Favela em cena com a peça: “Eles não usam tênis naique”

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Foto: Divulgação
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Por Luana de Moraes

Sábado, 19 de novembro. Dia que antecede a data comemorativa da consciência negra. Dia também de assistir à peça “Eles não usam tênis naique”, no teatro Gláucio Gil, em Copacabana. O que isso significa? Dois eventos e o mesmo foco: o negro e a favela. O mais assustador? Que no exato momento em que as mazelas estavam sendo retratadas no palco, e que estava próximo do dia de celebrar a negritude, a guerra contra os negros e favelados se instaurou mais uma vez nos palcos da vida: a coisa estava tensa na Nova Holanda e na Cidade de Deus.

Na zonal sul, o espetáculo, com texto de Marcia Zanelatto e direção de Isabel Penoni tinha como ponto central o reencontro entre o pai, que fora traficante nos anos 80, com a filha, que agora comanda o tráfico de drogas. Eram quatro atores em cena, que se revezavam o tempo todo, entre os personagens de Roseli e Santinho. A cada momento, um assumia a posição do outro: o pai virava a filha, a filha virava o pai. No decorrer da narrativa, o conflito de querer ficar ou sair da favela, as dores, os afetos e desafetos se intensificavam. Tudo isso trouxe à tona a dimensão afetiva e a complexidade de temas como o tráfico de drogas, violência, classe social, racismo e maioridade penal

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Na zona norte e oeste, as mesmas histórias retratadas na peça ganhavam, mais uma vez, a densidade da vida real. No mesmo sábado em que o espetáculo promovia reflexões profundas, acontecia o confronto na Maré (muitos mareenses não puderam comparecer à peça por conta da guerra), caos na Aveninda Brasil, sete negros mortos na Cidade de Deus. Como prosseguir com tudo isso? Como lidar com esses conflitos internos e externos em que os favelados estão imersos? Foi um dos questionamentos da peça e também de Carlos Gonçalves, professor que levou seus alunos da Maré até a zona sul para assistir “Eles não usam tênis naique”.

Carlos, no canto esquerdo, e os alunos da Maré no teatro Gláucio Gil. Foto: Carlos Gonçalves
Carlos, no canto esquerdo, e os alunos da Maré no teatro Gláucio Gil. Foto: Carlos Gonçalves

“O que eu quero? Eu queria ter um pai, ter uma infância, não ver meu marido e filho mortos. Eu queria uma casa, eu queria sair, eu queria ficar, eu queria ser branco, eu queria ser preto, eu queria ser preto respeitado, eu queria ser viado respeitado, eu queria ser mulher respeitada, enfim. Um turbilhão de coisas que a gente sofre, e que se aflora agora e que a solução que sai no mundo inteiro é o fascismo. O que é o Trump, o Temer no poder? (…) E aí que nesse momento de fascismo que se aflora, de várias ideologias perversas, um debate como esse é fundamental, né? Trazer uma galera da Maré para cá, e eles falarem que foi maneiro, problematizar a realidade deles a partir de outros ângulos, que a mídia não deixa e que o Pezão não deixa a gente fazer isso na escola, é muito importante. A gente luta contra três gigantes: o medo, a injustiça e a ignorância. Como vamos vencer esses três Golias? É a bola que a gente faz rolar como esquerda”, afirma Carlos.

Diante de toda a guerra que se alastrou não só pela Maré e Cidade de Deus  como também no Complexo do Alemão, Morro do Barão, e tantas outras favelas do Rio de Janeiro, a peça, ganhou mais uma vez o sentido de existir. Assisti-la é fundamental, ainda mais agora, no momento de intensificação brutal da violência do estado brasileiro contra a população negra e favelada. Tentar entender o que está acontecendo, através da perspectiva de quem vive essa realidade, é no mínimo, a mais honesta. “Eles não usam tênis naique” é uma ótima oportunidade para isso, já que ela é feita por um grupo de atores da Maré, a Cia Marginal. Além disso, o espetáculo emociona e dilacera, é impossível sair do teatro do mesmo jeito que entrou. A peça está em cartaz todo sábado, domingo e segunda até 5 de dezembro, no teatro Gláucio Gil, Copacabana. Os ingressos custam R$30/ R$15 e R$20 com nome na lista (só colocar o nome no evento da peça no Facebook)

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