Mareenses levam seus negócios e produções artísticas para a Expo Favela Innovation
Entrevistas: Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz
Colaboração: Jessica Coccoli e Raysa Castro
Texto: Carolina Vaz
Grande parte da população favelada carioca, 46%, tem o sonho de ter um negócio próprio, segundo o Instituto Data Favela. Uma mareense que realizou esse sonho foi a Stefany Silva, de 22 anos, criadora do Brechó Jeans Ancestral, localizado na Rubens Vaz. Ela foi uma das moradoras da Maré a participar como expositora na Expo Favela Innovation 2023, evento organizado pela Favela Holding e promovido pela Central Única das Favelas (CUFA) na Cidade das Artes, Barra da Tijuca, entre os dias 29 e 31 de julho. A equipe do jornal O Cidadão esteve presente no primeiro dia de evento e registrou palestras marcantes e a presença de alguns mareenses na programação.
O favelado quer prosperar dentro da favela
Numa das primeiras palestras do dia, Renato Meirelles, fundador do Instituto Data Favela, apresentou dados sobre favela e empreendedorismo, com foco nas favelas cariocas. A pesquisa ouviu favelados de todo o Brasil, sendo mais de 1.600 do município do Rio. Segundo ele, as favelas cariocas movimentam 31 bilhões de reais por ano. Não à toa, os próprios moradores almejam se beneficiar disso: 8 em cada 10 moradores que querem abrir um negócio desejam fazer isso na própria favela, e assim se juntar a uma grande parcela de pessoas que já têm um empreendimento. Porém, existem empecilhos: a principal reclamação dos empreendedores é a falta de crédito para investir no negócio, e como consequência o acesso a crédito é a principal capacitação desejada. Ainda, 6 em cada 10 empreendedores utilizam a internet no cotidiano do negócio, o que levanta também a demanda por melhor serviço. Meirelles destacou a importância de haver um olhar do governo para esses números, entendendo também os obstáculos do povo favelado – e majoritariamente negro – para driblar os preconceitos e empreender fora da favela.
“Inovar na favela é entender a importância da construção de pontes, e é uma necessidade nesse país que tem tantos estigmas”.
Renato Meirelles, fundador do Instituto Data Favela
É por isso que as iniciativas presentes no espaço não prosperam sem levar outras juntas. É o caso da própria Stefany, que levou para o evento não somente as suas peças do Brechó Jeans Ancestral como também uma apresentação em vídeos de outros brechós e bazares na Maré. Ela contou que oficializou o negócio em 2020, e desde então expõe em eventos dentro e fora da Maré, sempre levando o território junto. Sua conexão com a moda vem da experiência de, na infância, ter tido roupas de doação e sentido o desejo de escolher ela mesma o que vestir. Assim, foi atrás de brechós no bairro e depois decidiu criar o seu.
Outro empreendimento presente, também no ramo da moda, foi a marca DaFavela, que trabalha com camisetas nos modelos adulto e infantil, bonés, chaveiros e outros itens. A fundadora é Fernanda Araújo, do Morro do Dendê, e as frases são do poeta mareense Jedai. Segundo Fernanda, 10% do lucro líquido de cada venda será destinado a dois projetos: Creche Escola Nacodes e Impactando Kelson’s, projeto este na favela da Kelson’s, Maré, que é presidido por Jedai, e que usa a barbearia como forma de capacitação e inserção no mercado de trabalho. Quanto às creches, elas são o ramo de trabalho de Fernanda há mais de 30 anos, mas exatamente por essa experiência ela decidiu investir mais na educação, e a ideia é que seja possível criar nas unidades um contraturno, com atividades fruto de trabalho social. Para Jedai, que mobiliza o empreendedorismo dentro e fora da Maré, o ExpoFavela Innovation é um evento fundamental de conexão e networking para mostrar como a favela é potente.
A economia e o empreendedorismo de favela
Toda essa potência já está sendo reconhecida por quem produz comunicação e política pública. Foi o que demonstrou a conferência “Reflexões sobre economia, favela e direitos humanos”, com a jornalista de economia Flávia Oliveira, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida e, como mediador, o presidente da CUFA Preto Zezé. As suas falas partiram da experiência de serem pessoas pretas que alcançaram posições de destaque, e um dos focos foi manter o compromisso com a origem, como colocou Flávia: “Uma mulher negra que vem da periferia, que domina as ferramentas da comunicação, que tem algum conhecimento de economia, se não usar esse capital de conhecimento para traduzir esse conhecimento, está cumprindo mal o seu papel”.
