Conheça Rute dos Santos, a artista que dá cor às paredes da Maré
Entrevista: Carolina Vaz
Texto: Raysa Castro
Foto de capa: Raysa Castro
Que a Maré é berço de artistas, todo mundo sabe. Desde atores, atrizes, cantores e até blogueiros, jovens mareenses ocupam a favela e o mundo mostrando o que sabem fazer. E a jovem Rute dos Santos repagina espaços com suas pinturas em paredes!
A artista é moradora da Vila do Pinheiro, mas já morou em diversos cantos da Maré: Parque União, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau. Filha de Maria Andreia da Silva e irmã de 3, a artista completou 19 anos no último dia 04 de abril. Além disso, ela também compõe a equipe do projeto Curso Preparatório do CEASM (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré) e é aluna do curso pré-vestibular CPV.
Sobre seu trabalho atual, qual a sua função no Preparatório?
Eu sou assistente de comunicação e também assistente de coordenação, dou apoio aos coordenadores do Preparatório. Comecei a trabalhar no Preparatório em 2022, mas fui aluna do projeto em 2019.
Sobre a questão da arte, da ilustração, quando você começou? É uma coisa da infância?
Eu comecei bem pequena. O meu pai pintava em azulejo, então desde pequena eu tive isso como referência, mas nada que eu pensasse em levar como uma profissão. Comecei a trabalhar com arte em 2020, eu era adolescente, não tinha renda e estava entrando no ensino médio quando as aulas precisaram ser interrompidas por conta da pandemia. Sentia vontade de fazer alguma coisa, então eu comecei a fazer arte como um refúgio naquele momento. Por conta da pandemia, não consegui ter um estudo adequado nem mesmo pra arte, mas fui pegando muita referência da internet. A arte esteve comigo desde muito nova, um dos meus irmãos também desenhava.
Seu pai fazia isso profissionalmente ou era um hobby?
Era um hobby. Ele desenhava em azulejo de casa, às vezes ele olhava, achava que os azulejos estavam muito brancos e aí ele ia lá e pintava. Ele que decorava, botava os azulejos na parede… e eu nem sabia que tinha gente que trabalhava com pintura em azulejo, eu via isso como algo divertido. Ele também pintava com giz na parede, era algo muito solto, algo mais divertido mesmo. Então eu fui levando isso como hobby, gostava de pintar, gostava de desenhar, mas só passei a levar profissionalmente mesmo durante a pandemia.
Rute começou suas ilustrações em telas durante a pandemia. Foto: arquivo pessoal.
E como foi isso? Você começou em papel pra emoldurar ou já começou em parede?
Eu comecei a fazer quadros. Durante a pandemia fiquei na aquarela e papel mesmo, depois passei a experimentar tela com tinta a óleo ou tinta de tecido. Mas a tinta a óleo não é muito acessível, é bem cara, e como eu não tinha tanta experiência preferi não me aprofundar naquele momento. Mas tinta de tecido e tinta a guache são as que eu mais uso. Então eu comecei a pintar em quadro mesmo, em tela. A princípio era pra me distrair, até que comecei a postar nas redes sociais e muita gente gostou, foi quando comecei a ver aquilo ali como uma fonte de renda também. A pessoa entrava em contato comigo, aí mandava geralmente uma foto que ela tinha como referência, eu fazia a pintura e vinha para a Maré entregar, porque na época eu morava na Ilha.
Depois que eu comecei a pensar mais em outras áreas da arte, que foi na parede. Na pandemia eu vi muitas pessoas inventando coisas do tipo “o que fazer em casa”, daí comecei a ver a arte também como uma forma de mudar o que a pessoa estava vendo todo dia. Então eu comecei a pensar nas paredes. A primeira parede que eu fiz foi em casa, com tinta a guache. Eu falei pra minha mãe, ‘olha, eu vou usar um pedaço do quarto pra fazer uma pintura’, e ela falou que tudo bem. E a gente morava de aluguel, então ela pensou que depois teria que pintar mesmo. Eu fiz, ela gostou e quando a gente foi sair da casa a pintura permaneceu. Depois disso eu também comecei a fazer outros tipos de arte, residencial e comercial.
Quando te chamam, como você faz para saber o que a pessoa quer?
Normalmente quando a pessoa chega pra pedir uma arte na parede, ela já chega com uma referência muito parecida com o que eu trabalho. E normalmente eu faço um orçamento baseado no tamanho da parede e no que ela me manda como referência. Então, por exemplo, um dos trabalhos que fiz pro CEASM com pintura, a pessoa foi falando um pouco do projeto (Ecoa Maré) e eu fui vendo como inserir a proposta, fui ouvindo algumas instruções tipo “ah, coloca costela de Adão”, que é uma planta, e a gente foi trabalhando junto. Então eu gosto muito quando eu conheço mais do que a pessoa pensa pro ambiente, que eu acho que vinga mais com o olhar da pessoa.
Inclusive, há pouco tempo eu consegui uma mesa digitalizadora. Antes eu fazia o desenho no papel, tirava foto e passava pro celular, no digital. Agora eu faço todo esse desenho já no digital com a mesa digitalizadora. Assim a pessoa consegue visualizar como ficaria a arte, um pouco mais realista do que no papel. Normalmente eu dou um tempo de 3 a 4 dias para criar a arte, mentalizar.
