
Exposição Memória Climática das Favelas ganha relançamento no Museu da Maré
Texto e foto de capa por Christóvão Carvalho
Entrevistas e apoio: Carolina Vaz
O lançamento da nova versão da exposição Memória Climática das Favelas está entre nós. No dia 3 de maio, o Museu da Maré realizou uma cerimônia que reuniu visitantes de toda a cidade.
Iniciativa da Rede Favela Sustentável (RFS), a exposição nasceu a partir de dez rodas de conversa, realizadas em dez favelas do estado do Rio entre 2023 e 2024. A primeira justamente no Museu. Agora, com novos banners e painéis, representantes das favelas retornam ao local onde tudo começou. Um fato muito simbólico para o projeto. A exposição ficará aberta a visitação no Museu da Maré, podendo ser vista de terça-feira a sábado, até 30 de julho.
Reunindo favelas diferentes com problemas semelhantes
Em um contexto maior, a RFS é uma rede que luta por justiça climática através da união das favelas como modelos de comunidades sustentáveis. E foi online, através de reuniões realizadas pela organização, que os primeiros passos foram dados em relação a este novo projeto.
A Rede Favela Sustentável é um dos projetos das Comunidades Catalisadoras (ComCat). Theresa Williamson, diretora executiva da Comcat, abrindo o evento, explicou como se chegou no modelo de rodas de conversa para unir as favelas. “A gente chegou no natural, né? Que é a tecnologia social de pesquisa, que já existe na Academia… que se chama roda de conversa. É você registrar e sistematizar tudo o que acontece naquela roda de conversa”, conclui.

Assim, as organizações envolvidas promoveram cada uma a sua roda de conversa e começaram os primeiros encontros. Os debates, inicialmente, serviriam para identificar soluções adotadas em alguma favela e aplicar ações parecidas nas outras, mas o momento era uma grande troca de conhecimento, acima de tudo.
Para melhor condução das rodas, o grupo tentava responder perguntas pré-definidas, relacionadas aos impactos do clima na comunidade e os impactos sentidos pela população. Porém, no decorrer dos encontros, os participantes perceberam algo totalmente diferente: os problemas identificados eram compartilhados, mesmo em diferentes partes da cidade. Aí se viu a necessidade de observar a memória climática.
Agora, dois anos após a primeira roda, no evento no Museu os integrantes contaram como a roda se transformou com essa descoberta. Leonardo Ribeiro, representante do Núcleo de Orientações e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH), do bairro de Antares, por exemplo, mencionou as remoções de famílias mais pobres da região central da cidade para áreas periféricas: “Essa rede trouxe essa ligação tanto com a Maré, tanto com o Vidigal, que várias pessoas foram removidas do Vidigal, lá para o Antares, e tantas outras comunidades. E isso trouxe forte na memóri (…) A gente foi percebendo que a luta de Antares com relação à memória climática era tão igual a todas as outras favelas no Rio de Janeiro”.

Nasce uma exposição na Vila Autódromo
A exposição agora presente no Museu não está em sua primeira versão. Lá em 2023, após as primeiras cinco rodas de conversa, houve o lançamento da exposição Memória Climática das Favelas, em 17 de junho de 2023, no Museu das Remoções, na favela Vila Autódromo.
Este evento contou com a presença de representantes dos locais onde aconteceram as rodas: Museu da Maré; Núcleo de Memórias do Vidigal; Museu de Favela (Pavão-Pavãozinho e Cantagalo); Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH), de Antares, em Santa Cruz; e Museu Sankofa, da Rocinha.
Curiosamente, o relato de Leonardo sobre a semelhança dos problemas nas favelas é ratificado com a história da comunidade da Vila Autódromo, que foi quase que totalmente removida em 2016. Maria da Penha Macena foi uma das moradoras que resistiram a esse episódio. Ela é, até hoje, figura ativa nos encontros e esteve no lançamento das duas exposições.

Novas rodas, novas memórias
Ainda em 2023, as rodas continuaram. Elas chegaram em outros espaços: Alfazendo (Cidade de Deus); Centro de Integração da Serra da Misericórdia (Complexo da Penha); Museu do Horto (Jardim Botânico); Coletivo Fala Akari (Acari); e Conexões Periféricas (Rio das Pedras).
Agora com o dobro de lugares, as memórias compartilhadas ganharam ainda mais corpo. Em números compartilhados pela própria Rede de Favela Sustentável, ao longo das dez rodas, houve uma base de 1145 depoimentos realizados. Todos eles foram condensados para caber na segunda versão da exposição Memória Climática das Favelas. Dessa vez, retornando ao palco da primeira roda de conversa, lá de janeiro de 2023: o Museu da Maré.

