Um Olhar Azul: artista do Pinheiro abre exposição sobre autismo
Por Carolina Vaz
Foto de capa: Raysa Castro
Uma nova exposição na galeria do Museu da Maré permite entrar no universo do TEA, o Transtorno do Espectro Autista. Trata-se de “Um Olhar Azul”, que faz parte do Programa de Exposições Temporárias de Artistas Mareenses no Museu. O artista, desta vez, é o angolano Eufrásio Torres Neto, morador há 20 anos da Vila do Pinheiro. Na abertura da exposição em 10 de abril ele pôde, orgulhosamente, explicar cada obra e cada detalhe ali instalado.
Experiência de TEA
Em “Um Olhar Azul”, o visitante tem direcionados seu corpo e seu olhar a uma vivência do autismo. Logo no início da exposição, ele apresenta personalidades que têm o Transtorno do Espectro Autista, como a cantora Sia e o ator Anthony Hopkins.
Em seguida, uma série de apresentações de como é ser autista: observar quebras de padrão num mosaico; ser o único a se distrair num grupo “ordenado”; ter diferentes sensações com as diferentes texturas que existem no mundo. Uma pintura de um astronauta tenta mostrar esse “mundo” do autista, que pode ser ou parecer fora de órbita, assim como o símbolo do infinito traz uma percepção da realidade que, nas pessoas com TEA, é infinita.
A inspiração estava dentro de casa
“Um olhar azul” é a primeira exposição autoral de Eufrásio. Ele é pintor, letrista, cartazista e designer gráfico, tendo uma empresa que presta esses serviços, mas também já tinha participado como artista visual de outras exposições, uma delas na Fiocruz. No Museu da República, por exemplo, assinou uma enorme reprodução da placa de Marielle Franco num painel, na exposição Marielle Marés, em 2023. Foi nessa época que soube que o Museu da Maré estava convocando artistas do território para exporem. “Eu não estava nem preparado pra expor o meu trabalho, trabalhar como artista solo, porque sempre trabalhei com outros artistas. Depois me veio uma ideia: eu pensei no meu filho, que é autista. Então me veio a ideia de expor o autismo, comecei a trabalhar nisso”, conta Eufrásio.
Seu filho Pedro, de 6 anos, vem apresentando ao pai uma nova visão de mundo, com gostos e rejeições específicos, com sua particular reação a tudo que acontece. Foi exatamente o que Eufrásio quis levar para o Museu: a maneira de pensar, de observar e de fazer de uma criança autista. No caso, o Pedro, pois cada vivência é diferente.
O azul é a cor que representa o TEA, tendo sido assim designada porque, estatisticamente, atinge mais indivíduos considerados meninos ou homens. Mas, por coincidência, azul também é a cor favorita do Pedro: ele se interessa por tudo que é azul, assim como se interessa por todo tipo de letra. As letras são o “hiperfoco” do pequeno Pedro, ele gosta de manuseá-las e se deixar é o que ele faz o dia inteiro. Sem falar, ele consegue mostrar tudo que gosta e que não gosta. Ele, que tinha acompanhado o pai na preparação da exposição na véspera, estava empolgado na abertura, interagindo com as obras.
A exposição de Eufrásio também traz outras criações, porém de outros artistas, todos com TEA: Pedro Gammaro, Lucas Ksenhuk, Iris Halmshaw e Augusto Magussi. A variação entre detalhes e abstrações permite compreender como o autismo realmente é um espectro com múltiplas manifestações.
Uma mensagem de amor e empatia
Promover uma vivência do autismo através de obras de estilos diversos não é o único objetivo do artista angolano.
“A mensagem que eu quero passar aqui é que se as pessoas pudessem pelo menos pensar, ou se colocar no lugar de uma pessoa autista, como essa pessoa se sentiria se olhassem ela diferente? Se te olhassem de maneira diferente, como você se sentiria?” – Eufrásio Torres Neto, artista visual
Para ele, as pessoas precisam compreender como é para que tenham mais paciência e empatia com quem tem TEA, atitudes que podem ser raras até mesmo entre pais e mães de crianças autistas: “Muitos familiares que convivem com autistas, infelizmente, vêem como um problema. Não é um problema. De repente é uma oportunidade que você está tendo de se conhecer melhor”. Conviver com o “mundo” do Pedro trouxe a Eufrásio novos ensinamentos sobre amor. Quando ele chega do trabalho cansado e recebe um abraço e um beijo do filho, acaba ali o seu cansaço, e eles ainda brincam. “Ele mostra o amor dele através de gestos, e isso é toda hora”, conta. No fundo, o objetivo da artista é conscientizar as pessoas para que tenham mais amor para com o próximo, sem movimentos de rejeição ao “diferente”, mas apenas amar e receber amor de volta.
A exposição pode ser visitada na galeria do Museu da Maré, até 08 de maio, de terça a sexta-feira, das 10h às 13h e das 14h às 17h.