
PROIBIDO JOGAR LIXO: a migração do lixo na Maré e soluções paliativas
Texto por Carolina Vaz
Entrevistas: Ana Cristina da Silva, Carolina Vaz e Christóvão Carvalho
Foto de capa: Ana Cristina da Silva
Já faz algum tempo: não se anda 10 minutos na favela sem ver uma placa informando que é proibido jogar lixo ali, geralmente um ponto onde já houve acúmulo de lixo. Porém, basta caminhar um pouco mais para encontrar um novo ponto de descarte, que dali a uma semana pode já não existir em virtude de uma nova placa. Há meses os moradores da Maré vêm convivendo com essa situação, enquanto faltam na favela papeleiras e caçambas maiores para o descarte.
Segundo três presidentes de associação de moradores, o caminhão da Comlurb passa diariamente nas favelas, embora não circule todos os dias em todas as ruas. Favelas maiores, como Vila do João e Nova Holanda, contam com uma coleta que alterna os dias, mas mesmo assim ela acontece em todas as ruas pelo menos três vezes na semana. Porém, continuamos a ver o lixo doméstico “jogado” em alguns pontos específicos.

Um desses pontos, visitado pela equipe do Jornal na metade deste mês, é uma passagem subterrânea entre o Morro do Timbau e a Vila dos Pinheiros, na altura do Pontilhão. Alternativa à passarela da Linha Amarela, a passagem é muito utilizada por pedestres e motociclistas, pois permite a travessia rápida. Uma dessas pessoas é a Leonice Oliveira, secretária de 33 anos, moradora do Pinheiro, que passa ali todo dia. Segundo ela, foi de fevereiro para cá que aumentou a quantidade de lixo ali, possivelmente por causa de uma nova placa, em outro lugar, que acabou com um ponto de lixo. “Teve uma vez que me assustou. Eu passei num dia, não tinha nada, no outro tinha uma montanha! Muito alta mesmo… e um cheio muito forte. E crianças passando para ir à escola, junto com muita moto, as crianças tiveram que ir pro meio do lixo pra poder passar”, relata.

A passagem é estreita; não chega a ter 3 metros de largura. Mas com o lixo ali e o fluxo constante de motos, o espaço para o pedestre fica ainda menor, correndo o risco de ter contato físico com a “montanha” de lixo. Observando o local, notamos que há tanto lixo em sacolas, que pode ser doméstico, como resíduos espalhados e até um vaso sanitário. Há muitas cinzas também, pois criou-se o hábito de queimar o lixo presente ali.
Saindo dessa passagem, não é preciso caminhar nem três minutos para encontrar um novo ponto de acúmulo de lixo, muito maior e frequentado por vários animais. Na Avenida do Canal, sentido Linha Vermelha, encontra-se um terreno que parece ter se tornado um lixão. Nele encontramos porcos adultos e filhotes, cachorro, pombos e urubus, todos mexendo no lixo, e atraindo muitas moscas. A equipe do jornal chegou a flagrar pessoas deixando grandes pedaços de madeira e um sofá. Segundo a Leonice, ali já houve caçambas, mas foram retiradas.

Um morador, que aqui não será identificado, aproximou-se da equipe para comentar sobre o local. Ele contou que já reclamou daquele ponto várias vezes para o 1746, o canal oficial da prefeitura, mas não resolveu. Para ele, um dos motivos de haver aquele acúmulo é a falta de lixeiras e caçambas nas ruas. O que mais choca o morador é exatamente ver todo tipo de descarte misturado: lixo “normal”, móvel, madeira. Aparentemente, tudo que não querem mais deixam ali. Outro fator, muito preocupante, é a proximidade do “lixão” com uma Clínica da Família, a Adib Jatene, a menos de 300 metros dali. Ele frisou que, enquanto não resolverem ele vai continuar reclamando: “Eu vou com a minha reclamação lá onde tem a sede da Comlurb! Me falam ‘ah mas só precisa ir na associação’. Mas eu vou lá porque eu tenho direito!”. Morador da Baixa do Sapateiro, ele comenta que onde mora a situação melhorou em virtude das novas caixas compactadoras da Comlurb, mas ainda se incomoda muito com o Pinheiro.

Se o morador da Baixa se incomoda, imagine quem tem residência e comércio ali perto. É o caso de Waldemar Farias, de 57 anos, que acaba de abrir um bar na rua. Para ele, só jogam lixo ali por falta de local adequado. “Isso não era para existir, não. Era para ter organização deles, botar um latão para não deixar tudo no chão. Se tivesse lugar para botar o lixo… Ninguém saía de casa para jogar ali”. Para ele, que pensa em começar a servir refeição no bar, o sentimento é de apreensão. Segundo o seu Waldemar, todos os comerciantes por ali reclamam do lixão que se formou.
As novas caixas compactadoras
De fato, a paisagem na favela muda muito rapidamente. Há cerca de dois meses, havia um ponto de lixo na Avenida Paris, ao lado da Escola Bahia. Hoje, há no lugar três caçambas, que a Comlurb está instalando nas favelas e chama de “caixa coletora”. Um dos presidentes de associação de moradores que esperam por elas é o Índio, da Vila do João. Ele relata que, junto ao gerente da Comlurb no território, já mensurou 42 pontos estratégicos onde as caixas poderiam atender toda a população das 18 ruas e 24 travessas da VJ. “Eu ainda estou aguardando. Eu acho isso melhor do que as pessoas estarem jogando lixo no chão…. Vai dar uma amenizada boa”.

