Carisma e dedicação: a história dos feirantes da Maré

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Dia 25 de agosto é o dia do feirante, profissional que utiliza o bom humor e a simpatia para atrair a clientela

Entrevistas: Ana Cristina da Silva e Carolina Vaz

Texto por Ana Cristina da Silva

Na semana passada, dia 25 de agosto, comemorou-se o dia do feirante. A data foi escolhida graças à primeira feira livre que aconteceu no ano de 1914, em São Paulo. Para o Conjunto de Favelas da Maré, essa é uma data que merece atenção. Afinal, é impossível falar sobre a cultura do território sem mencionar as tantas feiras que se propagam pelas ruas com seus sons, cores e histórias que marcam diferentes gerações de moradores. Um bom exemplo dessa tradição é a feira da Teixeira Ribeiro, que acontece todos os sábados e conta com a presença de feirantes e compradores de dentro e fora da favela.

Tendo começado no ano de 1965, a feira da rua Teixeira Ribeiro foi crescendo e se consolidando com o tempo. Com boa parte da população mareense formada por nordestinos, os primeiros anos desta feira foram marcados pela venda de carnes, queijos e legumes, produtos típicos do Nordeste. Atualmente, a feira localizada na comunidade do Parque Maré, é muito maior e bem mais diversa. Suas extremidades são a prova disso, já que ela se inicia às margens da Avenida Brasil com a venda de acessórios para equipamentos eletrônicos e se encerra somente na esquina com a rua Principal, na frequentada barraca de pastel e caldo de cana. Com tantas barracas e produtos, a feira ainda se estende para a rua Flávia Farnese com a venda de frutas, verduras e milho assado.

Rua Teixeira Ribeiro no ano 2000. Foto: Deise Lane.

Ambiente familiar

Com tantos anos de história, a feira do Parque Maré é marcada não só pela sua diversidade como também pelas figuras familiares que ali trabalham todos os sábados. Enquanto a dona Maria da Penha, de 65 anos, vende temperos desde a sua juventude, a dona Arenilda Gomes já alimentou diferentes gerações de mareenses com suas famosas pamonhas, que estão à venda no mesmo local há mais de 20 anos. Com 63 anos, ela sempre contou com a ajuda do seu marido, seu Sebastião Garcia. Já Dona Penha, compartilha os dias de trabalho com sua sobrinha Andreia: “Já é tradição para as mulheres da família. Minha mãe e minhas tias sempre venderam tempero, sempre trabalharam na feira com isso. Ela (Dona Penha) continuou, mas as outras pararam com o tempo”, diz Andréia enquanto ajuda a tia atendendo os clientes da barraca.

O casal Sebastião Garcia e Arenilda Gomes vendem pamonha há 22 anos na feira da Teixeira. Foto: Ana Cristina da Silva.

Como nem só de alimentos vive a feira da Teixeira, Sandra Regina, de 56 anos, tem seu próprio bazar de roupas. Pode até não ser feirante a muito tempo como Maria Penha e Arenilda, mas é conhecida pela grande maioria que passa por sua barraca. Afinal, ela é mareense de carteirinha, ou, como prefere dizer, é “veterana da Nova Holanda”. Já trabalhou em gráfica e foi passadeira de fábrica, mas já faz 6 anos que garantiu o seu cantinho na feira do bairro e adora o que faz. Ofertando roupas com preços acessíveis, Sandra ainda recebe algumas encomendas, principalmente por conta das roupas de festa que oferece para seus clientes. “Vem gente da Ilha do Governador, cliente. A menina postou uma foto pra mim lá em São Pedro da Aldeia com o meu vestido no casamento, que elogio né. Ainda postou um vídeo falando ‘comprei na barraca da minha amiga’”, comenta feliz.

Sandra Regina oferece roupas para todos os gostos em seu bazar. Foto: Ana Cristina da Silva.

