
JEDAI: A Força que vem da favela
Texto e foto da capa por: Ana Cristina da Silva.
Nascido em Campina Grande, Paraíba, Anderson Gonçalves Vieira chegou ao Rio de Janeiro com apenas um mês de vida. Dali até seus 22 anos de idade morou na comunidade Marcílio Dias, mais conhecida como a favela da Kelson’s. Hoje, aos 36 anos, Anderson lembra que a vida na KS, como é chamada a comunidade por seus moradores, teve nuances simples, divertidas e até sombrias, mas que tudo o guiou até o agora, onde atua como poeta, compositor e roteirista.
Sendo um grande fã de Star Wars, ainda bem novo, Anderson ganhou o apelido de Jedai, que é como se pronuncia o termo “Jedi”. Em Star Wars, os jedis são um grupo de guerreiros capazes de controlar a Força, um campo de energia criado por todos os seres vivos. O apelido pegou tanto que hoje Anderson assina todos os seus trabalhos como Jedai, que é como a maioria das pessoas o conhecem.

Da pichação pra poesia
No período em que estudou na Escola Municipal Souza Carneiro, mesma escola em que Douglas Silva conheceu o teatro, Jedai começou a fazer pichações. “Eu comecei a pichar com giz de cera, aí fui pra piloto, depois fui para aqueles nuggets de sapato e terminei no spray, lata de jet (…) através disso eu passei a me conectar com pichadores em reuniões e ali conheci a batalha de rap, que tinha toda uma ligação com pichação. Isso me levou ao interesse em fazer rima e a escrever”, conta o mareense. Para ele, sua mãe também serviu de influência, já que gostava bastante de ler e escrever: “Ela ouvia músicas muito boas, então isso também me deu uma inspiração pra poder construir e escrever músicas e rimas de qualidade”.
Em suas poesias ele fala sobre a favela e seus moradores, abordando a cultura, a vivência e as injustiças de forma que só um verdadeiro “cria” seria capaz de fazer. Logo no início, quando começou a declamar, participou da Festa Literária das Periferias (FLUP) e conheceu Sérgio Vaz, poeta, escritor e produtor cultural. “Ele validou a minha poesia, acho que aí que eu criei mais gás, mais força e gasolina para poder fazer o que eu tava fazendo (…) E na FLUP, quem me aprovou foi o Bernardo Vilhena, ele era sócio do Lobão, ele foi o cara que fez Menina Veneno e ele aprovou a minha poesia”.

Sou cria de favela
Não caí de paraquedas
Nem entrei pela janela
Cresci entre beco e viela
Na Kelson’s onde sou cria
Tem 77 anos de história
Momentos bons
Estão guardados na memória
Embora permaneça firme
Na minha trajetória
As lutas são grandes
Mas quanto maiores as lutas
Maiores serão as vitórias
Porque não busco a glória
Luto pra deixar o meu legado
E fazer a minha história.
— Anderson Jedai.
Da favela pra Favela
A partir daí a vida começa a se transformar, na carteira de trabalho, por exemplo, Jedai é eletricista de alta tensão, mas os contatos que fez desde novo o levaram para caminhos diferentes. As poesias e rimas o levaram a firmar uma sociedade com Fernanda Araújo, fundadora da marca Da Favela, que trabalha com roupas e demais itens personalizados com frases e poesias criadas por Jedai. E, por falar em suas poesias, elas também já o levaram para programas de tv, como por exemplo, o Globo Comunidade, na Rede Globo. Enquanto seu talento para a escrita o tornou também roteirista, tendo escrito, junto de Vinícius Coimbra, o roteiro de “É o Complexo – O Filme”, que ainda será lançado.
Já o seu amor e gratidão por tudo o que viveu e aprendeu na Kelson’s, faz com que ele até hoje retribua com projetos e ações sociais para moradores. Dois dos projetos criados por Jedai, foram o Reconstruindo História, que gerou uma mobilização a fim de ajudar as famílias prejudicadas pelo incêndio de 2022, que atingiu cerca de 16 casas na Kelson’s e o projeto Impactando Kelson’s, que existe desde o início de 2023 oferecendo aulas para que os jovens da comunidade aprendam técnicas de corte e pintura, para se tornarem barbeiros. “Nós formamos quatro turmas, umas doze pessoas. E alguns jovens já ganham dinheiro com barbearia, já viraram barbeiros. 3.500 de salário é um baita salário dentro da favela, e o moleque tá aí cortando cabelo porque é um serviço recorrente”, conta Jedai.