As caixas seriam, então, um complemento à coleta de lixo que a Comlurb já faz diariamente na Vila. Lá, o caminhão passa alguns dias de um lado da favela, da Rua Quatorze (também chamada de Principal) até a altura da UPA, e outros dias do outro lado, da Rua Quatorze até o limite com o Conjunto Esperança. Sempre de manhã, de sábado a domingo, acrescentando-se também o dia da feira (quinta-feira), quando o caminhão passa novamente, por volta das 17h.
Já a varredura da VJ é feita por cinco garis, mantidos pela própria associação, a AMOVIJO. “Eles fazem o que dá para fazer… O que eu priorizo mais é a principal, as ruas adjacentes que têm um fluxo maior de pessoas, mas é difícil”. Ele pensa também que é importante uma campanha educativa para as pessoas respeitarem o horário de deixar o lixo nas portas, mas muitos não respeitam. Com as caçambas, quem não pode descer o lixo no horário do caminhão poderá descartar em um local adequado.

Instruir a população é um desafio também para o Gilmar Rodrigues Júnior, o Juninho, presidente da Associação da Nova Holanda. “Uma criança a gente consegue educar, mas reeducar um adulto é complicado”, ele opina. Para a varredura ele também só conta com os 4 garis mantidos pela associação, que varrem e limpam os ralos começando às 8h até por volta das 16h. O volume é grande já que na NH são cerca de 65 ruas. A coleta nos domicílios já fica por conta da Comlurb que faz uma parte das ruas na terça, quinta e sábado e outra na segunda, quarta e sexta. Segundo Juninho, a própria associação fez campanhas de “proibido lixo”, acabando com alguns pontos de acúmulo como no Tijolinho. Ele aguarda a chegada das caçambas, uma vez que os locais para instalação já foram sugeridos, mas ainda não sabe quando vai será e expressa receio sobre como será usado. “O caminhão não leva entulho e o que vai ter de entulho nessas caçambas… cama, sofá, o caminhão não pega isso”.
É por esse motivo que as caçambas foram recusadas pelo presidente da Associação do Parque Rubens Vaz. Wilmar Gomes, o Magá, tem feito uma intensa campanha para não haver lixo na rua, chamando a atenção com seus cartazes.

Para ele, a coleta do lixo diária pela Comlurb é suficiente se a população também colaborar. Lá, também há um funcionário para varrer as ruas, que são três, e o caminhão da coleta passa todos os dias pela manhã, portanto a sua orientação é colocar o lixo doméstico na porta de casa até às 7h. “Depois que o caminhão passou, não bota mais lixo na rua”, ele reforça. Sobre as caixas coletoras, ele contou que não aceitou porque pensa que os moradores não iriam respeitar a finalidade delas e jogariam entulho e mobília. Magá explicou ainda que se o morador quiser descartar entulho, basta falar com a associação, que vai pedir o tratorzinho da Comlurb.

É para a higiene deles mesmos. Por exemplo, eu tenho o meu neto. Se o meu neto quiser brincar na rua, a rua está limpinha. E para os filhos dos moradores também! – Magá, presidente da associação do Parque Rubens Vaz
Coletar resolve?
Para Leonice Oliveira, o problema do acúmulo de lixo em alguns pontos tem duas origens: as pessoas que não respeitam o horário em que o caminhão passa nas casas e a falta de caçambas, lixeiras ou qualquer solução do serviço público. Com a multiplicação das placas de proibição, os moradores da rua dela já começaram a se educar para colaborar. Ela conta: “Alguém fala ‘olha o lixeiro’. Aí, todo mundo desce. Ele para o caminhão e espera o povo vir para poder jogar lá dentro. (…) Mas também tem as pessoas que moram em becos em cima do morro, não tem como descer correndo”. Mesmo assim, segundo ela, em alguns casos, minutos após o caminhão passar, alguém desce uma sacola de lixo que vai ficar até o dia seguinte exposta.
Aparentemente, a Comlurb atende todas as favelas fazendo a coleta de lixo domiciliar, mas o problema está também no destino desse lixo. A empresa possui a Divisão de Limpeza Complexo da Maré em sua estrutura administrativa, e um terreno na comunidade em frente à associação da Nova Holanda. Ali não há controle de quem entra e quem sai, portanto, ao mesmo tempo em que se vê o caminhão despejando o lixo coletado, há moradores que levam diretamente para lá e, ainda, pessoas que usam o espaço para abrir as sacolas de lixo e pegar resíduos para si.

O fato leva ao questionamento: apenas coletar beneficia toda a população, se o lixo coletado pode se tornar o alimento de alguém, pode transmitir doenças e obrigar a conviver com o mau cheiro?