Campeonato Favela Champions reúne mais de 200 atletas de boxe e artes marciais

Esporte, Notícias

Por Carolina Vaz

Colaboração de Ana Cristina da Silva e Raysa Castro

Foto de capa: Raysa Castro

Um campeonato de boxe e outras modalidades de luta, numa arena da melhor qualidade, com acesso gratuito e igualdade de oportunidades: essa foi a idealização do Favela Champions, primeiro evento do tipo apenas com atletas de favela, promovido pelo projeto Maré Unida, da ONG mareense Luta pela Paz. Realizado no último domingo (29) na Arena 1, Parque Olímpico da Barra, reuniu 248 atletas de 14 a 17 anos para lutar em 4 modalidades: boxe, muay thai, luta livre esportiva e jiu-jitsu.

Um deles foi o Matheus Henrique, morador da Nova Holanda de 17 anos, que luta muay thai desde 2019. Medalhista, ele representou o Luta na categoria de 16 e 17 anos, até 70kg, ganhando a primeira luta e perdendo a segunda. Acostumado a competir, ele não desiste do sonho de construir uma carreira no esporte: “Eu tenho o sonho de me tornar atleta de MMA profissional. Eu já treino jiu-jitsu, muay thai e luta livre esportiva, também já fiz taekwondo e capoeira”. Uniformizado com o traje de competidor, Matheus carregava a logo do Luta pela Paz na arena junto a centenas de outros beneficiários da ONG: foram pelo menos 200 crianças, adolescentes e jovens, participantes dos diversos projetos da ONG no Rio de Janeiro, que compareceram ao evento. Educadores esportivos, assistentes esportivos e outros treinadores também marcaram presença.

Os treinadores Maria Eduarda Pereira e Alan Neves com o atleta Matheus Henrique. Foto: Raysa Castro.

Foram uma manhã e uma tarde inteiras de lutas no tatame e nos dois ringues da arena. No total competiram 103 atletas do jiu-jitsu; 46 atletas do muay thai; 85 atletas de luta livre esportiva; e 14 atletas do boxe. Cada modalidade tinha 7 categorias: 4 de masculino e 3 de feminino. Durante a manhã, disputas de jiu-jitsu, muay thai e luta livre aconteciam simultaneamente, classificando os competidores para a final, que foi durante a tarde. No boxe só aconteceram lutas de final, várias delas contando com a narração do comediante e ator Whindersson Nunes, convidado como Mestre de Cerimônias do evento, que agitou o público e, ainda, fez a entrega de medalhas dos vencedores.

Whindersson Nunes fez a entrega de medalhas no pódio. Foto: Raysa Castro.

O diferencial de um evento para a favela

Os atletas de alto rendimento só conseguem se destacar, conquistar medalhas, troféus e cinturões, e ainda patrocinadores, mediante a participação em campeonatos, mas isso tem um custo. Um campeonato de jiu-jitsu, por exemplo, pode ter uma taxa de participação entre 80 e 240 reais por atleta, além dos custos de transporte e alimentação no local. Esse fato coloca a renda como um limitador para os jovens.

Eliminar essa barreira e colocar todos em condições iguais foi o objetivo quando Luke Dowdney, fundador do Luta pela Paz, idealizou o evento. Com 23 anos de experiência em campeonatos de luta, muitos deles realizados dentro da própria Maré, ele e a equipe da ONG começaram a pensar um evento de maior porte, que possa até crescer e ter continuidade: “Nós identificamos 147 academias de arte marcial e luta nas favelas do Rio de Janeiro e Niterói. Então a gente chamou as federações, fechamos com eles e chamou todo mundo pra participar”. A inscrição dos atletas ficou por conta das federações de cada modalidade. Além de ser um evento sem custo, Luke queria proporcionar o melhor ambiente, com a melhor estrutura para as competições, com bons ringues e tatames e uma boa equipe de apoio (médicos, socorristas, massoterapeuta) e que, ainda, desse visibilidade ao evento.

Luke Dowdney, fundador do Luta pela Paz, reuniu a experiência de outros campeonatos para a organização de um evento maior. Foto: Raysa Castro.

Quem também sentiu a diferença de um evento desse porte foi o ex-aluno do Luta pela Paz, hoje coordenador da área esportiva da instituição, Roberto Custódio. Ele participou da idealização de um evento que pudesse reunir quatro modalidades de luta, sem gerar custos nem aos competidores nem aos espectadores, numa arena de qualidade, um legado das Olimpíadas de 2016.

Roberto Custódio viu os alunos do projeto usufruírem das melhores condições de competição. Foto: Raysa Castro.

“A gente percebe que muitos grandes atletas são oriundos de comunidade e isso muitas das vezes não é bem explicitado dentro da mídia (…) A gente quer dar um cenário totalmente evoluído, de primeiro mundo, para eles terem uma vivência de subir num ringue, entrar num tatame e se desenvolver”.

