
Museu da Maré celebra 19 anos com Chá de Memórias
Foto da capa e texto por Ana Cristina da Silva
No dia 08 de maio o Museu da Maré completou 19 anos de existência. Na luta pelos direitos e pela preservação da memória dos moradores da comunidade há quase duas décadas, a celebração não poderia ter sido de outra forma se não com a 15ª edição do Chá de Memórias. Como de costume, os participantes formaram uma roda no galpão do Museu e juntos compartilharam suas histórias ao refletirem sobre os objetos dispostos no local.
No centro da roda, formada pelos integrantes do Museu, alunos e professoras do CEJA Maré e demais moradores da comunidade, se encontrava uma rede de pesca arrumada em formato de coração que abrigava diferentes objetos, carregados de significado e histórias.

Um deles era o ferro a carvão, muito utilizado para passar as roupas quando ainda não havia energia elétrica. Fabricado em ferro, o objeto possuía um compartimento onde se colocava o carvão em brasa que fazia com que ele esquentasse. Diferente de outros lugares do mundo, o uso deste objeto perdurou por mais tempo no Brasil, devido a distribuição irregular de energia elétrica, principalmente dentro das favelas e periferias. Portanto, seu uso era ainda muito comum na década de 70.

Sendo um espaço de troca, muitas foram as falas dentro da roda. Matheus Frazão, arte educador do Museu, escolheu a imagem de São Cosme, Damião e Doum para compartilhar uma lembrança de quando passou por um quadro de impetigo aos 11 anos de idade. Na época sua avó o levou até uma rezadeira na Vila do João. “Foi nesse momento que eu descobri a minha espiritualidade”, declarou no centro da roda.

Jane Trajano, professora no CIEP Ministro Gustavo Capanema, destacou que os mareenses nascidos entre as décadas de 60, 70 e 80 despertam muitas memórias através dos objetos do Museu da Maré, mas para a roda, apesar de especificamente falar sobre o rola-rola, sua lembrança foi sobre coletividade: “Esse rola-rola, pra mim, me traz uma memória de solidariedade. Porque às vezes os moradores chegavam exaustos, enfrentavam uma fila enorme na bica, numa bica que tinha ali perto da Avenida Brasil, e os homens e as mulheres carregavam suas latas e essa água muitas vezes era compartilhada”.
Helaine Alves, professora do CEJA Maré, compartilhou uma memória ao falar sobre o telefone de discagem, algo que, na infância, sempre quis ter. Cláudia Rose, diretora do Museu da Maré, lembrou da inauguração do espaço ao erguer um bule de ágata que chamou a atenção de Gilberto Gil, dentro da palafita da exposição. Larissa, também professora do Gustavo Capanema, ao olhar para a bacia no centro da roda, lembrou das vezes em que tomou banho em uma daquelas no quintal da avó Maria Francisca. “Era muito simples o quintal e tinham muitos cachorros, eu lembro da gente brincando”.

Continuando o que aconteceu na 14ª edição, o Chá de Memórias desse ano também contou com a participação de alguns jovens. Logo no início do evento, o grupo de monitores do Museu da Maré celebrou os 19 anos do espaço fazendo uma leitura artística que contava um pouco da história e dos feitos do espaço. Jeferson da Silva Lemos e Richard Batista, ambos com 18 anos, também chegaram a participar da roda, compartilhando memórias. Enquanto Jeferson, morador do Pinheiro, relembrou do seu primeiro aparelho celular, comprado com o próprio dinheiro, Richard entrou na roda com uma foto do Salsa e Merengue, onde é nascido e criado.
Para os monitores do Museu é muito significativo ouvir não só os moradores mais antigos da Maré, quanto jovens com idades próximas a eles, como diz Jeferson: “É importante a gente (os jovens) falar até mesmo para o outro ver que um jovem sabe da história da Maré, que tá compartilhando uma memória e ver o que mudou, porque houveram mudanças. E tem essa mudança de realidade mesmo, porque cada um fala do seu ponto de vista”.

“Pra mim, o legal desse evento é a gente trazer um pouco da vivência dessas pessoas, as pessoas mais velhas que vieram antes da gente para nós jovens reconhecermos a história da nossa comunidade, que é repleta de acontecimentos, não só o que aparece nos jornais, como a violência (…) mas também é muito maneiro e bonito ver pessoas da mesma faixa etária que eu, que dividem as mesmas emoções e acontecimentos, porque crescemos juntos, um perto do outro, então é muito bom ouvir jovens como eu também”.
— Richard Batista
Foram mais de 20 falas e memórias compartilhadas em roda. No final da tarde, o evento se encerrou com convidados e integrantes do Museu da Maré reunidos para um parabéns acompanhado de bolo, salgados e bebidas.