A jornalista falou muito sobre utilizar o conhecimento adquirido em estudos para, no caso dela, fazer essa conexão entre o que acontece na economia brasileira e global com a vida cotidiana das pessoas. Ao mesmo tempo, defendeu mais olhar do governo para o empreendedorismo favelado e periférico:
“Tem que pensar grande, tem que ter dinheiro do BNDES, tem que tratar o empreendedorismo preto periférico como se trata as incubadoras, as startups da gente branca herdeira”
Flávia Oliveira, jornalista
O ministro dos Direitos Humanos concordou, destacando também a importância de o povo preto periférico estudar e se inserir no meio da inovação. Ele falou sobre sua tarefa, nos últimos sete meses, de tornar relevante novamente no país a pauta dos Direitos Humanos, mostrar cada vez mais que o pobre preto da favela não pode ser reduzido a bandido. O ministro ainda reconheceu que é preciso ação governamental para levantar a população mais vulnerável, e anunciou planos do governo para a população em situação de rua.
“Nós precisamos começar a falar sobre futuro. (…) Ficar preso no presente significa que a sua vida não tem perspectiva. A gente levanta da cama todo dia porque acredita que a vida pode ser melhor”.
Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania
Expressões da cultura popular também ocuparam a Expo
Outros espaços ocupados por mareenses no primeiro dia de ExpoFavela foram a palestra e o Favela Literária. Neste, o ilustrador Renato Cafuzo apresentou Moleque Piranha, obra infantil na qual ele estreia como autor. Acompanhado da filha Sophia Lourenço, ele apresentou o livro, que faz referência a um desenho criado há 10 anos: o peixe Moleque Piranha, já colado como adesivo em muitas ruas da Maré. Com o nascimento de Sophia em 2014 e sua proximidade cada vez maior com as crianças, Renato começou a idealizar um livro infantil que tivesse, ao mesmo tempo, o peixe já conhecido, personagens inspirados em sua memória e uma história que falasse sobre o senso de comunidade existente tanto entre os animais – como é o caso da piranha – quando no cotidiano da favela. Mas realizar o livro físico só foi possível mesmo depois que ele acessou o edital Cultura Presente nas Redes, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do estado do Rio. Com a verba, foi possível não só fazer e imprimir o livro como fazer um documentário, um Guia de Atividades para espaços de educação e o lançamento em alguns lugares.
Outro fato sobre o livro é a homenagem que ele faz a dois mareenses que perdemos nos últimos anos: Cadu Barcellos, cineasta que era amigo próximo de Renato e faleceu em 2020, representado no livro pelo personagem Caeu; e Marielle Franco, representada na professora Tia Mari.
“Muitas vezes a gente também é visto dessa forma, como algo negativo, mal compreendido, mas que faz bem pro ambiente onde vive”.
Renato Cafuzo, autor de Moleque Piranha
Com o nome A Rua como Construção de Arte, a palestra de Kamila Camillo foi uma das últimas do dia. Moradora da Nova Holanda e fotógrafa há cerca de 20 anos, ela falou sobre sua exposição fotográfica Faveladas, que retrata mulheres – e suas famílias – de lugares da Maré como o Conjunto Habitacional dos Tijolinhos, na NH. Acompanhada da curadora Rosilene Miliotti, ela falou sobre fotografia popular, abordando temas como a necessidade de haver intimidade, responsabilidade e confiança ao se fotografar pessoas em suas casas, e sobre ser esse tipo de trabalho também um lado da fotografia popular que mostra o dia a dia, a beleza do cotidiano sem explorar, por exemplo, as mazelas da favela.
“Você não está colocando a sua foto no Instagram, você está colocando a foto de uma família, está expondo. E estou colocando a intimidade da pessoa pro mundo, mas ao mesmo tempo eu estou contando histórias. Acho que o mas importante é isso, a fotografia popular é contar as narrativas da nossa vivência”.
Kamila Camillo, fotógrafa
Tendo como público moradoras que foram fotografadas, amigos e outros conhecidos da Maré, a fotógrafa levantou conversas sobre as fotos e se emocionou agradecendo as presenças.
Expo Favela Innovation 2023
Ao longo de seus 3 dias, a Expo Favela Innovation recebeu 30.714 pessoas, teve a exposição de mais de 400 empreendedores de favela e mais de 100 palestrantes. Contou com a presenças de nomes de destaque na música, no jornalismo, nos negócios, além de influenciadores. Além dos entrevistados pelo jornal, também estavam na programação da Expo outros mareenses como Walmyr Junior, da Horta-Escola Comunitária Maria Angu, a mobilizadora Pâmela Carvalho e a marca Drinks no Pote.