“O aspecto que mais me chamou atenção foi como a comunicação comunitária acontece”

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Pesquisador brasileiro fala sobre pesquisa que investiga sistemas de mídia nos cinco países que integram o bloco econômico conhecido como BRICS.

Leonardo Custódio (35) nasceu em Magé, município localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e desde 2007 mora na Finlândia. No país escandinavo, fez mestrado (2007-2009) e hoje cursa o doutorado, na Escola de Comunicação, Mídia e Teatro (Universidade de Tampere).

Custódio destaca o tema de sua pesquisa pessoal, iniciada em 2009 e com término previsto para 2015. “Investigo as motivações e objetivos que moradores de favela têm para usar mídias em suas lutas diárias contra as consequências do preconceito e desigualdades sociais.”. Ele também é autor de um blogue (acesse aqui), onde publica textos em versão bilíngue (português e inglês).

Na entrevista a seguir, Leonardo Custódio cita algumas semelhanças e diferenças existentes nos sistemas de mídia nos cinco países que integram o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). E tem uma esperança: que essa pesquisa tenha resultados práticos. “Considerando as coisas como são, ter um diálogo dessa amplitude parece utópico, mas precisamos contribuir de alguma forma, certo?”, afirma ele.

Favela da Maré
Favela da Maré

Daniel Israel, especial para O Cidadão

DANIEL ISRAEL: Qual era o objetivo da pesquisa quando começou, em 2011?

LEONARDO CUSTÓDIO: O “Projeto BRICS” está em andamento no período 2012-2016 e é coordenado pelo professor Kaarle Nordenstreng na Universidade de Tampere. O objetivo é investigar as semelhanças e diferenças da mídia nos cinco países. Temos três temas teóricos básicos: a questão do sistema midiático; o jornalismo e a questão da liberdade de imprensa. Empiricamente, nós abordamos questões como participação cidadã na mídia e sociedade; a orientação profissional dos jornalistas e a educação em jornalismo.

DI: O que é possível concluir, a partir dos três enfoques determinados para a pesquisa (sistema de mídia; mídia e jornalistas inseridos em estruturas de poder; e educação jornalística), quando da última atualização do projeto, em 2013?

LC: Por enquanto, não temos conclusões comparativas. Ainda estamos no processo de coleta de dados em cada um dos países. A ênfase está por enquanto na questão do jornalismo. Alguns resultados serão publicados ano que vem em um livro que já está em fase de revisão. Por enquanto, a publicação estará somente em inglês.

DI: Quais as principais diferenças que você pode destacar nos sistemas de mídia dos países-membro do BRICS? E as principais semelhanças?

LC: Do primeiro levantamento que fizemos, o aspecto que mais me chamou atenção (e essa é uma opinião minha, não necessariamente do projeto) foi o fato de como a questão da comunicação comunitária acontece nos cinco países. Enquanto Brasil, Índia e África do Sul têm um setor bem diverso e dinâmico de rádios comunitárias, Rússia e China não tinham nada parecido. Inclusive os colegas desses dois países tinham dificuldade em entender o que comunicação comunitária significa na prática, já que pra eles era desconhecido. Essa impressão está relatada num artigo acadêmico (acesse aqui).

DI: A página criada na Internet para divulgar o projeto de pesquisa traz, entre outros textos, dois artigos publicados em veículos de grande audiência: um nos EUA, o outro na Rússia. Ambos (disponíveis aqui e aqui) suspeitam do futuro do BRICS, mas em momento algum seus autores tratam do sistema midiático em cada um dos países-membro. Como ampliar esse debate dentro das realidades nacionais (por exemplo, no Brasil, destaca-se o oligopólio da mídia comercial; na Rússia e na China, há franca censura aos veículos e restrições à livre navegação na Internet) e envolver a maioria dos profissionais que atuam na mídia?