Profissão de gente guerreira

O trabalho do feirante não é para qualquer um. Na maioria dos casos, este é um trabalho que envolve acordar cedo e ficar horas de pé lidando com um grande número de pessoas. Carlos Alexandre, de 20 anos, atua como feirante há 2 anos. Para vir à Maré ele sai de sua casa em Caxias todos os sábados às 2:30 da manhã e só retorna depois das 20h da noite. Porém, apesar da rotina puxada, ele afirma gostar do que faz: “Eu também tenho uma loja de roupas, mas quem fica é o meu irmão. Eu trabalho na feira porque eu gosto mesmo (…) porque na feira tem mais alegria. A gente brinca, conversa, se diverte e descontrai a mente também”. Ao lado de seu vizinho e patrão, Carlos também trabalha em outras feiras vendendo frutas e legumes ao longo da semana. Tanto Carlos Alexandre quanto o casal da barraca da pamonha, tiram o seu sustento das feiras: “Tem 26 anos que eu vendo pamonha. Criei meu filho, formei meu filho, tudo com o dinheiro da pamonha”, diz dona Arenilda.

Apesar da feira ser um ambiente descontraído, inúmeras situações podem gerar estresse. Sandra Regina, por exemplo, chegou a sofrer algumas vezes com as chuvas repentinas que molharam mais de 50 peças de roupas, fazendo com que tivesse que levar todas para lavar e passar novamente. Enquanto isso, Dona Arenilda e Seu Sebastião, que trabalham na Teixeira aos sábados e às quartas no Parque União, passam o dia todo na feira e às vezes sequer conseguem ter tempo para comer algo devido ao constante movimento na barraca. “Se vender rápido, a gente vai embora cedo, agora se demorar a gente fica até umas 18h ou 19h da noite (…) Aqui quando está vendendo mesmo não dá nem pra almoçar, almoçar mesmo a gente só almoça no Parque União que a venda é bem menor”, afirma dona Arenilda.

Carlos Alexandre (à direita) traz três kombis cheias de mercadoria para a feira de sábado. Foto: Ana Cristina da Silva.

“Aqui é amizade total”

A feira é trabalho, diversão e descontração. Maria da Penha já está a tanto tempo vendendo seus temperos na Maré, que nem consegue lembrar com exatidão em que ano começou, mas afirma que foi em sua juventude. Como prova, sempre carrega a carteirinha feita pela associação do Parque Maré, que confirma sua história na região. Ela trabalha por distração e em apenas dois dias da semana, um na feira da Maré e o outro na de Caxias: “É só nesses dois dias porque eu sou viúva e aposentada. Eu faço mais para distrair a minha mente, porque eu não quis saber de mais ninguém, aí eu moro sozinha. Eu tenho meus filhos, né, mas cada um na sua casa”. Dona Penha poderia parar de trabalhar, seus filhos sempre pedem por isso. Porém, ela permanece porque gosta. “As pessoas já me têm como família, por causa dos anos em que eu trabalho aqui. O pessoal só passa assim ‘eu quero tanto. Eu vou ali e já volto’, aí eu preparo e quando eles vêm o tempero já tá pronto”.

Maria da Penha (à esquerda) e a sobrinha Andréia vendem diferentes misturas de tempero. Foto: Ana Cristina da Silva.

Tanto Sandra Regina quanto os demais feirantes afirmaram que aproveitam o local de trabalho para também comprar coisas para eles. Afinal, na feira da Teixeira há comida; brinquedos; bijuterias; roupas; calçados; bebidas e muito mais, tudo por um preço acessível se comparado com os valores encontrados nas lojas e supermercados do Rio de Janeiro. “Faço amizade com todo mundo, às vezes eu compro ali (barraca da frente), comprei uma calça ali mês retrasado. (…) O que ela vende eu não vendo, ela vende o dela e eu vendo o meu. Quando eu não tenho algo eu mando o cliente pra ela e quando ela não tem ela manda pra mim. Somos amigos”, diz Sandra.  

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