Coletivo AfroMaré estreia no Teatro Ruth de Souza

Cultura, Notícias
“Dos Nossos para os Nossos”, peça do coletivo AfroMaré que estreou no último dia 13/05, traz à tona o teatro enquanto instrumento político de resgate da cultura preta e lota Teatro Ruth de Souza em Santa Teresa.

Por Raysa Castro

Foto em destaque: José Bismarck

Se em 1922 o Brasil realizava a Semana de Arte Moderna no Theatro Municipal de São Paulo com uma arte elitizada e exclusiva, em 2023 a arte favelada, periférica e preta toma cada vez mais seu espaço. O espetáculo interativo Dos Nossos para os Nossos do Coletivo AfroMaré usa as artes cênicas para valorizar a identidade da cultura preta brasileira, e para denunciar o racismo que todos os dias mata milhares de pessoas pretas no Brasil. A peça presta homenagem tanto a pessoas mortas em chacinas policiais no Rio de Janeiro quanto a personagens de destaque na história do Brasil, como Carolina Maria de Jesus, Abdias do Nascimento, Zumbi dos Palmares e etc. No decorrer da peça os atores provocam no público a reflexão sobre o lugar do branco na luta antirracista, trazendo a responsabilidade de solução por quem criou e permanece fomentando o racismo sistemático brasileiro. Fazem isso juntamente de um resgate da memória ancestral, da conservação e continuação das tradições de religiões de matriz africana, e promovem a  protagonização do preto na história.

Idealizada por Êlme e Patrick Congo do Coletivo AfroMaré, a peça dura cerca de uma hora e é composta por mais três atores: Leona Kali, Leandro Guedes e Rafael Rougues. “Foi um ano de pesquisa, de investigar, de olhar para si… acredito que antes de tocar a plateia tem que tocar a gente, e a gente foi muito tocado nesse processo” relata Patrick. Na performance, os atores não somente atuam, mas também compõem as cenas com projeções, danças de inspiração africana, capoeira, canto e manejo de instrumentos. Além disso, o diretor Tiago Ribeiro, menciona sobre o linólio que demarca onde está rolando a apresentação: ‘Tem um ‘jogo’ com o linólio do palco, a área delimitada que marca a representação. Dentro dele está representando, fora dele não está”.

Coletivo AfroMaré na peça Dos Nossos para os Nossos, cena de capoeira, destaque do linólio.
Fora do linólio (quadro branco no chão) ficam os objetos de figurino, sonoplastia e projeção do coletivo. Foto: José Bismarck.

O elenco e grande parte da equipe são compostos por alunos, ex-alunos e arte-educadores do projeto Entre Lugares Maré, coletivo de formação teatral mareense que forma adolescentes e jovens há cerca de 11 anos no território. Tiago Ribeiro, diretor do espetáculo, é também diretor teatral do projeto Entre Lugares, e falou sobre o impacto de mais uma peça nascendo a partir do curso: “Eu acho que o teatro político vem, a cada dia, fazendo a gente entender cada vez mais esse buraco imenso que é falar do humano, né? E dentro da Maré esse espaço que é o Entre Lugares, que proporciona esse diálogo e essa troca, é fundamental. É aquela coisa: é semente. Isso foi plantado onze anos atrás e hoje a gente está colhendo o resultado de um trabalho sobre o teatro como ferramenta de transformação social”, diz Tiago.

Em 2022 o Entre Lugares realizou diversas oficinas de montagem de luz, figurino e dramaturgia, capacitando ainda mais seus alunos e expandindo a experiência para além da atuação, na imersão da construção coletiva que é o teatro favelado. 

Patrick Congo e Êlme, atores e idealizados do coletivo AfroMaré e da peça Dos Nossos para os Nossos.
Patrick (camiseta branca) e Êlme, idealizadores do coletivo e da peça. Foto: José Bismarck.
COLETIVO AFROMARÉ

Patrick Congo e Êlme criam o coletivo AfroMaré em 2018, onde realizavam oficinas teatrais nas escolas públicas da Maré. Eles criaram assim algumas das cenas que hoje integram a peça, e em uma das apresentações foram incentivados por um professor da escola Josué de Castro a inscreverem a cena em festivais de teatro, e assim acabaram sendo indicados no 3º Festival de Cenas Curtas do Zimba (Teatro Ziembinski). Na competição, foram indicados como melhores atores e como melhor cena, levando o terceiro lugar como melhor cena.. “A esquete era uma versão compacta da peça. Tinha uma ‘abertura com Reis’, tinha maculelê, tinha essas críticas de falar com a plateia, de abrir a luz (…) Junto com o coletivo a gente desenvolveu a dramaturgia, a gente pegou o que já tinha e desenvolveu mais, acrescentando coisas novas, como a cena das personalidades”, conta Êlme. Agora, em seu primeiro espetáculo, o coletivo é contemplado pela Secretaria Municipal de Cultura através do edital Fomento à Cultura (FOCA – linha antirracista).

Equipe da peça Dos Nossos para os Nossos, do coletivo AfroMaré.
Toda a equipe e elenco foram aplaudidos de pé no Teatro Ruth de Souza. Foto: José Bismarck.

A espectadora Mirella Souza, aluna de teatro do Entre Lugares desde fevereiro, relatou: “Eu como capoeirista do Maré de Bambas, pra mim foi uma aula de história também a peça toda (…) de me questionar mesmo do meu comportamento. Acho que foi muito impactante isso para mim, e eu estou até agora [impactada]. Porque é muito forte”.

Mirella, estudante de teatro no Entre Lugares,expressou o orgulho dos colegas na peça. Foto: José Bismarck.

O espetáculo acontece aos sábados e domingos até o dia 11/06, às 19h no Teatro Ruth de Souza – Centro Cultural Parque das Ruínas. Os ingressos estão disponíveis na plataforma Sympla. A classificação é de 14 anos.

Vale ressaltar que o grupo também realiza leituras dramatizadas da peça. No dia 1º de junho acontece na Arena Dicró, mas os atores contam que também vão estar na Arena Jovelina Pérola Negra (Pavuna) e depois em Madureira, as datas podem ser acompanhadas no Instagram do coletivo.

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