Prêmio de Cria: diretora Renata Tavares leva Prêmio Shell por produção favelada

Cultura, Notícias

Por Carolina Vaz

A primeira diretora negra a vencer o Prêmio Shell de Teatro, em 33 anos, é uma mulher de 44 anos, moradora de Bangu e arte-educadora no projeto Entre Lugares Maré. Renata Tavares levou o prêmio de Melhor Direção no dia 21 de março, representando a peça Nem Todo Filho Vinga. Trata-se de um espetáculo originalmente mareense que teve sua primeira temporada há cerca de um ano no Museu da Maré e depois circulou o estado do Rio de Janeiro.

O Prêmio Shell de Teatro acontece anualmente e seu evento é considerado uma das mais importantes premiações do teatro brasileiro. A cada edição participam dezenas de produções, e cada categoria da premiação tem entre 5 e 6 peças indicadas. Sua 33ª edição, realizada na semana passada, contemplou espetáculos que fizeram temporada no Rio de Janeiro e em São Paulo no início de 2020 (antes da pandemia) e entre 01 de abril a 31 de dezembro de 2022.

Renata com o prêmio, conquistado na categoria Melhor Direção. Foto: José Bismarck.
A pesquisa de campo e a quebra de padrões do Teatro

Nem Todo Filho Vinga é uma produção da Cia Cria do Beco, companhia teatral formada por um grupo de atores e atrizes, estudantes de Teatro, que, em 2019, decidiram fazer uma esquete (uma peça de 12 minutos) falando sobre suas questões como jovens favelados, e apresentar essa esquete no Festival Universitário (FESTU). A vitória como melhor grupo universitário se tornou, também, uma demanda que incluía montar uma peça de maior duração com a mesma história. E eles fizeram, deixando tudo pronto para a estreia em março de 2020, quando veio a Covid-19, a pandemia e o isolamento.

Renata Tavares (de costas) em ensaio de Nem Todo Filho Vinga. Foto: Ana Cristina da Silva.

Segundo a diretora Renata Tavares, quando o grupo pôde se reunir de novo em setembro de 2021, decidiram fazer uma grande pesquisa de campo na Maré e no Jacarezinho, e foi aí que ela percebeu, como diretora, que a peça não poderia ter o formato tradicional que separa elenco de espectadores. “Eu tive um start e falei: vai ser assim agora, vai ser todo mundo dentro!” Ou seja, a peça iria se desenrolar ao redor das pessoas, pelos becos, ruas e praças que se formavam no cenário que era, também, o espaço da plateia. Ela conta da conversa que teve com o dramaturgo, Pedro Emanuel, que levou a essa decisão: “Quando eu andei na Maré eu falei: Pedro, como eu faço para as pessoas terem a sensação que a gente está tendo aqui? Porque, se não, vai ser mais uma peça de favela num palco italiano, não faz sentido”. O palco italiano, no caso, seria a apresentação acontecendo na frente do público, estando elenco e público separados.

Nas apresentações no Museu da Maré, elenco e público dividiam o mesmo espaço. Foto: Thiago dos Santos.
A representatividade em todos os aspectos

Nem Todo Filho Vinga traz a história de um jovem da favela, o protagonista Maicon, que passa para a faculdade de Direito e, após a euforia da conquista, começa a se ver encurralado entre os problemas cotidianos do jovem da favela, como as operações policiais, a distância física e de vivência em relação à universidade, os problemas dos amigos e namorada. Para a diretora, não são necessariamente os temas que são inéditos, mas o fato de serem os atores e o espaço de concepção do espetáculo, a Maré, também favelados.

Apresentação da peça no Teatro Sérgio Porto. Foto: José Bismarck.

“Talvez a elite teatral nunca tenha pensado que isso pode acontecer num espaço favelado, com pessoas da favela, com uma encenação apropriada a partir das pessoas. A peça não teria essa formação com atores e atrizes de fora.”

Desde o início, Nem Todo Filho Vinga é sobre as experiências dos atores e atrizes que vieram a formar o elenco da Cia Cria do Beco. Mas sendo a Renata uma diretora negra, mãe, que mora em Bangu, trabalha na Maré e estuda na Unirio, no bairro da Urca, existem identificações também: “Eu frequento a Unirio, a universidade mais racista… do campo teatral mesmo, eu ando em corredores onde está escrito ‘pretos fedem’, onde está escrito KKK, várias coisas ali racistas, e que foram apagadas das paredes”. Para ela, com toda a experiência do Entre Lugares e outros espaços, seu papel hoje na universidade é questionar as referências eurocentradas dos conteúdos.

A indicação que ninguém esperava

Ao longo das apresentações do espetáculo em 2022, a diretora era informada da presença de jurados e juradas na plateia, mas nunca achou que haveria indicação. Não pela qualidade da peça, mas pelas características do prêmio: “O Shell não era o lugar que ia pegar uma pessoa de Bangu, uma pessoa preta de Bangu. (…) A gente sabe quando a gente está contando a história de uma maneira interessante, como eu acho que é a história do Nem Todo Filho Vinga, mas por conta de todos esses atravessamentos sociais não me passou pela cabeça ser indicada pelo prêmio Shell”.

Renata (no centro) com elenco e produção do Nem Todo Filho Vinga, na premiação.

Por fim, a peça foi indicada tanto como melhor direção como na categoria “Energia que vem da gente”, comparecendo com grande parte de sua equipe no evento e levando para Bangu e para a Maré o pesado prêmio Shell carregado em outros lugares da cidade há 33 anos. O Prêmio Shell não é, para Renata, um prêmio dela, e por isso ela utilizou seu discurso para agradecer, e marcar uma vitória do povo preto.

“É só o que eu posso fazer, agradecer, porque isso não é uma conquista só minha, não é uma conquista também das pessoas que estão perto de mim, mas a conquista de toda uma comunidade, de toda uma população que é maioria mas é tida como minoria. (…) É uma reparação de uma parte. Me sinto uma pequena célula de reparação nessa história toda”.

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