Em 2023, Jedai foi reconhecido e homenageado pelo Senado Federal como líder comunitário. E, mesmo com seus outros projetos e trabalhos, ele ainda arruma tempo para integrar a coordenação do G10 Favelas, uma organização que é referência em empreendedorismo e impacto social. Foi a partir da sua atuação ali, por exemplo, que Jedai conseguiu 42 pares de chuteira para serem distribuídos entre os alunos do Projeto Comunitário, que oferece aulas de futebol no campo da Kelson’s.
“Eu devo muito a Deus, meus pais e a Kelson’s”
Hoje a vida de Jedai poderia ser completamente diferente. Afinal, nem todo o sucesso do mundo significa que o caminho até ali foi fácil. Com muito carinho, Jedai lembra da infância pelas ruas da Kelson’s, com brincadeiras como polícia e ladrão, guerra de legumes e até as clássicas como bolinha de gude, pipa e pião. No entanto, essas lembranças também se atrelam a dor da perda já que, infelizmente, muitos jovens, diante das dificuldades da vida na favela, acabam se envolvendo com o tráfico e tendo um fim prematuro. “Infelizmente eu perdi muitos amigos que amava demais. Amigos que cresci junto, brinquei de pique, frequentava a casa deles e eles a minha. Isso que me dói muito, porque eu queria que esses moleques estivessem aqui, porque eu vi que eles tinham potencial muito grande, potencial enorme. Assim como eu tive oportunidade e agarrei com unhas e dentes, eu queria que eles tivessem a oportunidade de agarrar com unhas e dentes também”, compartilha Jedai.

Em 2012, 5 dias antes do aniversário de um ano da sua filha, um acidente de trabalho tirou a vida de seu pai de 50 anos de idade. Há dois anos atrás, também perdeu o único irmão que tinha. Sua casa, por duas vezes pegou fogo e ele e sua família perderam tudo no processo. Jedai poderia muito bem ter caminhado pelo lado sombrio, mas provando que seu apelido fazia todo sentido, assim como Luke Skywalker, em Star Wars – O Império Contra-Ataca, o mareense se agarrou as palavras ditas pelo Mestre Yoda: “Um Jedi usa a Força para o conhecimento e defesa, nunca para o ataque“.
“Poxa, a minha relação com a Kelson’s é de muito amor, de muita gratidão. Parte do que eu sou eu devo muito a Deus, meus pais e a Kelson, que pavimentou o caminho para eu chegar onde eu estou chegando e onde eu vou chegar ainda mais. Então a Kelson’s ela me moldou pra ser a pessoa que sou, aprendi muitas coisas, aprendi o que fazer e o que não fazer. Me conectei com gente que me levou pra outros lugares. Lá foi um ecossistema muito poderoso pra mim. Onde eu vou eu falo que sou cria da favela da Kelson’s, no complexo da Maré. Esse é o meu cartão de visita, eu nunca nego de onde vim, nunca nego minha origem, nunca nego minha raiz”.
— Anderson Jedai.
Da Kelson’s, extraiu a sua vontade de lutar pelos direitos e qualidade de vida das pessoas que, assim como ele, cresceram na favela. Dos seus pais, herdou o amor e o desejo intenso de batalhar todos os dias para oferecer o melhor para a família. Com orgulho, ele fala de Maria Eduarda: “Minha filha tem 13 anos, é cinza no jiu-jitsu e amarelo no judô, ela gosta de competir e eu invisto pesado na educação dela. Ela estuda bem, tira boas notas, passou de ano. Vou botar ela agora no inglês, porque eu falei pra ela que o inglês é super importante”.