DEBATENDO A SAÚDE MENTAL NEGRA E PERIFÉRICA

Cultura, Educação, Geral, Notícias, Saúde

Texto por Raysa Castro

Foto de capa: Raphaella Bastos

No último dia 09/09, aconteceu o II Seminário de Saúde Mental: Cultura, Educação Popular e Promoção da Saúde do projeto Tecendo Diálogos, na Tenda da Ciência – Fiocruz

Com foco na promoção da saúde mental da população negra e periférica, o projeto articulou o encontro com coletivos sociais, educadores e educandes de pré-vestibulares comunitários, profissionais da saúde, comunicadores populares, universitários, militantes e pesquisadores. A ideia é, coletivamente, abordar as questões de demandas urgentes no que diz respeito ao bem estar físico e mental das populações pretas e periféricas do Rio de Janeiro. Foram temas centrais do evento: apologia do cuidado; acessibilidade e mobilidade urbana; cultura como Impulsionador de Saúde; Reflexões sobre o SUS e a articulação de grupos populacionais em situação de vulnerabilidade; educação como direito. Tudo isso foi abordado com foco em estratégias coletivas, entendendo que a raíz dos problemas são estruturais e não pessoais. 

Com todas as vagas esgotadas, o seminário foi uma reativação do GT de Saúde Mental do projeto “Tecendo Diálogos e produzindo conhecimento: juventude, favela, promoção da saúde e educação superior”, que conta com 41 residentes de favelas e periferias e, majoritariamente, egressos de pré-vestibulares populares, comunitários e sociais.  

Evento teve todas as vagas preenchidas. Foto: Raphaella Bastos.
Mesa de abertura

Gabriella Pacífico, graduanda em psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e atuante na equipe psicopedagógica do pré-vestibular NICA Jacarezinho, mediou a mesa de abertura com o tema “Cultura e Educação Popular: Interseção na promoção da saúde”, onde Rubens Pinho, professor de história  na rede estadual e municipal do Rio de Janeiro e professor do Pré-Universitário da Biblioteca Engenho do Mato, contou um pouco da história de construção e resistência do pré-comunitário, suas dificuldades e feitos na vida dos jovens que ocupam o local. 

Cláudia Rose Ribeiro, segunda palestrante da mesa, falou sobre quando, na pandemia, percebeu a real necessidade do debate sobre a saúde mental favelada. Foi quando o Museu da Maré — instituição onde é coordenadora — participou ativamente na redução de danos da pandemia na favela, com a entrega de cestas básicas em parceria com a Frente de Mobilização da Maré. “Na época que nós fundamos o CEASM e o Museu da Maré, por exemplo, a gente não pensava muito sobre as questões de saúde mental nossa, que estávamos ali vivendo tanta coisa cotidianamente”, relata Cláudia Rose. Elizabeth Campos, integrante da Rede CCAP – Manguinhos, fechou a fala da mesa citando Nise da Silveira: “Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata (…) É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”.

Da esquerda para direita: Gabriella Pacífico, Elizabeth Campos, Claudia Rose e Rubens Pinho. Mesa de abertura. Foto: Rodrigo Dutra
Grupo apresenta Cartilha com pesquisa

Após, o GT de Saúde Mental e Saúde Integrada do Tecendo Diálogos apresentou a Cartografia das Narrativas, mediado por Erika Dutra e Raiene Alabaces, que também participaram da construção da cartilha. A cartilha é fruto de pesquisas no campo da saúde mental através de entrevistas semiestruturadas com perguntas abertas e fechadas, em formato online. O trabalho apresentado pode ser considerado um mapeamento detalhado das condições e situações de pessoas, grupos e territórios vulnerabilizados, com destaque para o período pandêmico. A cartilha está disponível na versão online.

Imagem de cartilha Cartografia das Narrativas.
Roda de conversa “Redução de Danos, uma apologia ao cuidado : Educar para apropriação de si

A segunda mesa, mediada por Aristênio Gomes, coordenador de educação do coletivo Movimentos e educador do Pré-Vestibular Comunitário do CEASM, foi composta por Bruna Gabriela, psicóloga e coordenadora do projeto Maré do Bem Viver; Messias Honorato, Redutor de Danos no Espaço Normal e agente territorial pelo Caps II Magal e Luis Granato, psicólogo e profissional da rede de atenção psicossocial do Rio de Janeiro. 

