Volta às aulas presenciais na Maré: os benefícios e desafios

Educação, Notícias

Por Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

No Rio de Janeiro as redes municipal e estadual de educação retomaram as aulas no dia 7 de fevereiro, com modelo 100% presencial. As instituições de ensino devem seguir o protocolo sanitário, recentemente atualizado, da Secretaria Municipal de Educação (SME), que definiu novas medidas de prevenção contra a Covid-19 nas escolas. Os estudantes, a partir dos 6 anos, vêm fazendo uso obrigatório da máscara e as instituições de ensino seguem, obrigatoriamente, disponibilizando álcool em gel 70% para a higienização das mãos nas entradas e em locais de maior circulação. O retorno das aulas, na Maré, é uma experiência diferente para cada família e unidade de educação, a depender da idade da criança e até do contexto de cada escola e família. Vale lembrar que há cerca de um mês a prefeitura iniciou a campanha de vacinação contra a Covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos, mas o ritmo lento levou a novas iniciativas de busca para garantir um retorno mais seguro.

A experiência de cada família

Aline dos Santos Nascimento, moradora da Nova Holanda, tem dois filhos em idade escolar: Matheus Pietro, de 5 anos, e Paulo Victor, de 15. Ambos estão vacinados. Segundo ela, em 2020 o filho caçula estava frequentando o EDI João Crisóstomo e parou com a pandemia, assim como não pôde voltar em 2021 porque a professora engravidou. Agora retornou, e nas primeiras semanas está passando pela adaptação das crianças menores, então ele entra 08h e sai 12h. Nesse caso, a escola comunicou aos responsáveis sobre os cuidados: cada criança tem seu copo e sua toalha, há distanciamento na hora das refeições e a unidade disponibiliza sabão líquido e álcool gel.

Uma situação bem diferente do filho do meio, Paulo Victor. Matriculado no Colégio Estadual João Borges de Moraes, para ele ainda não há previsão de volta. “Ele está matriculado na João Borges, mas vai começar as aulas só Deus sabe quando, porque há cinco anos a escola está com risco de incêndio, não consertam e ela está comprometida”, afirma Aline. Paulo Victor não teve aulas presenciais durante todo o ano de 2020, e só no final de 2021 voltou a frequentar, em dias alternados No período remoto, os professores passavam as atividades pra fazer em casa, mas “não ajudou nada”, segundo a mãe. Agora em 2022 ele começa o segundo ano do Ensino Médio.

Aline do Nascimento e o filho Paulo Victor: ainda esperando o retorno da escola de nível médio. Foto: Carolina Vaz.

Aumento da evasão e exclusão escolar na pandemia

A decisão de retomar um modelo de ensino 100% presencial vem também da tentativa de lidar com alguns problemas que foram agravados desde o início da pandemia, como o aumento da evasão e exclusão escolar devido às dificuldades encontradas no ensino remoto, principalmente entre as crianças de famílias com maior vulnerabilidade social. O contexto também gerou maior desigualdade de aprendizado entre crianças de uma mesma turma.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid-19) do IBGE, realizada por telefone no período de maio a novembro de 2020 o número de crianças em idade escolar no país que não estavam na educação básica, que era de 1,1 milhão em 2019, atingiu a faixa de 5 milhões em 2020 devido à pandemia. Destaca-se que 40% dessa nova fatia é composta por crianças entre 6 e 10 anos e que as faixas etárias que têm o maior índice de exclusão escolar são de 4 a 5 anos e de 15 a 17.

Essa segunda faixa etária corresponde à de Paulo Victor, filho de Aline do Nascimento. Segundo ele, a volta em 2021 foi boa, mas o ponto negativo é que foi por pouco tempo. “A escola voltou só no final do ano. Aí como eles não sabiam que a gente não tinha aprendido quase nada no primeiro semestre, chegou no final eles deram muitas coisas, vários trabalhos pra recuperar a nota. Isso foi bom”. Mesmo assim, a família vai tentar a transferência do adolescente, tanto pela questão de não ter aulas quanto para que ele possa ter parte do dia livre: “Tem que ir [para outra escola], porque se eu ficar naquela escola vou pegar de sete até cinco da tarde, aí pra poder treinar ou fazer um Jovem Aprendiz não vou poder ficar lá”. Além da escola, Paulo Victor também se dedica a treinar futebol. Nenhuma das duas escolas pediu o cartão de vacinação dos estudantes, mas Aline já levou ambos para vacinar, mesmo estando agora um pouco desconfiada do imunizante: “Pra ser sincera, eu não confio muito na vacina. Acho que se protegesse não estaria na terceira dose, depois vai para quarta, quinta… Então para mim não protege, porém se é a norma eu estou dando”.

Vacinação Infantil impulsionada

Apesar de não estar sendo exigido que os estudantes apresentem a carteira de vacinação contra Covid-19 para participarem das aulas, a conscientização da vacinação infantil vem sendo trabalhada com os responsáveis de cada criança. No Rio de Janeiro o calendário de vacinação da faixa etária de 05 a 11 anos teve sua primeira versão encerrada no dia 08 de fevereiro com menos da metade de seu público atingido. Para melhorar os números, a Prefeitura do Rio, por meio das secretarias de Educação e de Saúde, lançou o programa “Vacina na Escola”, que começou na última segunda-feira (14) na rede municipal de ensino. O programa vem viabilizando, mediante a autorização dos responsáveis, a aplicação do imunizante dentro das escolas para as crianças que ainda não tomaram. De acordo com dados atualizados no dia 15/02, na segunda semana do mês a vacinação foi impulsionada, registrando que 58% do público entre 05 e 11 anos já recebeu a primeira dose, o que equivale a 326.032 crianças.