LC: Essa questão do sistema midiático em cada país está aos poucos aparecendo conforme o projeto evolui. Teremos alguma coisa já nessa publicação que mencionei antes (a ser publicada em 2015). A partir da apresentação dos dados, esperamos conseguir trazer nossos resultados para a discussão deles em cada um dos países. No ano que vem, por exemplo, o encontro anual do nosso projeto deve acontecer no Rio de Janeiro, no período da Conferência Nacional da Intercom. Até lá, teremos alguns resultados importantes para compartilhar.

DI: No Brasil, tem sido ampliado o debate sobre regulação da mídia nacional, ainda restrito a espaços como universidades e movimentos sociais. A mídia corporativa, por sua vez, reforça que não tem interesse no tema e considera “censura” toda forma de regulação. Foi possível verificar um funcionamento mais parecido ou mais distante do que o brasileiro, em cada um dos demais países que integram o BRICS?

LC: O debate sobre a regulamentação da mídia corporativa no Brasil é definitivamente importante, considerando as situações de controle governamental na Rússia e China e um ambiente menos controlado na Índia e África do Sul. Por estarmos focando na questão jornalística, por enquanto não temos resultados nesse aspecto. Mas as reuniões anuais geraram algumas discussões importantes sobre como abordar a questão de regulamentação e censura. Vamos usar essas discussões para pautar nossos próximos passos na pesquisa.

DI: Comparando Brasil e África do Sul (último a entrar no BRICS, em 2011), os dois países possuem histórica discriminação contra suas populações negras. Na África do Sul, o fim do apartheid é um marco mais recente do que a abolição da escravidão em nosso país. Através da pesquisa, foi identificada a subrepresentação de negras e negros na mídia sul-africana em geral, fato recorrente no Brasil?

LC: Infelizmente não estamos lidando com a questão do conteúdo no projeto em geral. Mas o projeto gerou uma conexão bacana entre pessoas envolvidas para projetos meio que paralelos. Por exemplo, um grupo de professores e pesquisadores está trabalhando agora em um livro sobre a questão da produção de teledramaturgia nos BRICS. Acredito que nesse trabalho surgirão questões relacionadas à representação em contextos de preconceito e desigualdade social. Mas infelizmente não tenho previsão de quando esse livro estará disponível.

DI: A partir da instalação de um banco operado pelos países integrantes do bloco, você acredita que também poderia haver um esforço visando à criação de uma espécie de fórum entre os sistemas de mídia dos cinco países?

LC: Essa definitivamente é uma ótima ideia. Talvez algo parecido com o Fórum Social Mundial onde a sociedade civil e movimentos sociais se encontrassem para discutir a questão da mídia em cada um dos países. Seria uma coisa muito bacana mesmo. Se poderia acontecer, eu não sei. Mas definitivamente seria muito importante.

DI: Tendo por base o relatório com as conclusões do estudo, o que você considera prioridade visando a ações articuladas entre profissionais, entidades do setor e governos?

LC: Nós ainda não temos conclusões. Mas – muito pessoalmente – espero que os resultados saiam das gavetas e prateleiras universitárias pra contribuir com debates entre pesquisadores, governos, jornalistas e empresas. Considerando as coisas como são, ter um diálogo dessa amplitude parece utópico, mas precisamos contribuir de alguma forma, certo? E é nesse caminho da contribuição para o debate crítico que o projeto BRICS se insere.

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  • Senhores,bom dia! Sou ex morador da comunidade da maré, ex integrante da TV Maré ( RJ, Brasil)e por via de concurso publico sou profissional da TV publica(EBC TV BRASIL.) a questão é: A maioria da população mais vulnerável brasileira sempre é vitima dos meios de comunicação oficiais pertencentes aos grupos que detém o poder financeiros ,políticos,religiosos, etc. então sendo assim se faz necessário implementação das TVs comunitárias e do fortalecimento/ acesso da TV Publica ate o entrosamento dessas mídias. Gostaria de receber os comentários. Abraços.

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