Festival de Cenas Curtas tem sua 11ª edição
Texto e foto de capa por Raysa Castro
Você sabia que existe o “Oscar mareense”? Chamado assim pelos mais íntimos, o Festival de Cenas Curtas do projeto Entre Lugares Maré teve sua 11ª edição em 28 de setembro, lotando o galpão do Museu da Maré!
O Festival acontece anualmente e é construído a partir dos próprios alunos com o apoio do corpo técnico do coletivo. No decorrer do ano, eles realizam diversas oficinas – também abertas ao público – de confecção de figurinos, iluminação teatral, dança, dentre outras, e usam das ferramentas aprendidas para a construção de suas cenas. A ideia é trabalhar a formação completa desses adolescentes, jovens e adultos que tanto se dedicam ao teatro. Possibilitar uma vivência não apenas da atuação, mas de tudo o que constrói uma cena.
Neste ano foram 12 cenas curtas competidoras nas mais variadas categorias do festival, e mais 2 cenas convidadas. As cenas são apresentadas e concorrem nas seguintes categorias: melhor cena (primeiro, segundo e terceiro lugar), melhor maquiagem, melhor figurino, melhor cenário, melhor ator, melhor atriz, melhor direção, melhor trilha sonora e, também, ator e atriz revelação. Quem decide qual cena ou artista vence cada categoria é um grupo de jurados convidados que precisam assistir e avaliar detalhadamente cada apresentação. Esse ano, uma das novas juradas foi a Mila Moura, atriz e ex-aluna do projeto formada pela Escola de Teatro Martins Pena.
CENAS
Abrindo os caminhos das apresentações, a turma do Maré Em CriAção apresentou a cena “Tudo fica melhor com amigos”, uma narrativa sobre o teatro e as dificuldades de mobilidade com texto autoral de Antônia Maria, uma das alunas. A turma é um projeto do Entre Lugares para adolescentes e jovens neurodivergentes e PCDs, e além dos alunos participaram da cena a equipe técnica como os estudantes de fisioterapia e coordenadores. Antônia contou que a cena representada é sobre um fato real vivido pelo grupo, passando por obstáculos para assistir a uma peça em Copacabana, mas que acabaram sendo divertidos. Ela comentou o sentimento de ter escrito a cena e vê-la realizada: “Foi maravilhoso… gestar uma cena, fazer todo esse processo desde a elaboração da construção do texto, foi uma satisfação pra mim. Foi um privilégio enorme pra mim, eu amei”. Contou, ainda, que alguns movimentos como a dança com cadeira de rodas só foram possíveis pelas aulas que o curso vem ofertando desde maio.
A cena vencedora na categoria Melhor Cena por júri popular (voto do público) foi “O Santo e a Porca”, apresentada por Raquel Marreiro que fez dois personagens ao mesmo tempo, sendo a personagem Carmen e Eduardo; Thayná Rodrigues como Margarida; Weylla Moraes como Ericana. A cena foi aplaudida de pé pelo público e apreciada com muitas risadas pelas confusões de amor ocasionadas na história.
A atriz Raquel Marreiro participou pela segunda vez do festival e comenta sobre, agora, se sentir mais experiente: “De primeira a gente só vai sem experiência, sem nada! Mas dessa segunda vez foi tudo! Trabalhei em duas cenas, trabalhei dois meses sem ter tempo nem de respirar, mas valeu muito a pena”. E, graças a esse esforço, a atriz venceu também na categoria de Melhor Atriz. “Foi a melhor sensação do mundo! Melhor sensação! Porque aí você sente que foi o trabalho cumprido, sabe? Ver que todo aquele esforço, toda aquela luta, valeu a pena”, comentou a atriz. Além disso, ela conta que se encontrou no teatro e não pretende sair: “Teatro é vício! O Teatro é uma droga que mexe com o coração. Depois que você entra você não sai do teatro, e o teatro não sai de mim!”
Na sexta apresentação da noite, a cena “Liberté” impactou o público com a atuação e um assunto importantíssimo de ser falado: a vida dos negros após a abolição da escravatura. O texto clássico já foi interpretado em edições anteriores do Festival, mas esse ano contou com a atuação de Paula Mendonça como Chinga e Bile Zampaolo como o funcionário. Liberté levou o prêmio de “Melhor Cena” pelos jurados. O jurado Gabriel Mendes participou pela primeira vez do festival e comentou: “Existe um teatro nascendo e renascendo no Rio de Janeiro e um dos berços desse teatro é, com certeza, a Maré. O trabalho que o Entre Lugares tem feito aqui ao longo desses mais de dez anos é extremamente poderoso e é extremamente fundamental para a renovação da cena teatral carioca, trazendo essa galera desse território para o palco e dando protagonismo a eles”.
Além do prêmio de Melhor Cena pelos jurados, o aluno/ator Bile Zampaolo, que participou pela primeira vez do festival, também venceu como Melhor ator revelação!
A cena “Grade de Teia” de texto autoral, foi escrita por Jade Cardozo, inspirada em Alethea Dreams, de Rafael Souza Ribeiro. Ela conta: “fazendo algumas pesquisas de campo, eu tava pesquisando muito sobre a Operação Tarântula, que aconteceu em 77. E eu queria encaixar isso de alguma forma em algum texto, só que acabou criando esse novo texto, né, com base também num conformismo que a sociedade vem tendo ultimamente de aceitar tudo que o sistema dá pra ela, sabe? E veio assim, além do texto do Rafael Souza Ribeiro, casou muito com a proposta também do que eu queria falar”. Na cena as fronteiras entre o real e o imaginário se entrelaçam e “explora o conflito entre identidade e conformidade em uma sociedade opressora”. A autora Jade compôs a cena como Valkiria, a atriz Juliana Costa como Lúcia e o ator Victorio como Cabo Teixeira.
E mais uma vez, o Festival de Cenas Curtas fez um grande sucesso, mantendo o público concentrado e aflito pelos resultados, até às 04:00 da manhã! Para além do grande dia de apresentação, o festival é construído meses antes, onde os alunos, professores e equipe técnica precisam de horas de ensaios, oficinas formativas, e ao mesmo tempo, não se deixarem abater pelos problemas cotidianos que tornam tudo mais difícil. Sendo, até mesmo um desses problemas as operações policiais na Maré, que fizeram com que o Entre Lugares adiasse o evento.
A aluna Anna Sol fala sobre como, apesar das dificuldades, o projeto segue cumprindo com sua missão de estar junto com esses jovens e adolescentes na luta e amor pelo teatro: “Acredito que o diferencial daqui para os outros lugares seja realmente um acolhimento. A gente faz muito com muito pouco, então com pouco recurso, mas com muito carinho, com muito cuidado, muito afeto, muito diálogo… Então me senti muito acolhida, me senti muito bem! Pretendo voltar aqui mais vezes, pretendo estar nos outros festivais dos outros anos, então esse rostinho gravem, que eu vou permanecer!”.
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