Retrato de Marielle: idealizadora da exposição participa de roda de conversa no Museu da Maré

Geral, Memória

Por Carolina Vaz

O Museu da Maré expõe, desde 10 de Novembro, a exposição Retrato de Marielle, uma homenagem, em fotografias com desenhos, à ex-vereadora mareense Marielle Franco, assassinada há nove meses. Mas essa exposição tem algo de especial: as obras não são originalmente brasileiras. Foram feitas por 20 jovens quenianos, orientados pela “artivista” Ng’endo Mukii, também queniana. Essa história foi contada pela própria Ng’endo no dia 08 de Dezembro no Museu.

A história de Marielle atravessou o Oceano Atlântico e chegou ao Quênia e a Ng’endo através da rede E-voices, que trabalha tecnologias digitais para mobilização em diversos países. No Brasil, participa o Programa de Pós Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF). Andrea Medrado, professora do Programa, foi quem viabilizou a vinda de Ng’endo ao Museu.

A queniana trabalha produzindo animação documental: um tipo de documentário, mas em animação, utilizando também fotos. Seus trabalhos têm poucas gravações em vídeo. No Quênia, Ng’endo utiliza suas obras para questionar a representação de indígenas nas mídias e a imposição de padrões de beleza. É o caso de seu filme Yellow Fever (Febre Amarela), que fala sobre o uso, pelas mulheres quenianas, de um produto que clareia a pele. No filme, ela conversa com sua mãe e sua sobrinha sobre isso, além de retomar lembranças de sua adolescência. Para Ng’endo, uma das vantagens da animação é, por não mostrar muitas pessoas reais, evitar que o personagem seja visto por estereótipos. Ou seja, evitar que os espectadores fiquem buscando características padrão neles, como é o caso dos indígenas. Muitas vezes o documentário coloca a pessoa como “o indígena”, “o africano”, como se as pessoas não fossem diferentes entre si.

Ao centro, Ng’endo Mukii mostra a obra Yellow Fever. Foto: Carolina Vaz

Foi em Agosto deste ano que Ng’endo realizou uma oficina com 20 jovens em Nairóbi, capital do Quênia, sobre Marielle. Os 700 desenhos feitos em cima de retratos da mareense não foram repentinos nem aleatórios: o grupo passou quatro dias em produção, discutindo o ativismo de Marielle. Segundo Ng’endo, os participantes associaram a história de execução de Marielle à situação política no Quênia, e sentiram identificação. Foi sentindo essa perda – de uma mulher forte, ativista dos direitos humanos e defensora dos pobres e das mulheres – que eles desenharam, pintaram e escreveram em cima de retratos de Marielle impressos, com frases como “Proud to be favelada” (Orgulho de ser favelada). Também foi produzido um vídeo, Retrato de Marielle, também em exibição no Museu.

As imagens têm desde pintura com pequenos pontos até frases de impacto sobre os retratos. Foto: Carolina Vaz

Ng’endo falou sobre a experiência de ver seu trabalho exposto no Museu, exatamente no bairro onde a homenageada cresceu:”Foi muito emocionante para mim poder vir aqui e compartilhar o trabalho que fizemos no Quênia, porque as pessoas para quem a Marielle era mais importante estão aqui. Para mim, quando fizemos o filme de Wangari Maathai, embora todos tenham gostado de fazer o filme, não puderam entender o que foi para mim ter crescido com essa pessoa e vê-la celebrada desse jeito. Então, para mim, ao estar aqui com o filme de Marielle, eu sei que eles sentem algo muito bonito e que essa sinergia está acontecendo, há um poderoso sentimento que eu não posso entender. Na verdade, quando eu entrei na exposição onde estão as fotos e o filme, eu não pude entrar porque a energia era muito forte e eu senti que ia começar a chorar, então eu tive que sair. Mas eu sinto que a exposição está levantando muitas emoções para as pessoas que vêm vê-la, e é muito importante para mim estar aqui”.

Uma das 700 obras produzidas pelo grupo queniano em Agosto. Foto: Carolina Vaz

Agora, Ng’endo Mukii está em “residência artística”, que é quando a pessoa dedica um tempo, como alguns meses, a seu desenvolvimento artístico num projeto específico. Ela passa um tempo em Salvador, onde reproduziu a mesma experiência feita no Quênia sobre Marielle, mas dessa vez com jovens de Salvador homenageando a ativista de direitos humanos e ambiental Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2004, falecida em 2011. Os jovens produziram 550 imagens em três dias, além de uma animação, como no caso de Marielle.

A exposição Retrato de Marielle segue em exibição no Museu da Maré até final de janeiro.

 

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