Começando o debate, Aristênio se apresenta dizendo: “eu também sou usuário de drogas” e explica sobre o que são drogas, abordando a estigmatização de pessoas usuárias das substâncias: “a gente pensa que usuários são só aqueles que mostram na televisão em estado de vulnerabilidade, mas nós também usamos drogas (lícitas ou não) todos os dias”, completa Aristênio. 

Bruna Gabriela apresentou a cartilha de orientações de acesso a direitos do projeto “Maré do Bem Viver: direitos, cuidado e cidadania”, lançada no início desse ano, e relatou uma de suas observações durante o projeto, que realizava o acolhimento de famílias com algum tipo de vulnerabilidade psicossocial acentuada pela pandemia. Segundo ela, uma das muitas dificuldades do povo favelado é a de se permitir sonhar. Para ela, imaginar e conseguir construir novas possibilidades, também representa um tipo de ajuda na redução de danos. “Quando nos é permitido desejar? Sonhar? Eu percebo essa dificuldade em elaborar” conta Bruna.

Cartilha “Maré do Bem Viver: direitos, cuidado e cidadania”. Foto: Raphaella Bastos.

Messias Oronato fala sobre o processo de construção do Espaço Normal, localizado na Maré e destinado a acolher pessoas em situação de rua que ficam nos arredores da Av. Brasil. Além de acolher, também realiza um diálogo sobre drogas e álcool, podendo ser considerado o primeiro espaço em favelas com essa função. “Na construção do espaço a gente perguntou às pessoas o que elas gostariam, e disseram que gostariam de um banheiro… um espaço para dormir em segurança” relata Messias, e continua dizendo que, às vezes, redução de danos é dar dignidade para uma pessoa viver plenamente a sua vida, sendo vista, assistenciada e tendo sua existência respeitada, independente das suas condições de vida.  A mesa indagou as problemáticas da criminalização das drogas, o que são, e a omissão de responsabilidade do Estado na falta de estruturação do SUS para o acolhimento de pessoas em dependência química. “Falar sobre redução de danos, não é apologia ao uso, nem o não reconhecimento de suas dificuldades e problemáticas. Mas o uso não produz só problemas”, finaliza Luis Granato.

Da esquerda para a direita: Aristênio Gomes, Bruna Gabriela, Messias Honorato e Luis Granato. Foto: Raphaella Bastos.
Roda de conversa Educação Sexual e Visões sobre o assunto

Os palestrantes da segunda roda de conversa foram Nilcéia Figueiredo, doula e mestre em saúde coletiva, Paula Giovani, professora de Ciências e membra da Liga de Educação Sexual da UERJ – LESex e Bruno Nascimento, especialista em gênero e sexualidade e professor e geografia, com mediação de Amanda Dantas, mareense, médica de família e comunidade e Educadora popular do CPV-CEASM. 

A mesa debateu o que é educação sexual, a importância do debate em escolas e universidades, formas de falar sobre o assunto e no que impacta e a quem interessa uma sociedade que não discute a temática que é uma redução de danos, acesso à saúde, prevenção de violências, conhecimento de si e um direito. “A sexualidade precisa ser pensada sobre uma outra ótica, de como eu me coloco no mundo (…) a gente não tá falando só sobre homo e afins [se referindo as pessoas LGBTQIA+], ou sobre como não engravidar. A liga hoje em dia, é chamada para apagar incêndio, não se debate antes”, relata Paula, que está atualmente como diretora de comunicação da LESex, projeto da UERJ que se disponibiliza a falar sobre sexualidade em espaços de educação. 

Da esquerda para direita: Amanda Dantas, Nilcéia Figueiredo, Bruno Nascimento e Paula Giovanini. Foto: Raphaella Bastos.

O fórum contou ainda com uma visita guiada ao Castelo Mourisco da Fiocruz e fechou suas atividades com a apresentação cultural do Coletivo Pac’stão, que se apresenta como uma multiplataforma da cultura Hip Hop e potencializadora de projetos sociais e culturais no complexo de Manguinhos.

Coletivo Pac’stão. Foto: Raphaella Bastos.

O projeto Tecendo Diálogos é coordenado por um comitê gestor composto de representantes do CEASM, Fórum de Pré Vestibulares Popular , Museu da Maré, Rede CCAP, Conselho Comunitário de Manguinhos, Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cooperação Social da Presidência da Fiocruz e Museu da Vida.

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