Rute e a irmã mais nova pintando a parede da sala Ecoa Maré, localizada no CEASM. Foto: Raysa Castro.
E qual foi a primeira que você fez depois da sua casa?
A amiga de uma professora minha entrou em contato comigo e pediu pra eu ver a casa dela, o espaço, o que eu achava. Era uma casa no Méier, eu estava em casa há muito tempo, e senti medo de sair assim sozinha, mas eu fui. Por ser inexperiente no meu trabalho, fiquei com receio, mas ela adorou a arte, mostrou depois a casa dela pintada e achou que ficou a cara dela, e realmente ficou, trabalhamos juntas nesse projeto. Foi uma das primeiras paredes grandes que eu trabalhei. Então eu tinha uns 16 anos quando fiz minha primeira parede como trabalho, e depois passou a ser com frequência.
No final de 2021, começo de 2022, fiz outro trabalho no Norte Shopping, uma loja chamada QEstampa e também na loja da mesma marca no Carioca Shopping, em Vicente de Carvalho. Foram 3 paredes e um tecido. Adoraram meu trabalho e fui trabalhando mais com isso, continuo mas preciso voltar mais a ativa. Não sei se foi porque eu também tive outros focos por causa do trabalho, do pré-vestibular, acabei deixando um pouco de lado. Mas em relação a esses trabalhos foi um grande passo para eu lidar com a arte de forma profissional, depois que eu fiz esses muita gente também começou a me chamar. Pintei no evento do Tardezinha, em parceria com o Revolusolar (que eu conheci através do pessoal do Museu da Maré), e pintei 3 telas de vidro, que são de painel solar. E tudo rolou durante o próprio evento… a arte foi me proporcionando uma visão muito maior do que eu achei que seria. Hoje em dia é com o que quero trabalhar, tanto que estou tentando ENEM e UERJ esse ano de novo para design e artes visuais, quero aprofundar essa questão da arte, que está dando certo.
Resultado da pintura na loja QEstampa, no início de 2022. Foto: arquivo pessoal.
Pintura de placa fotovoltaica no evento Tardezinha, há cerca de um ano. Foto: arquivo pessoal.
Tem algum outro campo da arte ou das artes plásticas em que você quer entrar? Que você olha e fala ‘hoje eu ainda não consigo fazer isso, mas um dia eu vou conseguir’?
Muita coisa. Em relação, por exemplo, a mural eu penso em expandir, porque hoje em dia eu pinto mais em relação à natureza, plantas e eu penso em pintar pessoas mesmo. Acho que meu maior desafio agora seria isso por enquanto, voltar para a arte e pintar paredes maiores. E em relação a artes visuais, o que eu penso em voltar a fazer é pintar mais telas e fazer uma exposição maior. Eu já coloquei alguns trabalhos meus aqui no CPV, no Sarau, e o pessoal adorou também.
Pode comentar seus trabalhos pela Maré?
Um deles é em uma cafeteria no Pinheiro. A dona viu meu trabalho e me chamou pra gente ver como seria, passei o orçamento e essa foi uma das minhas primeiras pinturas na Maré. Geralmente, eu prefiro fazer aqui dentro (as pinturas), não só porque é perto mas também porque eu conheço o pessoal que mora aqui. É claro que lá fora eu consigo colocar um valor maior do que eu cobraria aqui, principalmente por conta do material, deslocamento, mas aqui a gente entende que é um pessoal que está seguindo de forma independente, ou talvez é um projeto pequeno. São pessoas que eu conheço e gostam do meu trabalho, pra mim é muito importante, o dinheiro também a gente pensa muito, mas como é aqui dentro fico mais confortável de estar fazendo um trabalho pra um amigo e fazer um orçamento que fique bom tanto pra ele quanto pra mim, do que trabalhar lá fora, com um pessoal que eu não conheço, e às vezes está mais ligado na estética da coisa do que no que vai significar.
Outro foi o do Mariellas (time de futsal feminino mareense),uma das fundadoras do projeto me procurou e falou que elas estavam doidas pra achar alguém que pintasse, principalmente sendo mulher. Quando comecei a fazer foi muito mais tranquilo em relação ao orçamento, porque era um valor acessível pra elas. Foi feito, inclusive, durante o jogo delas.
Rute pintou o muro de onde treina o time feminino de futsal Mariellas. Foto: Lilia Arcanjo.
Ela também comenta sobre a vontade de ocupar outros espaços da cidade e fazer pinturas de forma independente, sem estar necessariamente “ofertando” um trabalho para alguém. Mas indica como para ela, sendo mulher, isso é intimidador.
Eu quero muito pintar em outros espaços da Maré, principalmente por não ter tantos espaços assim, ou quando tem é algo que a gente tem uma certa complexidade pra estar fazendo. Então eu acho que o melhor é ter contato com outras pessoas da arte pra poder fazer aqui dentro.
Aqui na Maré eu sempre venho ali da Escola Bahia e tem um paredão que era todo cheio de grafitti e agora foi pintado de branco, eu queria pintar lá, mas eu acho que é um lugar que é pouco visível, mas sinto muita vontade. E também o Pontilhão, pela questão cultural de lá.
Ela ainda conduziu uma oficina de ilustração com turma de 5º ano do curso Preparatório. Foto: arquivo pessoal.
Para conhecer mais do trabalho de Rute dos Santos, acesse seu Instagram: @musa_artesvibe.