Roberto Custódio, coordenador de Esporte do Luta Pela Paz

Como ex-atleta, e coordenando a área de esporte do Luta pela Paz há sete anos, Roberto vê o momento da competição como um ensinamento independente de se ganhar a luta: envolve saber perder, jogar limpo, respeitar o próximo e dar o melhor de si. Uma competição desse porte, para ele, é capaz de introduzir valores olímpicos nesses adolescentes, tais como exercer a união, fortalecer amizades e se tornar uma inspiração para familiares e para o seu território.

Um público focado em torcer

A limitação da faixa etária dos competidores não foi suficiente para limitar a presença de público. Da arquibancada, ao longo do dia surgiam cada vez mais crianças, adolescentes e adultos para assistir às finais do campeonato e torcer. Dezenas dessas crianças saíram da Maré: eram os alunos do projeto Educar pelo Esporte, da Vila Olímpica, que lá praticam atividades como jiu-jitsu, muay thai e karatê. O coordenador do projeto, Celso Roberto de Lima, falou sobre a iniciativa de levar os alunos para prestigiar o evento: “Trazer eles motiva a continuar no esporte e se tornarem competidores, porque o projeto é mais voltado para o lúdico, não tanto para o competitivo. Hoje eles vieram como espectadores mas em algum momento podem querer competir”.

Uma das alunas, mas da equipe de adultos, que decidiu ir também foi a Luana da Costa, de 32 anos, praticante de karatê há 20 anos, sempre na Vila Olímpica. Hoje, ela é estudante de Educação Física, com o objetivo de se aperfeiçoar como profissional. “O karatê me dá forças para querer ser alguém na vida, foi através dele que eu tive essa vontade de entrar pra faculdade e virar atleta, professora”.

Público gritava o nome do atleta e sugeriu o que deveria fazer para ganhar. Foto: Raysa Castro.

A Luana fez parte de uma enorme torcida, a torcida do Luta pela Paz, onde estava também a lutadora de muay thai, bicampeã estadual do esporte Raquel Lins. Aos 19 anos, desta vez ela não foi competir, mas sim prestigiar os amigos que lutariam. Ela teve a oportunidade, inclusive, de ser corner na apresentação de muay thai dos colegas Yan Gabriel e Erick Eduardo, do time de Atletas com Deficiência (ACD) da ONG. Nas demais lutas, fez coro na torcida.

Raquel Lins, bicampeã estadual de muay thai, fez coro na torcida que motivava os atletas. Foto: Raysa Castro.

“Só entende luta quem luta, e o apoio é muito importante porque para a gente subir no ringue é uma luta muito grande, tem toda a preparação, os treinos são muito intensos. Então, você ter alguém ali te apoiando, gritando seu nome, é muito importante para não desistir”.

Raquel Lins

Torcida, inclusive, não foi obstáculo para Pedro Prodígio, atleta de muay thai da equipe Fênix Top Team, de Quintino. O adolescente de 15 anos tinha uma torcida de cerca de 12 pessoas só para ele, da própria mãe à namorada do amigo, todo mundo devidamente uniformizado como membros da torcida. Segundo a mãe, Letícia Moretti, em três anos no esporte o filho mudou muito, tornando-se um adolescente disciplinado e focado. O ouro do Pedro Prodígio na categoria dos 60kg masculino valeu todo o nervosismo da mãe: “É tudo, ver a felicidade dele é maravilhoso, ver ele no ringue… eu fico nervosa mas eu gosto muito. Ele ama o muay thai”.

Pedro Prodígio (centro) com sua torcida. Foto: Raysa Castro.

Quem também levou o ouro foi Pérolla Diva, de 16 anos, campeã do boxe na categoria 54kg cadete. Moradora de Benfica, foi uma das 6 medalhistas do projeto Usina de Campeões, ao custo de muita adrenalina segundo ela: “A adrenalina é muito grande, mas a sensação de vencer é muito boa, juro!”. Bicampeã de boxe no estado do Rio, prata no campeonato brasileiro de 2022 e bronze no de 2023, agora ela pode se considerar a melhor boxeadora de sua categoria entre equipes de favela.

Pérolla Diva levou o ouro do boxe para casa,em Benfica. Foto: Raysa Castro.

Patrocinado pela Lei de Incentivo ao Esporte do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria estadual de Esporte e Lazer, e pela Petrobras, o evento ainda contou com a presença de algumas autoridades que foram prestigiar. O secretário de estado de esporte e lazer do Rio de Janeiro, Rafael Picciani, comentou a importância de haver ferramentas para apoiar o esporte, como a Lei de Incentivo ao Esporte, e desejou sucesso a todos os atletas. Também se fez presente José Maria Rangel, gerente-executivo de Responsabilidade Social da Petrobras, que falou da satisfação da empresa em patrocinar o projeto, numa seleção competitiva mas que confere um selo de qualidade.

Após a entrega de todas as medalhas, o evento foi finalizado com a apresentação do grupo de dança mareense Dance Maré, que utilizou o ringue para se apresentar e animou o público, principalmente de crianças.

Dance Maré agitou o fim do evento. Foto: Raysa Castro.

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