Maré e Palestina: que violações nos aproximam?

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Por Carolina Vaz

Todo mundo conhece ou já ouviu falar na Faixa de Gaza: no imaginário, um lugar, num país que chamam de Israel, onde exércitos israelenses e palestinos trocam tiros. Porém, na verdade a “questão palestina” não se reduz a isto. Para entender onde a Palestina e as favelas brasileiras, como a Maré, se encontram, foi organizado o debate“Resistência global e lutas locais: Palestina e Maré”, no Museu da Maré, no dia 23 de novembro. Participaram Gizele Martins, jornalista mareense e mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas, o palestino Baha Hilo, que é sociólogo e guia turístico em seu país, e a jornalista e escritora Lucia Helena Issa.

Da direita para a esquerda: Lucia Helena Issa, Gizele Martins, Baha Hilo e tradutores. Foto: Carolina Vaz

Baha explicou que a “questão palestina” não se resume a judeus (que seriam os israelenses) e muçulmanos (que seriam os palestinos) disputando a Terra Santa (Jerusalém), como muitos pensam. Na verdade, naquele território, o governo no poder, de israelenses, impõe ao polo palestino (composto de várias religiões), há quase 100 anos, centenas de leis que diferenciam os direitos e obrigações dos dois povos, além da própria força bruta. Isso acontece de diversas formas: lugares onde palestinos não podem entrar, estradas que não podem usar, expulsão das pessoas de suas casas, deixando-as sem moradia e sem terra para plantar, explosões e demolições de casas, cobrando dos moradores o preço da demolição, além de assassinatos sem motivos. Trata-se de um genocídio da população palestina (por fome, sede, falta de acesso a saúde e execução) para que Israel vire um país completamente judaico, pelo menos aos olhos das outras nações. Além disso, existem quatro conjuntos de leis que diferenciam os povos, cada um aplicada em uma região: Jerusalém, Nazaré, Faixa de Gaza e Cisjordânia. Na prática, quatro sistemas de apartheid, onde uma parte do país se beneficia com a marginalização da outra. Com a “nacionalidade” marcada desde a Certidão de Nascimento, não se vê possibilidade de sair desse ciclo de opressão. “Um palestino será oprimido do dia em que nasce ao dia em que morre, independente do seu comportamento”, afirmou Baha Hilo. A solução, segundo ele, passa por conscientizar a comunidade internacional sobre o que acontece na Palestina, visitar o país e conversar com seus cidadãos.

Público do Museu assistindo ao debate. Ao fundo, a bandeira da palestina ao lado do quadro de Marielle. Foto: Carolina Vaz.

Se tudo parece muito absurdo, por aqui não é muito diferente. Gizele Martins, que, além de lutar pelos direitos na favela, já esteve na Palestina, traçou os pontos em comum entre os dois lugares. Se lá a lei permite a invasão, roubo de casas e expulsão das pessoas, aqui o poder público faz a “remoção” dos favelados, apagando suas histórias e negando suas raízes, obrigando-os a reorganizar a vida em outro espaço. Lá, são vistos militares armados em qualquer lugar ou situação, assim como em favelas cariocas, mas não nos “bairros nobres”. Do mesmo modo, lá existem os checkpoints, lugares onde os militares podem revistar, barrar (e também matar) palestinos arbitrariamente, e Gizele lembrou do período em que o exército “ocupava” a Maré, entre abril de 2014 e junho de 2015, quando a mesma pessoa podia ser revistada pelos soldados várias vezes por dia. Se lá a lei e a força bruta restringem o acesso a água, luz, lavouras e alimentação, aqui a falta de acesso a direitos, assim como educação, saúde e emprego, mantêm as famílias na pobreza. Além disso tudo, tem o poder absoluto dos militares: na Palestina, eles são protegidos pelas leis para matar, e aqui há recursos parecidos (como o “auto de resistência”) e não há nada que impeça, de fato, que a polícia mate a população de favela e periferia todos os dias sem responder sobre isso. Nos primeiros 10 meses de 2019, a polícia do estado do Rio de Janeiro já bateu seu recorde de assassinato: 1546 pessoas. A jornalista lembrou que muitas dessas armas, assim como os caveirões, são israelenses, e portanto testados em corpos palestinos.

O debate também teve a contribuição da jornalista Lucia Helena Issa, que já foi à Palestina e confirmou o genocídio desse povo pelo exército de Israel. Ela acrescentou que a ideia de “conflito” não cabe, uma vez que mal existe o exército palestino e o israelense é um dos maiores do mundo. A jornalista também relatou um trabalho realizado com refugiados palestinos no Líbano, e afirmou que, como é feito com várias outras nacionalidades, eles são vítimas de uma imagem do muçulmano como inimigo, terrorista, propagada por todo tipo de mídia. Lucia Helena Issa é autora do livro “Filhas da Esperança”, sobre mulheres palestinas, que ainda será lançado.

 

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