Perfil: Julinho, mestre de bateria da Maré

Cultura, Geral, Música

Por Carolina Vaz

Foto de capa: José Bismarck

Na sexta-feira desfile na Estácio de Sá, no domingo Unidos da Tijuca, na segunda-feira Gato de Bonsucesso e na terça Flamanguaça e quem mais precisar… Essa é a programação de Carnaval do Julinho, mestre de bateria do Gato de Bonsucesso e morador da Nova Holanda, na próxima semana. “E no sábado a gente gosta de ir pra curtir. A gente compra a frisazinha, senta naquelas cadeirinhas lá, leva o salgadinho, a cerveja pode levar de casa… e tirar aquele dia pra descansar, porque no domingo já tem que descer com um saco de fantasia”. Essa programação é feita com a família, que desde sua infância já introduziu Julinho no samba.

Mestre de bateria, no Gato ele conduz os demais componentes percussionistas. Foto: José Bismarck.
Desde criança Julinho foi familiarizado no mundo do samba. Foto: José Bismarck.

Julio Cesar Ferreira tinha só 10 anos quando foi levado pra Sapucaí e ouviu “Liberdade! Liberdade! Abra as Asas sobre nós”, samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense em 1989, e conta a família que ele já se empolgava acompanhando a canção. Aos 13 começou a ir aos ensaios do Gato, que na época era o bloco Mataram meu Gato, e ficava batucando na mesa, batendo palitinho de churrasco na latinha de refrigerante, até que o chamaram para ser da bateria, e ele iniciou no tamborim. Por volta de 1995, com 16 anos, ele gostou do desfile da Unidos da Tijuca, e seu tio, que era compositor da escola na época, levou um pessoal da Maré para tocar lá. Seu primeiro desfile na “Tijuca” foi em 1996, no tamborim, mas logo depois ele começou no instrumento que hoje é o seu oficial: a caixa, ou “caixa de guerra” como gosta de chamar. Em 2006 ele se tornou diretor de bateria da Unidos da Tijuca, e desde 2011 é mestre de bateria do Gato de Bonsucesso.

Diretor de bateria, Julinho conduziu o desfile da Unidos da Tijuca em 2018. Foto: arquivo pessoal.

Da saúde e do samba

O Julinho mestre de bateria que fica na correria na semana de Carnaval é, de segunda a sexta das 7h às 18h, um Agente Comunitário de Saúde (ACS). Ele vai completar 20 anos na profissão, sempre trabalhando na Maré. Começou no CMS Hélio Smidt, que fechou, e hoje atua na Clínica da Família Diniz Batista, no Parque União. “Eu falo aqui na Maré que eu sou do samba e da saúde… eu rodo tudo aqui, se precisar ir até o Conjunto Esperança eu vou”. Há tantos anos na profissão, ele é conhecido por toda a área, e tem uma série de atividades na Clínica, como acolhimento de paciente e checagem do cartão de vacinação. Mas o principal trabalho mesmo é na rua, de porta em porta, orientando diabéticos e hipertensos para tratamento, gestantes para pré-natal, tirando dúvidas sobre consultas que devem ser marcadas e as que são livre demanda.

De segunda a sexta ele percorre as ruas da Maré como agente comunitário de saúde. Foto: arquivo pessoal.

É um trabalho que tu ajuda as pessoas… parece que eu já faço no automático, parece que já é meu mesmo esse acolhimento de escutar, dar atenção, orientar.

Julinho, agente comunitário de saúde

Montagem do ateliê

Diferente da esposa, Glauce, que vai assistir os desfiles pela televisão, a família já não consegue acompanhar o trabalho do Julinho nos dias de carnaval, porque tem a sua própria programação de desfiles: Imperatriz Leopoldinense, São Clemente, Unidos de Jacarepaguá. A exceção é a Unidos da Tijuca, onde eles vão sair juntos. A casa onde todo mundo se reúne, a “relíquia de vó” na Rua da Conquista na Nova Holanda, quando chega na semana do Carnaval parece até um ateliê. A mãe, as tias e a prima desfilam em várias escolas, até duas por dia, e o dia de descanso é o sábado em que todo mundo vai só assistir. Para ele, com responsabilidades a mais por ser mestre e diretor de bateria, os dias são pura correria. “A semana fica corrida, tem que pegar fantasia aqui, pegar ali, fazer contato no Whatsapp, arrumar cuíca que a escola não tem, tamborim, ver horário de concentração pra não chegar atrasado”.

Com a família, da esquerda para a direita: o afilhado Carlos Eduardo, Julinho, a mãe Vânia, a tia Virgínia e a prima Vanessa. Foto: José Bismarck.

Em mais de 25 anos tocando a caixa, ele já foi componente também da Viradouro, Grande Rio, Beija-flor, Mangueira, Paraíso do Tuiuti, Unidos da Ponte, Portela, Vila Isabel. E ele se lembra com pesar do Carnaval de 2012, quando os horários bateram e ele não conseguiu chegar a tempo no desfile da Unidos da Tijuca: “O enredo era Luiz Gonzaga, o rei do Baião… eu já era mestre de bateria do Gato, lá na Intendente… aí era aquele negócio: olhando pro relógio, nervoso. ‘Caraca, não vai dar tempo’. Quando acabou o desfile do Gato, que a gente foi ver na televisão, a Tijuca já estava quase entrando”.

No desfile da Estácio de Sá, em 2020. Foto: arquivo pessoal.
Com o prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo, para a bateria da Unidos da Tijuca em 2015. Foto: arquivo pessoal.

E ele não é o único a transitar de uma escola para a outra: até no dia do desfile, os representantes das escolas se comunicam para completar os componentes da bateria, e o Julinho acaba levando quem ele acha que está pronto. Segundo ele, “bateria é uma troca”, e assim como ele foi tocando e sendo chamado para várias escolas, também os jovens da Maré que entram no Gato e de destacam ele acaba levando para outras escolas. O contrário também acontece: ele consegue levar percussionistas de outras escolas para tocar no Gato, o que vai acontecer no próximo dia 20, segunda-feira de Carnaval, na Intendente Magalhães.

Com mais de duas décadas na área, ele reconhece a dedicação e o trabalho de cada pessoa da escola, sejam compositores, percussionistas, aderecistas, soldadores, marceneiros. Todo mundo se empenhando ao máximo para estar tudo pronto e deslumbrante no dia do desfile.

E aí é essa coisa linda que a gente vê um dia só, mas é um trabalho árduo.

Julinho, mestre de bateria

Depois de toda essa programação, o Julinho vai pedir férias e descansar, porque daqui a uns meses já começam os ensaios para o Carnaval de 2024.

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