gente não tinha muita noção do que era fazer um vestibular, até porque a gente não vislumbrava muito essa ideia de ir pra universidade. A gente estava muito mais preocupado com a questão de se encaixar no mercado de trabalho”, contou no dia 15 de agosto, na festa de comemoração dos 21 anos do CEASM.
Educação, comunicação e memória
A comemoração, no próprio pátio do CEASM, reuniu numa roda de conversa dezenas de pessoas que já passaram e ainda participam dos diversos projetos da instituição. Muitos alunos e ex-alunos do CPV, professores e alunos do Preparatório para o Ensino Médio, membros do Jornal O Cidadão, artistas de grupos de teatro que utilizam o espaço do Museu da Maré, entre outros. Lourenço Cesar, diretor da instituição, lembrou do início do CEASM e dos 3 eixos que sempre guiaram a ONG: COMUNICAÇÃO, que se materializou no Jornal O Cidadão em 1999; MEMÓRIA, que fez criar a Rede de Memória para levantar e registrar a memória da Maré e depois gerou o Museu da Maré; e EDUCAÇÃO, que já teve cursos como de informática e línguas, e hoje tem o Preparatório para Ensino Médio e Técnico, mas o “carro-forte” sempre foi o Pré-Vestibular Comunitário, o CPV. “Como era um projeto político, a ideia desse pré-vestibular era que ele pudesse formar uma galera que pudesse se municiar do conhecimento da academia e voltar pra melhorar a situação na Maré. Tinha um medo dessa galera ir pra universidade e reproduzir o que a universidade já fazia que era negar a favela. Então foi pensada também a Rede de Memória, um projeto que pudesse garantir uma identidade nossa”. Para ele, os 3 projetos raízes se mantêm porque têm o papel de “dar liga” ao projeto político que é o CEASM.
Uma nova juventude mareense
E foi esse projeto político que se mostrou inovador e revolucionário desde o início, como conta Humberto a respeito do evento no qual os diretores do CEASM explicaram o que seria o Pré-Vestibular: “Eu lembro de escutar, com os meus amigos, aqueles fundadores falando sobre a proposta com um entusiasmo de que a favela tinha que ter seu protagonismo, que a gente tinha que acessar a universidade. A gente nunca tinha ouvido falar desse tema aqui dentro com tanto entusiasmo”. As primeiras turmas tinham muitos curiosos, muita gente que tinha como a primeira perspectiva o trabalho, e não continuar os estudos depois do Ensino Médio. O CEASM mudou essas vidas, gerando outros profissionais, diplomados mas também com consciência política. “Isso nos gerou um pensamento de querer conhecer mais sobre a favela, querer participar dos movimentos sociais. E não por acaso foi do CPV que surgiram vários outros movimentos de juventude da Maré”, concluiu Humberto. Outro personagem que contou essa história foi o geógrafo Bruno Paixão, da turma do ano 2000. “O CEASM mudou a minha trajetória. Até então eu era filho de um comerciante e talvez fosse continuar no comércio, mas eu tinha percebido ao longo dos meus 14 anos que o comércio é ingrato. E eu queria fazer outras coisas. E aí o Pré-Vestibular me deu a chance de me tornar um profissional, um geógrafo, um professor”.
21 anos de resistência
O professor JB, coordenador do Preparatório, também contou sua trajetória na instituição, participando de projetos do Museu desde 2006, e comentou os desafios de educar adolescentes que chegam desmotivados, seja por eles mesmos seja pela escola e contexto familiar. “O CEASM tem um papel fundamental e diferenciado que é o acreditar no outro e o ‘outrar-se’. Acreditar que o ser humano é possível e capaz faz toda a diferença. Isso faz toda a diferença no Preparatório”, contou. Também para os professores, as dificuldades são motivadoras, tiram do lugar de conforto para estimular o outro e todos crescerem juntos.
Walney Gomes, diretor da Cia bUsina Teatral, também contou a trajetória do grupo que foi um pouco diferente: já existia antes e agora passou a funcionar no espaço do Museu da Maré. Trata-se da continuação de um projeto iniciado na Usina de Cidadania, em Manguinhos, que foi fechada há alguns anos. Walney encontrou um espaço para o projeto exatamente no bairro onde cresceu: “Eu realizei um sonho, que era trabalhar na Maré”.
O Museu é outro espaço do CEASM que desenvolve vários projetos culturais, além de apresentar a exposição Os Tempos da Maré, que divulga e valoriza as histórias e memórias dos moradores. O Museu também está aberto para movimentos sociais, coletivos, pessoas e instituições que querem realizar projetos e eventos comunitários no espaço da instituição. A Cia bUsina Social, Entre Lugares e MareMoto do Teatro do Oprimido na Maré, são parceiros que utilizam o Museu como base de suas atividades.
Nesses 21 anos, o CEASM tem muito o que avaliar sobre sua trajetória, mas principalmente, muitas conquistas precisam ser festejadas. Vida longa ao CEASM!