Hoje Não Saio Daqui: espetáculo da Cia Marginal movimenta a Mata

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Texto e fotos: Carolina Vaz

O elenco tem, a cada apresentação, um número diferente de participantes. O figurino mistura roupas do dia a dia, look academia, estampas de inspiração africana e até roupa de banho. A música é, em alguns momentos, ao vivo, e em outros gravada, com altos falantes embutidos em lixeiras móveis estilizadas. O cenário é o Parque Ecológico da Maré, também chamado somente como Mata. E a paisagem é a nossa.

Assim é a peça teatral “Hoje não saio daqui”, da Cia Marginal, que iniciou sua segunda temporada no dia 24 de janeiro. O espetáculo, que levanta temas como racismo, homofobia, ignorância, cultura e ancestralidade, teve sua primeira temporada entre os dias 07 e 22 de dezembro, financiado pelo edital Rumos Itaú Cultural, e agora o grupo encena, “na raça”, sem verba, a segunda temporada. As últimas apresentações acontecem nos dias 02, 07, 08 e 09 de fevereiro, às 16h, na Mata. Saiba mais na entrevista com o ator Nizaj:

O Cidadão: Quantas pessoas participam da peça?

Nizaj: São 12 atores, sendo 5 angolanos.

O Cidadão: E as crianças?

Nizaj: As crianças não foram chamadas para a peça. Elas acompanharam todo o nosso ensaio, porque a gente vinha ensaiando de agosto (de 2019) até dezembro, de segunda a sexta, e as crianças sempre brincam aqui. Elas são as “donas” daqui, elas pegaram as nossas falas, e agora elas fazem parte.

O Cidadão: Do que se trata a peça?

Nizaj: Essa peça trata da interação dos angolanos que vieram para a Maré com os mareenses, que são os brasileiros que vivem na Maré. E essa peça é construída para quebrar tabu, para dar um puxão na orelha, na questão de como os angolanos da Maré vivem com os brasileiros da favela, como é o dia a dia deles, essa interação. A peça é feita também para mostrar que aqui na favela é totalmente diferente do que dizem nas mídias lá fora. A gente consegue trazer pessoas de fora, talvez pessoas que nem pisariam aqui dentro, e mostrar que não tem nada de estranho aqui. Por mais que tenha algo que surpreenda, não tem nada que eles não tenham visto antes. Você chegou, veio, assistiu uma peça de duas horas, a peça acabou e você não ouviu um tiro. Não viu algo que te assustasse. E, também, tem esse espaço ecológico, que a gente chama de Mata, que também é algo que talvez as pessoas não saibam que isso possa existir na Maré. Por isso nós escolhemos esse espaço, e porque é natural, porque ele nos inspira.

Em algumas cenas a interação do público é fundamental.

O Cidadão: Existe um estereótipo dos angolanos dentro da Maré e existe um estereótipo dos favelados fora da Maré, então vocês trouxeram essas duas imagens.

Nizaj: Sim. Às vezes dava algumas complicações porque, no início, a gente focava mais no comportamento dos angolanos da Maré, mas por mais que vivamos aqui, nós não viemos daqui, então tem essa cultura que ainda existe lá, do outro lado do oceano, que colocamos no texto.

O Cidadão: Você acha que essa peça poderia estar num teatro com um palco fechado, público sentado e etc?

Nizaj: Eu acredito, porém a gente vai ter que trabalhar para isso. Se essa for a proposta e a galera aceitar, é o que a gente vai fazer. Mas vai ter que ter trabalho e a gente vai ter que dar o sangue.

O Cidadão: Sim, porque todo o texto da peça é aqui na Maré…

Nizaj: Sim, teria que mexer um pouco fisicamente e verbalmente na peça quase toda, provavelmente. Até então as propostas que já tem são para espaços abertos, então seria totalmente diferente.

 

Espetáculo conta histórias e lendas da Maré utilizando a paisagem

O Cidadão: Eu percebo uma diferença muito grande com Eles Não Usam Tênis Nike, que são algumas cadeiras com os atores ali e é meio que adaptável para todos os lugares. E aqui, não, a gente anda bastante.

Nizaj: A gente anda, fala com os personagens, responde perguntas. É a primeira vez que eu faço uma peça interativa, é muito diferente para mim mas eu gostei muito. A gente consegue dividir o público e consegue ver a reação enquanto a cena rola.

O Cidadão: Essa peça foi pensada para ser aqui na Mata ou a Mata foi só escolhida depois como cenário?

