Mareenses levam suas produções para a segunda Semana de Arte Favelada, no Caju
Por Carolina Vaz
Foto de capa: Raysa Castro
Após o sucesso da primeira edição , aconteceu no último final de semana a segunda Semana de Arte Favelada, na Vila Olímpica Mané Garrincha, no Caju. O espaço foi ocupado nos dias 8, 9 e 10 de dezembro reunindo representantes das artes visuais, literárias e cênicas (teatro, dança e música) selecionados pela equipe da Semana. Foram mais de 50 pessoas, de favelas de toda a região metropolitana do Rio e até de fora do estado, levando sua arte para o Complexo do Caju. A programação contou com a exibição dos filmes Nosso Sonho, “Projeto Oxigênio é Tóxico” e “Caju no Mapa” na Sessão de Cria, na sexta-feira, dia 08, abrindo o evento e contando com a audiência atenta dos cajuenses, principalmente as crianças. A equipe do Jornal O Cidadão foi conferir tudo que rolou na tarde de segundo dia, 9 de dezembro, na Vila Olímpica.
Obras para eternizar as boas memórias
A exposição de artes visuais foi composta por obras de 30 artistas do estado do Rio, entre fotografias, pinturas, graffiti, esculturas e obras em audiovisual. Os jovens do Maré Crew, natural das Casinhas (ou Nova Maré), marcaram presença por lá. Uma das mais extensas obras da exposição foi o quadro da “Tia Vera”, a avó do coletivo formado por Larissa Fernandes e seus primos Zezo e JP. O quadro já tinha sido exposto antes, na galeria do Museu da Maré, e tem como objetivo homenagear a avó em vida e ao mesmo tempo mostrar a união que eles vivem. “Eu venho de um lugar onde todo mundo é muito junto, que é nas Casinhas da Baixa. E como a gente pegou essa vivência de comunidade ali da nossa favela, colocamos no quadro a nossa matriarca”, explicou Zezo. Segundo João Pedro, o JP, a ideia é levar o quadro da Tia Vera para mais espaços: “Enquanto tivermos a oportunidade de expandir nossa arte para qualquer parte do Rio e do Brasil nós vamos levar”.
Outro mareense presente, expondo pela primeira vez fora da Maré, foi Diego Reis, do Parque Rubens Vaz, com a fotografia entitulada “O dia que eu, Diego, fui ao Cristo”. O fotógrafo, ator e instrutor de oficinas de skate da Areninha Cultural Herbert Viana retrata na obra um dia em que a equipe da Areninha levou as turmas de skate e capoeira ao Cristo Redentor, um ponto turístico considerado de difícil acesso num bairro elitizado do Rio. A alegria que se vê na foto, infelizmente, foi interrompida minutos depois quando um padre exigiu que o grupo parasse de tocar tambor e acompanhasse a guarda municipal, sendo expulso do local. Apesar do episódio de racismo religioso, Diego considerou a obra ideal para sua inserção na Semana de Arte.
“Quando eu penso ‘Semana de Arte Favelada’ eu acho que a gente também tem que pensar favela em outros lugares de potência. E aí eu estou falando da favela no Cristo Redentor, porque é difícil ter acesso gratuito e é difícil ter pagante pra financiar esse tipo de movimento. Então vamos pensar a favela em outros lugares em que é possível construir também”.
Diego Reis, instrutor de oficinas de skate na Areninha Cultural.
Segundo o curador da exposição, Jean Azuos, foi grande o desafio de selecionar 30 artistas a partir de mais de 60 inscrições, mantendo a diversidade da região metropolitana: foram convocados para expor artistas do Vidigal, na Zona Sul, a Nova Iguaçu, na Baixada. Nesta edição, segundo Jean, apareceram muitos novos nomes da cena cultural e com obras de muito significado, comprometendo a curadoria a manter essa diversidade: “Eu acho que a exposição caminha no sentido de dar outras visualidades pro que a gente entende de favela, e ao mesmo tempo o que a gente tem de vida, de cotidiano. Um cotidiano que é um bar, que é um banho de mangueira, uma pesca… até mesmo quando vai para nuances de abstração”. Houve ainda a preocupação de manter uma parcela da exposição para artistas do Caju, que foram 7 dos 30.
