Debutante: 15ª Parada LGBTI+ da Maré ocupa o Espaço Lazer
Texto por Carolina Vaz
Foto de capa: Raysa Castro
O Grupo Conexão G realizou, nos últimos dias, a 15ª Parada LGBTI+ da Maré, uma parada tradicional entre as favelas cariocas. A Parada, desta vez, teve sua programação dividida em três dias de atividade, e no terceiro, o último domingo (26) foi realizada a programação festiva, com shows e outras atrações. O espaço escolhido, desta vez, foi o Espaço Lazer, no Parque União, e o trio elétrico que usualmente percorre a favela foi trocado pelo palco e decoração do ambiente.
O evento ainda contou com uma estrutura de bar para venda de bebida e comida, além de banheiro químico, e foram montadas barracas de serviços e produtos para o público. Quem realizou um desses serviços, já tradicional nas paradas LGBTI+, é o Grupo Pela Vidda, ofertando a testagem de HIV rápida, além de preservativo externo, lubrificante e material informativo sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A testagem é do tipo teste rápido e o resultado sai em 20 minutos.
Desta vez, outro serviço em oferta no evento foi o auxílio à retificação de nome e gênero para pessoas trans, ou seja, um primeiro passo para atualizar o nome. Maria Eduarda Aguiar, profissional ligada ao grupo Pela Vidda responsável pela ação, contou que na ação a pessoa interessada em retificar o nome deve preencher um formulário e apresentar documentos como RG, certidão de nascimento e comprovante de residência. Assim, o grupo pode cadastrar o pedido no Tribunal de Justiça e a retificação será executada pelo juiz de direito do TJ que emite as sentenças. O tempo usual entre o pedido e a emissão dos novos documentos é de três a quatro semanas.
Três dias de comemoração
Uma das pessoas na organização do evento, entre muitas do Conexão G, era o Yuri Cantizano, de 32 anos. Ele é assistente de coordenação do projeto Observatório de Violências LGBTI em Favelas. Segundo ele, o grupo considera fundamental todo ano realizar o evento para demarcar a existência dos corpos diversos na favela: “Ser LGBT favelado é diferente de ser LGBT da pista e é mais diferente ainda quando a gente fala de uma favela na zona norte do Rio, comparado a uma favela na zona sul. Ser da Maré é diferente de ser do Vidigal. Então é muito importante a gente trazer a população LGBT favelada de outras favelas para esse território”.
Ele também contou que o fato de ser o 15º ano da Parada levou o Grupo a querer fazer algo especial, um evento maior e mostrando que eles não somente festejam; o Conexão G estuda, produz pesquisa, realiza ações e produções para melhorar a qualidade de vida da população LGBTI+ favelada. “É para desmistificar também que a população LGBT só serve para o entretenimento. Não, a gente é cientista, a gente é advogado, a gente é psicólogo, a gente é um monte de coisa”, contou. Assim, a sexta-feira (24) foi o dia de formação, com uma mesa de debates sobre a luta das mulheres trans no território da Maré e lançamento de publicações sobre empregabilidade e sobre segurança para mulheres trans e travestis profissionais do sexo. No sábado (25) houve a ocupação das ruas da Nova Holanda com elenco da Noite das Estrelas.
Sobre a escolha pelo Espaço Lazer, Yuri comentou que a Parada com trio elétrico nas ruas, da favela especificamente, enfrenta vários obstáculos como os fios nos postes e estrutura de iluminação e saneamento. Assim, para ofertar um espaço mais seguro e confortável ao público, foi escolhido o pátio do Espaço Lazer. Este é um espaço, também, marcado pela remoção de moradores das proximidades há cerca de 5 meses, fato também comentado por ele: “A gente também traz o Estado para cá para dizer: a gente está feliz, está comemorando aqui, mas aqui atrás tem isso que vocês fizeram”.
Um ponto de destaque do evento foi a cenografia: logo na entrada do Espaço Lazer estavam em exibição figurinos chamativos, de gala, e em todo o pátio grandes tecidos e esculturas remetiam às cores da bandeira LGBTI+. O responsável por tudo isso foi Almir França, estilista e pedagogo do território. Sobre as roupas, ele contou que foi uma exposição encomendada pela produção do Rock In Rio em 2024 ao Conexão G, que o colocou à frente da curadoria artística. “A gente resolveu também, a partir dessas roupas, falar de alguns personagens que fizeram o marco histórico do movimento”, contou. Assim, em cada roupa há algum elemento que foi importante para o movimento LGBT de favelas, a exemplo do vestido feito com longos tecidos coloridos, que pertenceu a Lola Montese, drag dona de um cabaré na Lapa nos anos 1970 e 1980, que abria seu cabaré para shows de travestis.
Todo esse acervo pertence à Escola de Divines, uma escola de moda sustentável para a população LGTI+, que também foi atração no evento. Um desfile, com grande parte de modelos trans, exibiu roupas confeccionadas com camisas de trabalhadores do setor elétrico que seriam descartadas.
Poder público presente
Uma presença muito celebrada no evento foi a de Diana Conrado, primeira mulher transexual gestora da prefeitura do Rio de Janeiro. Ela ocupa, desde metade de janeiro, o cargo de coordenadora na Coordenadoria da Diversidade Sexual (CEDS), órgão da Secretaria Municipal da Casa Civil. Em entrevista, ela comentou a importância da parada LGBTI+ na Maré como um momento para dar visibilidade a essa população, em suas demandas específicas, mas também para a população de favela em geral.
“Eu acredito que especialmente essa parada da Maré tem uma importância de ter um olhar amplificado para as demandas da população de favela, e a população LGBT de favela, que por tanto tempo tem sido invisibilizada e pouco vista no sentido macro do território” – Diana Conrado, gestora na CEDS
Sobre seu início de gestão na Prefeitura do Rio, ela demonstrou a intenção de utilizar dados coletados por organizações de favela para a execução de políticas públicas, uma vontade ligada inclusive à sua formação acadêmica: Diana é advogada, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Eu acredito profundamente que a política pública é feita a partir de dados. Então, o recolhimento de dados e esse trabalho que especialmente o Conexão G tem feito nesse tratamento de dados é super importante para que a gente possa pensar a política pública para a população LGBT”, afirmou.
Empreendedores locais
Um ponto positivo da realização do evento parado foi a disponibilização de produtos para venda, sendo várias das barracas de empreendedores locais. Foi o caso da barraca dividida por Elma Ashar, confeiteira que levou bolo de pote, e a cozinheira Fernanda Telles. Com a torta de sardinha coberta de geleia de amora, disponível no evento, a Fernanda foi a primeira travesti a ganhar o concurso Comida de Favela 2024. Havia ainda as pochetes e bolsas de diversos tipos da marca Made In Maré, do casal Rafa Feitosa e Ericson Luis. A massagista Joana Dark estava oferecendo massagens rápidas relaxantes, e na barraca Glós Solar, de Pamela Marins, era possível comprar óculos de diversos modelos.
Protagonismo trans no palco
O início das atrações no palco foi marcado pela apresentação de drag queens, com as drags Kastelany, Negrine Venture e Desiree Cher. Logo após, aconteceu a Transconexão Ball: apresentações e competições na arte do Ballroom, protagonizadas por pessoas trans. As categorias de competição homenageavam mulheres trans do território, como Pantera, Dominique di Calafrio e Monique Rayson.
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Observação: atualmente na Maré existem duas paradas LGBT que acontecem anualmente, organizadas pro grupos diferentes. O Jornal O Cidadão opta por manter os nomes das paradas para correta divulgação.