Nizaj: Eu acredito que ela foi pensada para a Mata. Eu vejo que a Cia estudou a Mata, trabalhou nessa peça para ela, porque nos nossos primeiros ensaios não estávamos muito formando texto, mas sim andando pela Mata, vendo onde poderia cair e onde não poderia, onde o som bate frequência e onde não bate… tem lugares onde a caixa de som não pode passar porque para de funcionar. Nós nem sabemos por quê, é força da natureza!

O Cidadão: E você acha que para a comunidade angolana a peça foi boa, as pessoas passaram a respeitar mais?

Nizaj: Sim. Nas primeiras apresentações estavam vindo muitos angolanos, o que é difícil de se ver. Mas na peça eu vi angolanos conversando com brasileiros de uma forma mais à vontade, trocando ideia. E foi feita uma pesquisa também sobre a nossa vida pessoal, como é nossa vida dentro de casa, que música a gente ouve, que tipo de comida a gente come.

No espetáculo, espectadores caminham, falam e até dançam – ou vão ficar para trás.

O Cidadão: E a peça cansa?

Nizaj: Eu acho que ela me cansa mais psicologicamente do que fisicamente. Primeiro pela questão técnica, que é de levar instrumento, subir, descer, mas também na questão da ideia. De a gente tentar fazer com que o público sinta a mensagem que nós estamos transmitindo. Porque numa cena eu sou músico tocando samba, na outra eu estou falando no sotaque angolano, na outra fazendo uma referência mais espírita… é como se fossem vários personagens com o mesmo nome. E nós não temos “nomes” aqui, somos nós mesmos e nós nos chamamos pelo nome próprio na peça.

O Cidadão: E as crianças atuam ou brincam?

Nizaj: Elas brincam! A gente está numa vibe de agora corre, passa o instrumento pra lá, passa o atabaque, ‘crianças seguem o tio Wallace’, e elas ficam ‘tio, ô tio…’. Tem horas que cansa. Mas eu acho que eles já pegaram essa visão também, é tudo uma brincadeira. Para nós está muito sério, mas eu vejo nos olhos deles que eles estão brincando. Eles veem, eles me perguntam quando eu passo na rua quando vai ter peça, o horário. Eles esperam, eles dormem pensando no dia que vai chegar.

O Cidadão: Mas eles são indispensáveis, né?

Nizaj: Indispensáveis. No início a gente pensou: “o que a gente vai fazer com eles?”. Mas a gente percebeu que não dá para ganhar deles, tem que se juntar a eles. A gente está no cenário deles, é o espaço em que eles brincam.

 

Para saber mais sobre as datas e horários das peças e como chegar, acompanhe a Cia Marginal nas redes sociais:

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Instagram: @ciamarginal

 

HOJE NÃO SAIO DAQUI – FICHA TÉCNICA
Criação: Elmer Peres, Geandra Nobre, Isabel Penoni, Jaqueline Andrade, Maria Tussevo, Nzaji, Phellipe Azevedo, Priscilla Monteiro, Rodrigo Maré, Ruth Mariana, Vanu Rodrigues, Wallace Lino
Elenco: Elmer Peres, Geandra Nobre, Jaqueline Andrade, Maria Tussevo, Nzaji, Phellipe Azevedo, Priscilla Monteiro, Rodrigo Maré, Ruth Mariana, Vanu Rodrigues, Wallace Lino, Zola Star
Direção: Isabel Penoni
Dramaturgia: Jô Bilac + Cia Marginal
Direção musical: Zola Star + Rodrigo Maré
Músicas: Ruth Mariana e Zola Star
Beats funk e kuduro: Gabriel Marinho
Direção de movimento: Cristina Moura
Arte: Thiago Marques, Renata Otomura, Lucas Osorio, Junior Fonseca, Rafael Afonso, Cilmar Rosário (Coletivo de Arte)
Figurino: Maria Chantal
Design gráfico: Felipe Nunes
Foto e vídeo: Jv Santos, Jonas Rosa, Thais Alvarenga, Leo Lima, Jéferson Vasconcelos e Paulo Barros (Cafuné na laje)
Direção de produção: Mariluci Nascimento
Produção Executiva: Wellington de Oliveira
Assistente de direção: Desirée Santos
Assistente de produção: Aza NoAr
Técnico de som: Diogo Nascimento
Costureira: Sabrina Feliz
Oficina de site specific: Gustavo Ciríaco
Consultoria de pesquisa: Miriane Peregrino
Alimentação: Bar da Lica

 

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