Diretor do Ministério da Igualdade Racial vai à Maré e apresenta propostas contra a letalidade policial
Por Carolina Vaz
Foto em destaque: Ana Cristina da Silva
A Maré recebeu a visita, no dia 09 de maio, do Diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Yuri Silva. Ele se reuniu no Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, na Nova Holanda, com 19 outros mobilizadores sociais, estudantes e membros de coletivos e instituições da Maré.
A reunião teve como objetivo debater com o representante do governo modos de preservar a população da Maré das constantes operações policiais que acontecem na favela e promovem violações de direitos humanos e mortes, e pensar estratégias para que, além da segurança, a juventude negra mantenha-se viva e acessando seus direitos. Yuri Silva se mostrou determinado a agir contra os impactos das operações que vitimizam a Maré quase semanalmente, e destacou o caso do dia 14 de abril, em que a deputada estadual Renata Souza ficou confinada sob tiros na Casa das Mulheres da Maré, junto a outras 70 mulheres: “A situação expõe a contradição que é o Estado sitiando a sociedade civil e a representante do próprio Estado no território”.
Ações do ministério contra a violência policial
Segundo o diretor, o Ministério da Igualdade Racial tem atuado junto com os ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), além da Casa Civil, para colocar em práticas duas ações. A primeira delas é a criação de uma determinação nacional pelo uso de câmeras no fardamento de policiais militares, para que se possa fazer uma auditoria de suas ações. A segunda é um estudo de como implementar perícias independentes para casos de graves violações de direitos humanos, como acontecem nas periferias e favelas em operações de segurança pública. Ele ressaltou ainda que o MIR vem constantemente notificando o estado do Rio de Janeiro pelas operações, tendo como alvos tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Militar.
“A gente sabe que essa é uma realidade dos territórios periféricos e favelados, que além da dor da perda há toda a violação das casas. As famílias das periferias só querem ter direito à investigação, a uma perícia que possa mostrar que aquela pessoa foi vitimada numa operação geralmente irregular ou com uso excessivo de força”.
Yuri Silva, diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo
Plano Juventude Negra Viva
O ponto central da fala de Yuri foi apresentar o planejamento do Plano Juventude Negra Viva, um plano a ser formado coletivamente para reduzir as diversas causas de morte da juventude negra, reconhecendo ser esta parcela da sociedade alvo do racismo e da ausência de direitos em âmbitos diversos. “É um reconhecimento do Governo Lula de que nós precisamos de políticas específicas destinadas para a juventude negra”, explicou.
Segundo Yuri, o plano terá duas dimensões. Uma será governamental, compondo um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) dentro do governo, reunindo 16 ministérios para pensar esse conjunto de políticas públicas. Assim, não será abordado apenas o ponto da violência, mas também saúde, educação, trabalho e muitos outros. A segunda dimensão do plano é participativa: o ministério vai fazer a Caravana Juventude Negra Viva, conversando com representantes da sociedade civil nos 26 estados do país e no Distrito Federal, com o objetivo específico de pensar as estratégias para diminuir a violência letal contra os jovens negros do país. No Rio de Janeiro, especificamente, a ideia é realizar eventos do dia 19 ao dia 21 de junho, fazendo uma audiência pública com a presença do ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, um encontro da ministra Anielle Franco com mães de jovens vítimas da violência, e ainda um sarau.
Fizeram-se presentes na conversa com Yuri Silva representantes do Instituto Vida Real; Instituto Maria e João Aleixo; Redes da Maré; Observatório de Favelas; Resistência Lésbica da Maré; Gato de Bonsucesso; coletivo de mães da Maré; CEASM; e da escola João Borges. Militantes como Kamila Camilo e Camila Moradia também participaram. Em suas falas, os mobilizadores destacaram para o representante do ministério pontos como a aliciação de jovens para o tráfico; a altíssima letalidade policial do estado do Rio; a alta demanda de vagas para Ensino Fundamental II e Ensino Médio na Maré; a evasão escolar de mulheres lésbicas e bissexuais; a burocracia do acesso a recursos para coletivos de favela; e a falta de atenção às demandas mais emergenciais da educação, em contraponto ao Novo Ensino Médio. O aluno Silas Nascimento de Moraes, do colégio João Borges, de 17 anos, deu seu testemunho sobre a dificuldade da motivação de se manter na escola, perante tantos outros problemas como falta de professores, além da impossibilidade nos dias de operação: “A operação atrapalha muito… a gente está estudando e acaba com o nosso dia de estudar e a gente não consegue recuperar”.
Ao final do encontro, Yuri Silva reforçou que a população negra periférica e favelada é a que está relegada a viver sem seus direitos no Brasil: sem saúde, nem educação, nem saneamento básico e nem sequer a dignidade de poder sair de casa para trabalhar. Ele também percebeu a necessidade de levar essas outras demandas do território para outros ministérios do governo federal, e pensar arranjos possíveis para a emancipação da juventude negra com educação, trabalho e formação. Segundo ele, os principais pontos para levar para Brasília agora são a redistribuição de vagas nas escolas da Maré, a criação de uma secretaria de segurança pública do estado do Rio, e priorizar os territórios nas leis de incentivo à cultura como Aldir Blanc e Paulo Gustavo.
Revisão da política de drogas
Em entrevista exclusiva ao Jornal O Cidadão, Yuri Silva falou sobre como o governo vem pensando a política de drogas, uma vez que a criminalização é o motor da maioria das operações policiais. Segundo ele, os ministérios vêm pensando a criação de uma nova política de drogas no Estado brasileiro, mas para isso é preciso haver manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. Já existe um processo sobre o tema em pedido de vista pelo STF. Mas para além da viabilidade, ele reforçou a necessidade de se repensar a criminalização: “É fato que uma das poucas alternativas que a gente tem para o que a gente vive hoje na política de segurança pública no Brasil é a descriminalização”. Assim, são pensados mecanismos tanto para que o usuário não seja criminalizado quanto mecanismos de reparação às famílias que foram alvo de graves violações de direitos humanos por causa do período de proibição e criminalização.
“A gente precisa discutir o formato, a reparação das famílias alvos de violência e anistia”