O grande dia
Como dito anteriormente, o evento foi realizado no dia 3 de maio. A agenda do dia esteve repleta de atividades. Começou bem cedinho, logo às 8h30, quando as pessoas que chegavam puderam desfrutar gratuitamente do café da manhã. Na área externa, os 13 banners que explicam a exposição e as rodas de conversa foram expostos como forma de apresentar previamente o teor do evento.
Era esperada a presença de pessoas de todas as partes da cidade, e a expectativa se concretizou. Entre os presentes, um casal de jovens estudantes esteve no Museu pela primeira vez. Jeferson Galdino e Daniela da Cruz têm 17 anos, e vieram do bairro de Acari. Eles contaram como souberam da exposição: “A gente faz um pré-vestibular no Mães do Acari, aí a Letícia que é uma das responsáveis mandou no grupo, chamou a gente pra vir e a gente veio”, respondeu Daniela.

Também destacava-se no pátio do Museu a presença do projeto Ecoa Maré, que gerou entretenimento com uma ação muito criativa e divertida. As crianças presentes puderam participar de brincadeiras e conhecer brinquedos feitos a partir de material reciclado. A interação tinha como objetivo mostrar como confeccioná-los, ensinando que o “lixo” também pode virar um brinquedo. Mayara Rocha, educadora do projeto, contou: “A gente trouxe pra cá uma ação com a nossa brinquedoteca de materiais reutilizáveis, e também trouxe o nosso jogo colaborativo”. Os pais também puderam interagir e aprender como funcionava cada brinquedo ou brincadeira.

O começo do evento e as palavras dos anfitriões das rodas
A cerimônia teve início. E com a palavra inicial, Cláudia Rose, coordenadora do Museu da Maré, provocou uma reflexão sobre o impacto do trabalho em comunidades: “Tudo seria muito pior se não fosse a nossa resistência cotidiana. Então é, de fato, importante o que a gente está fazendo. Não é simplesmente algo que não tem efeito nenhum. Pelo contrário, já teve efeito. Trazer as memórias de como as pessoas, nas suas comunidades, conseguiram desenvolver essa sensibilidade para a preservação ambiental, isso é de extrema importância”.

Em seguida, alguns dos representantes de museus, núcleos de memória e aliados técnicos da rede se apresentaram e falaram da importância da pauta climática levantada na exposição. Entre outros pontos mencionados, alguns temas foram constantes, como o direito à moradia, a união entre favelas, abandono público do governo e a diversidade etária nas rodas:
“Por mais diferente que a gente seja, a gente tem um ponto que é igual, que é o desejo de estar junto, é o desejo de conversar um com o outro, de falar um com o outro e de propor soluções, que não são soluções caras, que não são soluções da IA, mas que são soluções que cada um de nós pode oferecer para cada um desses lugares que são tão diferentes”.
– Rose Firmino, cofundadora do Museu Sankofa Memória e História da Rocinha
“A gente, mesmo estando abandonado pelos governos públicos, quem devia estar cuidando da gente, a gente entendeu que a gente, se juntando, a gente consegue se ajudar, a gente consegue encontrar soluções”.
– Marcia Souza, sócia-fundadora do Museu de Favela, do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo
“A gente precisa trabalhar a identidade da juventude. Porque sem identidade, não há luta! Sem identidade, não há desenvolvimento local! Porque o desenvolvimento local não vem de fora para dentro, e sim, de dentro para fora”.
– Iara Oliveira, coordenadora do Alfazendo, da Cidade de Deus
“Nós é que construímos essa cidade, através da nossa memória e do nosso trabalho, que esses governantes que excluíram essas famílias da cidade, não esperavam que nós fôssemos nos reorganizar dessa forma, que nós fôssemos nos fortalecer através das nossas histórias e de nossas memórias que nós jamais vamos deixar apagar. E com essas histórias e com essas memórias, se nós continuarmos com a coragem que nós temos, nós vamos reconstruir esse sistema ingrato”.
– Emília Maria de Souza, cofundadora do Museu do Horto, do Jardim Botânico
Além dos já citados, houve também a presença de: Marli Damascena, do Museu da Maré; Bruno Almeida, do Núcleo de Orientações e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH), de Antares; Bárbara Nascimento, do Núcleo de Memórias do Vidigal; Julia Soares, pesquisadora do Centro de Integração da Serra da Misericórdia (Complexo da Penha); Letícia Pinheiro, do Coletivo Fala Akari (Acari); Maria da Penha Macena, a Dona Penha, do Museu da Remoções (Vila Autódromo); Douglas Heliodoro, do Coletivo Conexões Periféricas, de Rio das Pedras; Antônio Carlos Firmino, fundador do Museu Sankofa Memória e História da Rocinha; e Lidiane Santos, coordenadora do projeto Eco Rede, do Alfazendo, da Cidade de Deus