Um deles foi o José Mathias, pastor da Igreja Batista na comunidade Parque Alegria. Sua obra, com o título “Já fui lixo, hoje sou arte”, nasceu depois de ele ver muitos pedaços de madeira jogados no bairro, e com um pouco de tempo livre aproveitou para fazer artesanato. Ele fez um vídeo do processo de criação e mostrou a amigos, que o incentivaram a se inscrever para a exposição. Segundo seu Mathias, o título da obra não é só sobre a madeira jogada na favela: “A ideia é de recuperação, de sustentabilidade, não só com a madeira mas também o ser humano, acredito que ele pode de fato ser recuperado. Independente da sua situação hoje eu acho que pode ser recuperado”.
Poesia de cria no Sarau Literário
Quem visitou o evento no sábado pôde conferir grandes talentos da literatura das favelas cariocas, no Sarau Literário, comandado pelas irmãs Duda Ferreira e Helena Ferreira, as Pretinhas Leitoras. Foram duas rodas de conversa, reunindo autores de prosas e poesias selecionadas, de origens diversas. Na primeira roda reuniram-se os autores Cleitin, Efe, Natitude, Pretagonista, Camila França e o mareense Jedai, da Kelson’s. Eram professores, multiartistas, atletas, militantes de diversas partes do Rio de até de outros estados. Jedai aproveitou para contar do projeto Impactando Kelson’s, que através da barbearia transforma a vida de jovens afastando-os da criminalidade.
Já na segunda mesa, as Pretinhas Leitoras receberam Pyxuá, Janimun, Taiana Araujo, Visceral, Vitorian e também chris. O mareense Vitorian falou sobre escrever como um homem trans, favelado, e sobre ter sido selecionado para a Semana pela segunda vez: “Estar aqui significa muito, porque a gente vem de um lugar onde todo mundo desacredita da gente. E não é sobre o que você pode conseguir estando aqui, é sobre significar e ser. Você pode ser o que você quiser, sim”. Ele ainda apresentou seu poema selecionado: Transformado.
Já o escritor chris mostrou que não é só o pessoal das Casinhas que utiliza seus talentos para homenagear a família. Selecionado com o poema Lembrança e o poema em prosa “Todo o sentimento do mundo”, o escritor do Conjunto Esperança utiliza a escrita para perpetuar as memórias de sua família, principalmente de sua avó: “Todos os meus textos falam da vivência da minha família. Histórias que eu vivi ou que as mulheres da minha família contaram. E aí eu trago isso tudo no texto, porque é uma necessidade minha de manter a história da minha família viva”. Ele demonstrou, lendo trecho de “Todo o sentimento do mundo”: “E quando a maré enchia era muita alegria. Dava pra tomar banho na água limpinha, limpinha, limpinha… e quando a maré ficava seca, a gente brincava na maré”. Esta foi a segunda participação na Semana do professor chris, que além de ser formado em Letras pela UFRJ também cursa, na mesma universidade, o mestrado em Literaturas Africanas.
Após o Sarau Literário começaram as apresentações do eixo Artes Cênicas, com a apresentação “Cajueiro Marginal” de Pyxuá, “Negros Olhos” de Alarcon Picanço Criações, além dos slammers do Slam Caju e ainda o show da mestre de cerimônias Preta QueenB Rull, de título “Faça o presente brilhar, o show ao vivo”. Em entrevista, a mareense representante do vogue comentou a importância de o evento ter agregado pessoas tão diversas, de tantas favelas diferentes: “Eu acho que foi um dos festivais em que eu mais vi pessoas não-binárias, trans, presentes aqui expondo… é isso que eu espero dos festivais, que tenham mais pessoas LGBTS presentes, expondo seus trabalhos, suas artes”.
Além de todos os artistas mencionados, a Semana de Arte Favelada também contou com muitos mareenses na sua curadoria: Jean Azuos, nas Artes Visuais; Marcos Diniz na Arte Literária; Wallace Lino nas artes cênicas modalidade teatro; e Rodrigo Maré nas artes cênicas modalidade música. Dentre outros presentes na produção do evento.
A programação continuou, no domingo, dia 10, com o Festival Multilinguagem agregando dezenas de outros artistas favelados e seu público.