Maré Music: produtora no Parque União ajuda artistas a se profissionalizarem
Por Carolina Vaz
Foto de capa: Ana Cristina da Silva
Todo jovem de favela tem um sonho, e muitos sonham com uma carreira musical no rap e hip-hop, tanto por se identificarem com as músicas quanto pela maioria dos rappers terem origem semelhante. Foi por volta de 2018 que um grupo de jovens do Parque União, vendo outros jovens talentosos mas sem meios para se desenvolver, resolveram tentar quebrar os obstáculos da indústria fonográfica dentro da própria favela. O Maré Music, do Parque União, começou como uma gravadora, idealizada e construída por cerca de 15 jovens que, desde 2017, fazem a Roda Cultural do Parque União (RCPU). “A maioria dos artistas vinham cantar na Roda com beat de internet, improvisando a música na roda. A gente decidiu fazer um estúdio vendo essa necessidade do artista de comunidade de ter um trabalho profissional”, conta o CEO Jean Pierre Larroque, de 34 anos. É ele quem está sempre presente no Maré Music, integrando artistas e equipe técnica, pensando e compartilhando projetos.
No início, era o sonho
Os jovens da Roda Cultural dispostos a abrir uma gravadora eram artistas, filmmakers, fotógrafos e produtores, ainda amadores. Mas não era só um sonho, eram 15 sonhadores em união. A maioria nunca tinha pisado num estúdio, mas eles tinham elementos a favor: ideias, vontade de trabalhar e contatos. Duas produtoras musicais de Curitiba, que vieram conhecer o baile funk na favela, acabaram conhecendo o Jean, e ensinaram os primeiros passos de criação de uma gravadora, trâmites de regularização entre outros, e ainda apresentaram um produtor da zona sul do Rio que acompanhou a obra e deu dicas sobre acústica e como deveria ser o espaço. Um outro amigo cenógrafo ajudou o grupo a fazer móveis a partir de pedaços de madeira, outro era profissional na área de porcelanato, e assim o espaço foi se criando. Cerca de dois anos foi o tempo que durou a obra, e quando ela acabou… pandemia. “Foi na hora que eu ia começar a comprar os equipamentos. Acabou trabalho, fechamos tudo. Ali foi Deus segurando, poder da oração”, conta Jean Pierre.
Quando se tornou possível voltar a juntar pessoas no espaço, iniciaram-se as gravações de músicas, ainda com os artistas “da casa”, que era o pessoal da Roda Cultural e outros amigos. O problema é que, para um jovem de favela hoje se destacar no funk, no rap ou em qualquer gênero, não basta unir seu talento a uma boa qualidade de gravação e lançar a música. Encara-se a realidade de ser “só mais um” no mundo da internet, onde se destaca quem pode investir mais: impulsionar post, fazer um reels profissional, fazer parceria com páginas de rap. Isso pode custar muito para os artistas que são, na maior parte do tempo, trabalhadores. Por isso, o coletivo começou a pensar como viabilizar a profissionalização dos artistas locais.
A residência artística
O próprio Jean, para entender mais da indústria fonográfica, foi estudar: fez primeiro o curso de Música e Negócios na PUC-Rio, e depois outros cursos do SEBRAE. A equipe agora trabalha para ofertar, a 20 artistas da casa, formações como direitos autorais, redes sociais, estratégias para crescer nas plataformas, criação de identidade visual. Eles chamam esse projeto, também, de residência artística.
A música é uma indústria, tem que se profissionalizar. Tem que olhar pra tua música também como um produto para vender ela – Jean Pierre Larroque
Mentes criativas em união
Para realizar a gravação, edição e lançamento de músicas e videoclipes, o Maré Music conta com um time de 15 a 20 pessoas, entre editor de som e de vídeo, fotógrafo, produtor musical e produtor executivo. Segundo Jean Pierre, todo dia aparece gente querendo mostrar uma música, obter opinião, gravar. O primeiro passo é sempre conversar com o artista, ouvir a letra e a melodia e, contando com o conhecimento da equipe, pensar como aquela canção pode melhorar antes de ser gravada.
A elaboração de um clipe já inclui ter uma maior participação da equipe criativa, e um dos responsáveis é o Brendon, de 28 anos. Ele conta como trabalha a criação de um clipe para o artista: “Primeiro de tudo a gente ouve a música pra ver se a música conta alguma história, se é um protesto, tentar entender. Nisso, a gente começa a ter as ideias”. Cria do P.U. e também compositor, conhecendo a favela toda, ele vai conectando a letra da música com os cenários possíveis para o clipe.
Outro membro da equipe criativa é o Loan, de 23 anos. Ele venceu uma batalha de rap na Roda Cultural em 2017, e viu ali algo novo em si. “Eu falei: ‘cara, acho que sou bom em alguma coisa aqui’”. Hoje, Loan se dedica à música tanto fazendo suas composições, nas quais conta histórias da sua vida e de pessoas próximas no ritmo do rap, quanto trabalhando na parte criativa da gravadora. Ele atua como produtor musical no espaço, fazendo desde a captação de áudio até a roteirização de clipe.
Segundo Jean Pierre, a elaboração do clipe também depende dos recursos que o artista tem para produzir. O vídeo pode ser gravado por uma câmera parada na passarela ou um drone na praia; pode ser na laje ou num ponto turístico alto da cidade. No canal de Youtube do Maré Music podem ser vistos cenários como a Avenida Brasil, o campo de futebol do Parque União, as paisagens de lajes diversas da Maré e da própria laje da produtora.
Os projetos
Com o volume de artistas que aparecem para utilizar os serviços do Maré Music, e o alto custo e tempo de trabalho que seria produzir um clipe para cada música, a equipe pensou numa estratégia: criar projetos que unam os artistas num clipe só. Popularmente conhecida pelo termo feat, essa parceria é recorrente na industria musical, tendo como objetivo alcançar um público maior, impulsionando o trabalho dos artistas envolvidos. Alguns projetos que utilizam o feat são o Cria Drill, que reproduz o drill (subgênero do rap), e também o Minas na Cena, reunindo apenas mulheres. Este último foi um projeto criado pelo Maré Music com a rapper Edd Wheeler, integrante do primeiro grupo de rap feminino do Rio de Janeiro. Segundo Jean Pierre, já estão planejados para 2024 cerca de dez projetos audiovisuais que irão possibilitar, sem demandar altos valores, mostrar os rappers ao público.
A equipe também faz planos para fazer melhor uso da laje no P.U. O grupo já realizou eventos de slam e quer executar no espaço mais lançamento de música, nem que seja para o artista convidar seus parentes, amigos e vizinhos, mas que possa aproximar a comunidade do artista para além da internet.