Conhecendo a nova exposição
Após a pausa para o almoço, disponibilizado gratuitamente a todos os presentes, a exposição ficou livre para visitação. Em complemento, um mini documentário foi exibido em horários marcados durante o dia. Além dos 13 banners que explicam a exposição e as rodas de conversa, a mostra também reúne novos dados, vídeos e elementos significativos que relatam a história de luta e resistência das favelas do Rio.

Além disso, há 60 paineis segurados por varais de bambu chamados de Linha do Tempo. Um fato surpreendente é que antes, os paineis datavam a partir de 1946. Porém, com a nova exposição, esse elemento ganhou novos capítulos. Isso porque durante as reuniões da Rede Favela Sustentável percebeu-se que a origem dos problemas nas favelas era anterior aos registros que começavam naquele painel. Agora, a nova exposição passa a contar momentos desde o século XVI, passando por todos os séculos subsequentes antes de chegar ao antigo primeiro painel, que é hoje o oitavo.
Outros elementos da exposição ficam por conta da Rede de pesca do Museu da Maré, posicionada para as pessoas colocarem seus depoimentos sobre a visitação; o Poço de Memórias, produzido artesanalmente pela Evânia de Paula, do Núcleo de Memórias do Vidigal, onde temos acesso a 265 fotografias históricas das comunidades contempladas no projeto; e o Mapa interativo, com linhas coloridas demarcando 10 áreas de planejamento do Rio, estimulando o público a deixar recados e memórias em post-its. Este foi produzido artesanalmente pela Marli Damascena, do Museu da Maré.

Entre os presentes na exposição, Alexandre Pessoa Dias, de 55 anos, é professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Ele acredita que as favelas do Rio de Janeiro não são somente lugares vulneráveis, mas de potencialidade. E entende que a exposição expõe defasagens das áreas hídricas: “É sempre bom afirmar a indissociabilidade da luta pela terra, luta pela habitação e a luta pela água. Então a maior característica das mudanças climáticas no Brasil se dá pela insegurança hídrica, pelo excesso e pela falta da água. Então, a água na exposição é tema gerador, ela interliga os processos”.
O professor também acredita que a exposição nos provoca a refletir quanto sociedade: “Quando a gente passa pelas exposições, pela linha do tempo, pela beleza do poço de memória, nos vem uma pergunta: poderia ser diferente discutir mudanças climáticas? Eu acho que esse é o caminho”.

O evento da Rede Favela Sustentável durou o dia todo. Além de conferir a exposição com calma, o público presente pôde assistir a três apresentações artísticas programadas para o dia.
Uma delas foi uma cena, preparada por alunos do Entre Lugares Maré. Com o nome “Os contos de luz e Maré”, teve 4 artistas no elenco e contou com a direção de Flávio Vidaurre. O arte-educador do Museu da Maré Matheus Frazão levou sua performance, com o nome CLIMÃO, e também fez parte da apresentação O Casamento na Palafita, já tradicional na contação de histórias do Museu.

Visite a exposição!

Você também está convidado a viver essas memórias em exposição no Museu da Maré por toda a temporada. A exposição Memória Climática das Favelas estará disponível até o dia 30 de julho, com entrada gratuita, no endereço Av. Guilherme Maxwell, 26, Maré. Acompanhe a programação do Museu pelo Instagram e, para agendar visitação, faça contato por e-mail: c[email protected]
Não perca!