A vacinação da filha de 9 anos foi um dos fatores de maior tranquilidade para o retorno diário à escola, para Cheila de Oliveira, moradora também na Nova Holanda. Sua filha, Júlia, está atualmente no 4º ano do Ensino Fundamental. No ano passado, ainda sem vacinar, ela já havia voltado, e Cheila superou seus receios quanto a isso: “No começo eu fiquei com medo, mas depois eu falei: ‘não, vou pôr nas mãos de Deus’. E é até melhor pra ela, pra se desenvolver mais, eu fiquei bem tranquila a respeito disso”

A E.M. Osmar Paiva Camelo, uma das unidades de educação infantil da Maré. Foto: Ana Cristina da Silva.

Segundo a mãe, o maior desafio para estudar remotamente foi o acesso à internet, pois além de não ter wi-fi em casa só tinha um celular, mas a família “foi se adaptando”. Não havia aula ao vivo: a professora mandava conteúdos e trabalhos, a criança fazia no caderno e enviava. Já as avaliações ela foi fazer na escola, a Escola Municipal Osmar Paiva Camelo. Para além do estudo, manter uma criança dentro de casa foi um desafio: “Mudou toda a rotina da gente, não pode sair, aí ela ficava agitada, queria brincar e não podia. Mas a gente foi indo, tendo paciência até que deu certo, até agora a gente tem conseguido manter o ensino. Não parou nenhum segundo, não pensei em desistir”. Ela percebe que, agora, prestes a voltar às aulas presenciais, a filha está muito mais interessada. Suas aulas retornam no dia 21 de fevereiro, e além da tranquilidade proporcionada pela vacina Cheila recebeu a garantia de que será um ambiente de higiene, com os professores e crianças usando máscaras e o distanciamento mantido tanto na sala de aula quanto no refeitório.

E os menores? Os desafios da educação infantil

O Rio ainda tem muitas crianças de 0 a 4 anos sem vacinação prevista contra a Covid-19. Essa fragilidade se alia ao próprio comportamento das crianças, novas demais para compreender completamente o risco de suas interações, e exige cuidado redobrado das educadoras da Educação Infantil.

“Não tem como controlar, porque as crianças menores não têm a menor noção do que seja um coronavírus, do risco que elas correm quando elas mordem um pedaço de biscoito e dão outro pedaço pra um coleguinha, quando a chupeta cai no chão e ela coloca na boca de novo… então é full time esse olhar atento, é o tempo inteiro tentando fazer com que isso não aconteça”. A explicação é de Fernanda Medeiros, diretora adjunta do EDI Medalhista Olímpico William Peixoto Arjona. A unidade atende crianças de 6 meses a 5 anos de idade, sendo 12 turmas e um total de 300 alunos. A equipe adotou alguns protocolos, como a troca da máscara ao longo do dia; higienização das mãos antes de entrar na Unidade, inclusive dos responsáveis; caixinha de materiais individual de cada criança; e uso de máscara, mas este é dispensado para crianças de 3 anos e estudantes do público-alvo da Educação Especial. Além disso, recomendam que antes de se sair de casa haja aferição da temperatura e alunos com sintomas gripais não devem ir. Por atender crianças de até 5 anos, são poucos os que já tomaram a primeira dose da vacina, mas os que têm idade para isso poderão tomar no próprio EDI a partir de 21 de fevereiro, pelo programa da prefeitura.

Interior do EDI Medalhista Olímpico William Peixoto Arjona. Foto: arquivo de Fernanda Medeiros.

Fernanda destacou que o maior desafio é conter impulsos das crianças e as interações entre elas, uma vez a Educação Infantil é norteada pelos eixos das brincadeiras e interações. Estão passando agora por um momento de adaptação, inclusive para as crianças mais velhas que agora retornam à creche.

A posição é compartilhada pela professora articuladora Juliana Agostinho Ximenes, que atua no EDI Moacyr de Góes. Apesar de todas as orientações durante a pandemia, a realidade se impunha: “A gente percebia que as famílias não estavam conseguindo manter esse distanciamento, seja pela crença, seja pela realidade das casas que não possibilita [o isolamento]“. No ano passado, a unidade voltou com uma carga horária menor e a possibilidade do ensino híbrido, mas não teve nem 60% das crianças retornando, mesmo porque muitas famílias se mudaram do bairro. Agora, ainda não é possível mensurar quantas de fato vão voltar, uma vez que foram apenas duas semanas de aulas. Mesmo assim, a equipe tenta identificar se as ausentes de 2021 são as mesmas de agora. O EDI Moacyr de Góes atende cerca de 250 crianças entre 1 e 6 anos de idade (Berçário II até Pré-escola II).

Na opinião da educadora, o retorno em 2021 foi decidido com pouca participação da classe docente, e em certo momento acabaram distanciamento, rodízio e ensino híbrido, assim como os problemas de saúde deixaram de ser impedimento para o retorno dos professores, por já estarem vacinados. Mas ela avalia como positivo: “Diante das inseguranças o retorno foi bem intenso no ano passado, mas no fundo 99% da equipe já estava desejando o retorno. Isso por conta do ensino remoto, da dificuldade, e também quando a gente retornou a gente percebeu o quanto aquele espaço estava fazendo falta para as crianças, digo no sentido cognitivo de espaço de ensino e de aprendizagem. (…) A gente sabe do quanto é importante também, nutricionalmente, que essas crianças permaneçam na escola. Esse é um discurso que a prefeitura levantou muito forte para justificar esse retorno, mas ele é real. Pelo menos na minha unidade, a gente tem um percentual de crianças bem pobres e aquele espaço é um dos espaços que contribuem para uma alimentação melhor para essas famílias”.

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